Capítulo 6 - Livre - 1953
Cavalguei por aquela estrada por muito tempo. Meu pai e seus capatazes só tinham algumas éguas para montar e irem atrás de mim. Elas eram um pouco menores que Trovão. O garanhão era o melhor investimento do meu pai em equinos.
Com a chuva, tudo piorou para todos nós. As montarias afundavam os cascos na lama e ficavam mais lentas. A visibilidade era menor ainda pela neblina.
Eu montava o mais forte. Ele seguiu. O cavalo correu com fúria. Parecia entender que precisava fugir das éguas e dos homens montados nelas.
Nós alcançamos outras fazendas até que chegamos no chão de concreto da cidade. Quando tomei coragem para olhar para trás, ninguém mais me seguia.
Estávamos encharcados e imundos.
Andei pela cidade sem saber para onde ir. Onde parar. Onde descansar... Talvez os homens da cidade fossem ainda piores que os da fazenda.
Passei o dia todo procurando algum lugar. Trovão tentou, muitas vezes, me derrubar. Também estava cansado, tal como eu.
A chuva caía fina e já estava anoitecendo. Parei diante de uma escola grande. Silvino me alfabetizou, então eu consegui ler o nome do local: Escola Normal Maria Elizângela Batista. Enxerguei um pátio coberto, sustentado por quatro pilares grossos. Nela, estava uma porta grande de madeira. Cinco degraus grandes eram necessários para alcançar a varanda.
Desci do Trovão e o guiei pelas rédeas até lá. Simplesmente, coloquei um cavalo no pátio e o amarrei em uma das pilastras. Ele relinchou e se balançou, fazendo voar gotas de água por todos os lados. O pobre cavalo merecia um local seco.
— Me desculpa, Trovão. — Sentei-me no chão e me encostei na parede amarronzada daquela escola. Deitei-me no chão e me encolhi, com frio.
Fechei os meus olhos e adormeci.
Acordei abruptamente com um homem me cutucando. Já era dia e a chuva havia acabado. Era muito cedo.
Afastei-me bruscamente do homem. Olhei de relance e vi que Trovão ainda estava ali. Aquele homem parecia ter uns cinquenta anos e estava agachado diante de mim.
— Não encoste em mim! — Gritei, encolhendo-me.
— Calma! — Ele disse de maneira ríspida. — Você está dormindo no pátio de uma escola com um cavalo amarrado ao seu lado. Pode me explicar o que é isso?
— Quem é você?
— Eu trabalho aqui. Me responda você primeiro.
— Rosa. Meu nome é Rosa.
— E o que você está fazendo aqui? — O homem se levantou e se aproximou de Trovão.
— Cuidado! Ele é bravo. — O cavalo relinchou, inquieto. O homem parou.
— O que você está fazendo aqui? — Ele repetiu a pergunta.
— Eu não tenho para onde ir e precisava me esconder da chuva. — Levantei-me e me aproximei do Trovão. — Mas já estou indo embora.
— Uma moça dormindo a esmo é perigoso.
— Não me importo. — Cuspi as palavras.
— Não seja chucra como esse cavalo. Olhe para você!
Olhei para o meu corpo. O vestido imundo, a pele suja de sala e com pequenos cortes causados pelo mato alto, as pontas dos cabelos desgrenhadas...
— Quer que eu fique para me fazer mal! — Rebati em meio a um grito. — Quer me pegar à força e me violar!
O homem levantou os braços como quem se rende. — Menina... Calma.
Não consegui dizer mais nada, apenas o encarei em silêncio com minha respiração ofegante e algumas lágrimas nos olhos.
— Logo o diretor irá chegar. E mais tarde, os professores e os alunos. Esse pátio vai ficar cheio de pessoas.
— Eu vou embora!
— É muito mais perigoso que seja violada caso ande sozinha assim. — Novamente a aspereza na voz.
— Por que está preocupado? Você vai ser o primeiro a tentar!
— Não me ofenda dessa maneira, menina. Estou tentando te ajudar. — Ele se aproximou alguns passos. — Meu nome é Orlando. Eu sou zelador dessa escola. Venha... Entre. Nos fundos tem uma horta, perto dela, tem algum capim para o seu cavalo...
— Você não vai roubar o Trovão!
— Facilite as coisas! — Sua voz se tornou mais alta em algo próximo de um grito.
Senti-me apreensiva. Mas eu não tinha para onde ir. Estava faminta e precisando de um banho. Trovão também devia estar com fome. Tudo o que me restou foi aceitar entrar na escola com Orlando.
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