Capítulo 1 - Indesejada - 1953
A mulher de cabelos longos e escuros me encarou no escuro. A névoa cobria sua face. Eu só consegui enxergar a silhueta e pequenas nuances da escuridão dos seus cabelos e de um batom vermelho nos lábios, assim como o vestido, também vermelho.
— Eu não me arrependo.
Acordei assustada. A luz do sol, vinda de fora, iluminava aquele quarto apertado através da janela de madeira.
A casa do meu pai era grande. As paredes grossas, grandes portas de madeira e muitos cômodos. Ele e sua esposa, Maria, dormiam no maior quarto. Meus irmãos, Caetano e Antônio em quartos grandes. Como eu não era filha legítima de Silvino, dormia em um quarto pequeno que ficava próximo da cozinha. Maria disse certa vez que aquele era o quarto da empregada.
Como o dia já raiara, levantei-me da cama. Vesti-me e fui ao banheiro, tão distante do meu quarto. Eu gostava de me lavar ao acordar e, portanto, caminhei até o poço para pegar um pouco de água.
A fazenda em que eu morava era pequena. Atravessei a varanda larga, cercada por um parapeito baixo, desci os dois degraus dispostos em frente a pequena passagem vazia no parapeito e caminhei o amplo espaço de grama verde e brilhante.
De longe, podia ver a plantação de milho. Algumas galinhas andavam no gramado, ciscando longe de seu galinheiro. Alguns homens trabalhavam na plantação. O nosso cavalo, Trovão, um mangalarga castanho, estava dando trabalho para um funcionário do meu pai para lhe colocar as rédeas, tentando morder o homem e dando coices no ar. Aquele cavalo era rebelde e difícil. Eu o adorava.
Alcancei o poço. Ele ficava isolado, longe da casa, da plantação e do estábulo. Joguei o balde amarrado à corda dentro dele e puxei o balde cheio, colocando toda a minha força em meus dois braços.
— Deixa que eu ajudo, Rosinha. — Ouvi aquela maldita voz atrás de mim e soltei o balde com tudo. Um som alto reverberou quando o balde cheio caiu na água.
— Eu faço isso todos os dias, Josué. — Respondi de maneira seca. Josué trabalhava para o meu pai há mais tempo do que eu era nascida. Ele estava sempre por perto. E seus olhos estavam sempre sobre mim. Certa vez, o peguei escondido, me observando nadar no rio com poucas roupas. Eu pensava estar sozinha no bosque nessa ocasião. Desde então, passei a ter medo daquele homem.
— Deixa eu ajudar. Pequenininha assim, não dá conta. — Ele se aproximou ainda mais. Eu não consegui me mover.
— Não. — Foi tudo o que consegui dizer. Mas Josué não obedeceu. O homem passou por mim. Meu peito doeu e meus pulmões me sufocaram.
Josué puxou a corda com facilidade. Ele era alto e forte. Sem dificuldade, segurou a alça do balde com uma mão, desfez o nó que o prendia à corda e me entregou.
Segurei a alça com as duas mãos, sentindo os meus braços pesados e trêmulos. Os olhos de Josué caíram sobre mim com aquele olhar que eu não gostava.
— Eu levo para você. — Prontificou-se.
— Não. — Tentei me afastar o mais rápido possível, cambaleando com aquele balde. O homem não respondeu nada, apenas me encarou ir embora.
Alcancei o banheiro mais uma vez e tomei aquele banho de todas as manhãs. Lavei os meus cabelos cheios e escuros, lavei meu corpo, esfreguei as solas dos meus pés e tirei toda a sujeira que poderia estar em mim. Tentei me secar e ousei pegar um pouco do leite de rosas de Maria e passei em meu pescoço. Vesti-me com um vestido limpo e voltei ao meu quarto para tentar pentear os cabelos. Desfiz os nós, mas eles continuaram bagunçados em suas ondas volumosas.
Ouvi batidas fortes na porta. Era Maria.
— Anda logo, menina! A casa está imunda! Já faz uma semana que você não faz nada aqui! — Ela não me deu bom dia, apenas vomitou aquelas palavras. Por um momento, calou-se. — Eu já disse para não usar o meu leite de rosas! — Falou entredentes e fechou a porta bruscamente diante do meu rosto.
Não vi Silvino naquela manhã. Nem meus irmãos. Toda aquela manhã foi permeada pelo intenso trabalho braçal de limpar aquela casa e encerar o chão. E quando pensei que poderia respirar, Maria me intimou a ajudar no almoço.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro