Capítulo 2 - O Fantasma - 1953
O dia foi tão intenso que eu não pude sequer respirar. Meus braços estavam doendo e Maria não parava de gritar ordens para mim.
Silvino, Caetano e Antônio chegaram no horário do almoço, após trabalharem na plantação de milho.
Todos nos sentamos à mesa para almoçar. Maria não gostava que eu me sentasse junto a eles, mas ela também não me impedia de me sentar ali.
As conversas durante o almoço eram o meu momento de silêncio. Dificilmente alguém se dirigia a mim. Eu comia de cabeça baixa para não precisar encarar a esposa e os filhos do meu pai.
— Rosa. — Antônio me chamou. Era incomum que meus irmãos conversassem comigo. Encarei o rapaz. Ele tinha vinte e sete anos. Parecia muito com Silvino. Rosto barbado e cabelos encaracolados e castanhos, olhos pequenos e ombros largos. Eu sempre tentava buscar alguma semelhança entre nós. — Você não deu milho para as galinhas. — Disse em um tom seco.
— Eu não sabia que eu tinha que dar milho para elas hoje. — Retruquei.
— Como não? Ficou fazendo o quê o dia inteiro? — Silvino ficou em silêncio olhando o filho mais velho falar comigo. Maria continuou a comer, assim como Caetano.
— Limpei a casa inteira e ajudei a Dona Maria no almoço!
— Vai dar comida para as galinhas, anda!
Encarei meu pai. Ele continuou em silêncio.
— Quando eu terminar de comer, eu vou.
— Eu tô mandando você ir agora, bastardinha. Levanta! — Maria levantou os olhos para o primogênito, mas permaneceu em silêncio.
— Deixa a menina comer. — Caetano retrucou. — Depois ela coloca... — Sua voz estava distante, como se não estivesse prestando atenção.
— Eu tô mandando colocar agora. — Os olhos de Silvino brilharam, mas ele não reagiu. Levantei-me bruscamente da mesa e caminhei para fora da casa em direção ao galinheiro. Peguei o pesado saco de milho com meus braços finos, enchi minha mão com os grãos e joguei para as galinhas que correram para os bicar.
Percebi as gotas de lágrimas escorrendo pelo meu queixo e meus olhos pesados. Aquelas lágrimas discretas logo se transformaram em soluços.
Soltei o saco de milho, que caiu no chão. Os grãos vazaram para fora do saco e as galinhas correram para comer.
— Vocês têm mesmo que comer tudo. Não deixem nada para aquela família nojenta.
Virei as coisas e corri até o bosque que cercava a pequena fazenda. As árvores deixavam o caminho fechado com exceção a uma trilha discreta que dava em um rio calmo e de correnteza serena.
Perto da margem, tinha uma pedra alta. Escalei como fazia sempre. De lá, permaneci olhando o rio por longos minutos.
Deitei o meu corpo cansado sobre aquela pedra quente. As árvores bloqueavam o sol do meio dia.
O céu brilhava verde. Vi uma criança doce. Um menino de uns três anos. Os cabelos eram volumosos e desgrenhados, embora parecesse que alguém havia tentado os pentear para o lado. Eu entendia aquele menininho, meu cabelo também não me obedecia.
Perguntei-me, por um momento, se aquela criança não era eu. Mas ele usava uma camisa de botão e calças curtas. Era um menino. Em suas mãos, segurava o que parecia ser um carrinho. Seus olhos estavam fixos no brinquedo.
A imagem foi tomada pela névoa e um som que fazia meus ouvidos doerem soou distante como os sapos que cantam no brejo antes da chuva.
A mulher. Aquela maldita mulher. Ela se aproximou de mim. Os cabelos estavam soltos. Eles se pareciam com os meus. Eles caíam sobre os ombros da mulher. Os ombros estavam à mostra em um vestido sem mangas e com decote. Vermelho como o batom que usava.
— Eu não me arrependo. — Repetiu. Como sempre fazia.
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