Capítulo 4 - Cavalo de Batalha - 1953
Fiquei sentada na margem do rio com os pés na água até o entardecer. O vento soprou em meu corpo e eu tremi de frio.
Precisei voltar para aquela casa. Caminhei pela trilha sem medo algum. Se alguma onça me atacasse, eu morreria sem lutar. Se uma cobra me picasse, eu me deitaria sobre a pedra na beira do rio e partiria ali.
Mas nenhum animal perigoso cruzou o meu caminho além de pequenos mosquitos que insistiam em sugar o meu sangue degenerado.
Quando alcancei a fazenda, o meu corpo tremeu. Andei, sem olhar para os lados, em direção à casa.
— Rosinha... — Desgraçado. Eu odiava aquele homem. Tentei acelerar os meus passos, porém Josué me alcançou. — O patrão tá te procurando. — Ele tocou o meu braço. Não consegui responder nada.
— Ele tá bravo. Acho melhor você se cuidar... — Continuou. — Tava nadando no rio, menina? Vida boa...
— Eu... — Novamente as lágrimas me vieram aos olhos. Levei os meus olhos até o horizonte, desviando tanto da casa, como de Josué. Eles repousaram no estábulo.
Lembrei-me bruscamente de Trovão e sua luta para que não lhe fosse colocada as rédeas. A criança e a mulher com quem sonhei também invadiram a minha mente. Na minha memória, os relinchos de Trovão se misturaram com o chiado agudo dos meus sonhos estranhos.
Puxei o meu braço da mão de Josué e tomei coragem para o encarar. — Se ele tá chamando, eu vou. — Respondi de maneira seca e segui em direção à casa. Meu corpo ainda tremia e as lágrimas vieram de novo.
Adentrei a casa e encontrei Silvino e Antônio na sala.
— Onde você se meteu, Rosa? — O meu pai me indagou.
Não respondi.
— Responde. — Antônio perguntou com raiva. Ele parecia ter muita raiva de mim. Penso que ele me odiava. Maria era rude às vezes. Mas nunca foi exatamente cruel. Suas palavras eram ordens ríspidas. Às vezes, ela até me orientava e me ensinava algumas coisas, principalmente quando íamos à igreja. Caetano era distante. Não falava muito comigo e, quando falava, não me destratava. Mas nunca prestava realmente atenção no que eu dizia. Sequer me olhava nos olhos. E Silvino... Era o único que realmente me decepcionava.
— No rio. Fui pro rio. — Respondi encarando o irmão que me odiava.
— Jogou todo o milho fora... — Falou entredentes conforme se aproximou de mim. — E fugiu. Você passa o dia inteiro nadando pelada naquele rio, não é, putinha?
— Antônio! — Meu pai o chamou. — Não fala assim com ela.
— E desde quando tem jeito certo de falar com empregada?
— Não sou sua empregada. — Aquela resposta foi mais forte do que eu. — Sou sua irmã.
— Irmã? Você é uma bastardinha que meu pai fez na rua.
— Antônio! — Silvino gritou. O filho se calou e encarou o pai. — Nessa casa, a gente tem respeito! Sai daqui. Deixa que eu falo com ela.
O maldito obedeceu. Os olhos escuros de Silvino caíram sobre mim.
— Você não facilita as coisas, né, Rosa?
— Não vou deixar que seu filho me trate como esterco. — Decidi não ceder. Meu coração explodiu em fogo.
— Esse seu jeito não ajuda. Responde os outros, foge do trabalho, não age feito moça...
— Eu esperava que o senhor pudesse me defender. — Senti um nó em minha garganta.
— Defender, Rosa? Se você se comportasse direito, eu defenderia. Mas do jeito que você faz, não tem como.
— Antônio se comporta pior do que eu. Nunca tratei ninguém do jeito que ele me trata.
— Ele é meu filho mais velho, menina... E falar daquele jeito é... É coisa de homem.
— Não tem nada a ver com ser homem. O problema é que ele é o seu filho. Eu não sou.
— Rosa! — Advertiu no mesmo tom irritado que advertira Antônio.
Calei-me. Silvino me encarou por algum tempo enquanto eu segurava as lágrimas. — Peça a benção, troque de roupa e vá dormir. — Ordenou com um olhar triste.
— A sua benção. — Segurei a mão dele.
— Boa noite, menina. — Assim que meu pai terminou de dizer aquelas palavras, comecei a me afastar até o meu quarto. Tirei o vestido molhado e coloquei minha camisola. Deitei-me na cama e me enrolei no cobertor, sentindo frio. Queria tomar mais um banho, porém, temi encontrar Josué naquela escuridão que veio com a noite.
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