
CAPÍTULO 5
Já era tarde quando avistei não muito longe a casa de dois andares feita de tijolo à vista que atualmente eu chamava de lar. O céu já começava a adotar tons mais escuros quando guardei minha bicicleta na garagem, por pouco não tive que pedalar à noite, coisa que eu morria de medo em ter que fazer.
Aquele dia havia sido tranquilo, Peter não apareceu na cafeteria para me atazanar, então trabalhei com mais sossego, embora o medo de que ele surgisse a qualquer momento tenha me deixando um tanto inquieta. Na faculdade, tive minha aula preferida da semana, História Econômica Geral. Bethany dormiu a aula toda, então acabei prestando atenção redobrada para emprestar minhas anotações à ela depois.
A volta para casa seguiu como normalmente. Já estava acostumada a fazer longos trajetos de bicicleta, então minhas pernas não reclamavam tanto quanto no início. Era basicamente meu único exercício físico da semana.
Meu quarto não era grande, longe disso aliás. Por Douglas ser filho único, os pais não se preocuparam em comprar uma casa com mais do que dois quartos. Ninguém esperava que eu fosse ter que morar lá aos 14 anos, nem mesmo eu. Isso resultou em meu quarto ser o antigo escritório do Tio Anton. No entanto, eu não poderia reclamar. Tia Bertha e Tio Anton me acolheram depois do acidente que resultou na morte de meus pais, eu devia muito a eles.
No cômodo havia uma cama de solteiro, um armário branco de duas gavetas que era impedido de abrir por completo por causa da cama, e uma escrivaninha da mesma cor acompanhada de uma cadeira que roubei da cozinha. Meus livros ficavam em uma prateleira fixa na parede que eu morria de medo que caísse em cima de mim enquanto eu dormia.
O quarto ficava ao lado do banheiro, o que era uma vantagem para mim, sempre conseguia ser a primeira a tomar banho de manhã. Já tivera algumas brigas com Douglas, que vinha bater na porta irritado por também querer usar o banheiro, mas fora isso conseguia me arrumar em tempo de sair para o trabalho.
— Nilla, a janta está pronta! — ouvi gritar do andar abaixo.
Depois de vestir um pijama confortável, desci as escadas praticamente correndo, meu estômago estava roncando desde antes de eu chegar em casa. Se não comesse logo eu provavelmente não sobreviveria até o dia seguinte.
Ao chegar na cozinha vi meus tios sentados à mesa, Douglas não estava lá. Tomei meu lugar de costume, ao lado de onde deveria estar Doug, e sorri para meus tios.
— O cheiro está muito bom, Tia Bertha — falei me aproximando da panela para descobrir qual era a janta daquele dia. Macarrão com molho de tomate, um dos meus pratos preferidos.
Com o pegador, me servi de uma boa quantidade de massa.
— Obrigada, querida. Aproveita para comer bastante, Douglas foi na casa de um amigo hoje e pelo que disse por telefone vai dormir lá.
Então era por isso que ele ainda não havia chego. Doug normalmente é o primeiro a sentar à mesa, é o típico garoto adolescente que come por uma família inteira e não engorda uma grama. Se não fosse tão desengonçado, poderia jogar futebol americano no time da escola.
— Certo — respondi com um sorriso e coloquei mais macarrão em meu prato, afinal, era errado desperdiçar comida.
O jantar ocorreu de forma tranquila, conversei sobre o trabalho e a faculdade com Tia Bertha, como fazia quase todos os dias. Tio Anton ficou calado e quando terminou de comer tratou de se retirar, ele não era muito de conversar, mas eu realmente não via problema nisso. Quando todos terminaram de comer, recolhi os pratos e talheres e os lavei, era a minha função diária.
Assim que voltei para meu quarto, me deitei na cama com o celular em mãos. Eu gostava de ver as fotos das pessoas no instagram, mesmo que falsos os sorrisos eram reconfortantes. Eu não me dava ao luxo de postar esse tipo de foto, normalmente publicava imagens de lugares pelos quais passo de bicicleta, como praças e vitrines de lojas. Minha última postagem foi a de uma foto que tirei do pôr-do-sol visto pela janela do meu quarto, Beny deixou cinco comentários com mais de dez tipos de emojis, ela está sempre tentando fazer de tudo para me animar.
Naquele dia não vi nada de especial na minha timeline, talvez tenha sido por isso que meus dedos digitaram o nome de Peter na barra de pesquisa antes que eu pudesse impedir. Encontrei o perfil dele logo de cara, e não me surpreendi ao ver que tinha mais de três mil seguidores, provavelmente noventa por cento eram garotas. Até Bethany seguia ele.
— Traidora — murmurei enquanto analisava as fotos do feed de Peter.
A maioria eram dele tocando violão, algo que eu não esperava, pois achava que ele não devia nem saber escrever direito. Algumas fotos eram do time de futebol americano da faculdade, todas com legendas comemorativas referentes a partidas ganhas. Cliquei na última foto que Peter publicou, era ele claramente mais novo junto com uma garotinha no zoológico de Oregon, um ponto turístico famoso em Portland. Na legenda tinha apenas um emoji de rosa, os comentários falavam sobre ser uma terrível perda e que sentiam saudades da garota.
