Capítulo 12 - Assombrada - 1953
Fui proibida de me levantar da cama e Maria passou boa parte da noite rezando comigo.
Enquanto ela rezava, ajoelhada diante da cama e com o terço em mãos, fitei aquela mulher iluminada pelas velas no quarto escuro. Maria carregava rugas ao redor dos olhos, mãos envelhecidas e cabelos presos em um curto e fino rabo de cavalo. Senti compaixão por ela e também algo próximo ao afeto.
Por mais severa que fosse, ela ainda se preocupava comigo. Silvino deve ter ferido o seu coração quando me trouxe para casa.
Levei a minha mão até a dela. Maria arregalou os olhos e me encarou.
— Reze. — Disse com rispidez. E voltou para sua reza para a Virgem Maria. Retirei a minha mão de perto da dela. Por um instante, meus olhos se encheram de lágrimas e pensei que eu fosse chorar. Foi como se o vazio do meu coração doesse.
Mas a obedeci. Repeti as palavras da Ave Maria. Recostei-me na cama e, em meio à reza, adormeci.
Eu estava caído de bruços no chão. Vi meus braços diante de mim. O chão estava lamacento. Reconheci ser a margem do rio. A luz esverdeada refletiu em minha pele suja de lama.
A lama era escura. Mas havia algo ainda mais escuro nela.
Sangue.
Senti uma dor excruciante.
E acordei assustada. Maria já não estava mais no meu quarto, mas consegui ouvir uma movimentação vinda da sala.
A porta do quarto se abriu e Silvino entrou. O homem caminhou até a janela e a abriu, permitindo que a luz do sol invadisse aquele quarto.
— Bom dia. — Seus olhos foram até mim. — Tá melhor?
— Sim. — Tirei o cobertor de cima de mim e me levantei da cama.
— Descanse mais, minha filha.
— Silvino, por que o senhor está tão preocupado?
— Pai, Rosa. Eu sou seu pai.
— Responda o que perguntei.
— Essa é nova! Pai dando satisfação pra filha. Deita nessa cama! — Sua voz se tornou ríspida. — Anda!
Obedeci a ordem dele. Continuei a encará-lo sem titubear um único instante. Voltei a me cobrir com o lençol.
— Tem gente aqui? — Indaguei.
— Dona Elza e Moacir tão aqui. Ela veio te benzer. — Quando Silvino disse isso, arregalei os olhos.
— Não! — Falei de maneira abrupta.
— Eles vieram na boa vontade, Rosa. Não vai agir feito um animal de novo!
— Não me chame de animal. — Eu o respondi entre dentes.
— Eu não sei o que tá acontecendo com você. Está cada dia pior. Mais difícil. — O homem reclamou. — Com umas ideias na cabeça. Arredia. Tratando todo mundo mal.
— Eu te contei o que aconteceu. O desgraçado do Josué fica me seguindo e me ameaçando.
— Rosa... — Ele se sentou na cama. — Quando uma moça dá certas liberdades pra um homem, ele começa a agir igual garanhão, menina. Anda atrás, quer pegar à força. Homem tem desejo, minha filha. Por isso você precisa se comportar direito. Pra que eles não fiquem querendo você.
A cada palavra que meu pai me dizia, mais raiva eu sentia em meu peito.
— Eu não fiz nada! — Gritei. — Não dei liberdade nenhuma pra ele! Esse homem é um doente e eu não quero que ele encoste as mãos em mim.
— Para de gritar! — Silvino me calou em uma ordem dura. — E fale direito comigo! Molequinha maldita, tá precisando ser benzida mesmo. — Meu genitor se levantou da cama e pediu para Elza e seu filho Moacir entrassem.
Demorou muito até que tudo aquilo acabasse.
Odiei cada pedaço daquele lugar e cada pedaço de mim.
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