Aquilo me deixou confusa, fazia a menor ideia de quem poderia ser aquela garota. Ampliei a imagem deslizando os dedos pela tela do celular, mas acabei dando dois toques sem querer, o que fez com que eu curtisse a foto. Meu coração acelerou na hora, não perdi tempo em tirar minha curtida.
— Tomara que ele não tenha visto.
Bloqueei a tela do celular antes que eu pudesse cometer outra gafe. Quase que instantaneamente a tela voltou a se acender, era uma notificação do instagram.
— Merda — falei ao ver do que se tratava.
Nas notificações do meu celular estava claramente escrito: "Peter Daley começou a seguir você".
Eu já podia me enfiar em um buraco ou ainda era cedo?
Tirei o travesseiro de trás da cabeça e o coloquei sobre meu rosto gritando o mais alto que pude. O som foi abafado pelo travesseiro, mas a minha vontade de morrer não.
Como se não pudesse ficar pior, a tela voltou a ligar. Tirei o travesseiro da frente do rosto devagar e voltei minha atenção para o celular. Era outra notificação do instagram.
Decidida a acabar com a tensão de uma vez por todas, desbloqueei a tela do celular e abri a aba de notificações. Dessa vez Peter me mandara uma mensagem, o que era ainda pior.
"Vanilla Quinn
Seus pais gostam de consoantes dobradas?
Ou escolheram esse nome porque amam sorvete de baunilha?".
Ele só podia estar brincando comigo.
A raiva me levou a responder a mensagem sem raciocinar sobre o que estava escrevendo.
"Eu responderia se isso fosse da sua conta".
Me senti triunfante com minha resposta, mas depois de relê-la algumas vezes percebi o quão infantil soou. Eu só estava piorando as coisas.
"Essa não é a melhor maneira de se fazer de difícil".
— Mas... — precisei ler a mensagem três vezes para confirmar ao meu cérebro que ele realmente tinha dito aquilo — Eu me fazendo de difícil?! Até parece.
Digitei tudo que me veio à cabeça naquela hora e cliquei no botão enviar com um pouco de força a mais do que era realmente necessário.
"Não estou interessada em você
E não finja que não tem namorada!".
Ele não demorou em responder.
"Ex-namorada você quis dizer".
Aquilo me pegou de surpresa, tanto que o celular quase escorregou da minha mão.
Por algum motivo senti um frio na barriga enquanto digitava em busca de confirmar se era real o que ele estava dizendo.
"Você terminou com a Darla??".
Minhas mãos suavam enquanto eu esperava por uma resposta. O que diabos estava acontecendo comigo?
Peter demorou mais do que o normal para responder, o que imaginei ser proposital. Eu era previsível demais e ele sabia disso.
"Sim
Mas isso é da sua conta?
Pelo que disse não está interessada em mim".
Ele estava certo. Desde quando aquela informação era importante pra mim?
"Só estava curiosa".
Foi o melhor que consegui responder.
"Certo Nancy Drew".
— Nancy Drew? — ri alto — Que idiota.
Uma batida na porta de meu quarto fez com que eu me calasse.
— Está tudo bem aí, Nilla? — era Tia Bertha — Pensei ter ouvido você gritar antes.
— Ã... Não aconteceu nada, tia. Tudo certo — respondi alto torcendo para que ela não me fizesse mais perguntas.
— Melhor você ir dormir. Tem que acordar cedo para trabalhar.
— Sim, já estava prestes a fazer isso.
— Tudo bem — ela respondeu parecendo aceitar minha desculpa — Boa noite, querida.
— Boa noite, Tia Bertha.
Escutei atentamente enquanto os passos dela se afastaram, se tornando cada vez mais inaudíveis, até que não pude ouví-la mais. Segurava o celular com força entre as mãos.
Tia Bertha estava certa, eu precisava dormir. No outro dia levantaria cedo para começar mais um turno na Double Coffee, não conseguiria trabalhar direito se estivesse com sono, ainda mais pelo fato de que teria que trabalhar em dobro já que Thomas estava doente e ganhou a semana de folga.
Não recebi um boa noite de Peter, ele deve ter aceitado minha falta de resposta como um indicativo de que fui dormir. Era melhor assim.
Coloquei o celular em cima da escrivaninha e afastei a coberta para conseguir entrar embaixo dela. O clima estava aos poucos começando a esquentar, mas à noite ainda precisava dormir com um cobertor por cima ou morreria congelada.
Ao me ajeitar de uma forma confortável, fechei os olhos na esperança de pegar logo no sono, mas foi só depois de longos minutos que isso aconteceu. Minha mente ficou focada em Peter mesmo depois de eu ter ignorado sua mensagem, e eu não estava feliz com isso. Queria me manter longe de problemas e Peter Daley parecia ser exatamente um.
Era um dia quente de verão, estávamos indo para a praia aproveitar os últimos dias de férias. Papai dirigia enquanto eu e mamãe cantávamos animadas a música que tocava no rádio. "She's A Rainbow" era a música favorita de minha mãe, embora meu pai a odiasse.
— Já disse para não mostrar esse tipo de música pra ela — ele reclamou mais uma vez enquanto prestava atenção na estrada.
— Eu não vejo problema em Nilla escutar Rolling Stones.
Minha mãe era uma das maiores defensoras do rock. Nossa casa era repleta de discos de vinil e CDs das mais diversas bandas de rock, ia desde os clássicos até o punk. Ela colecionou durante anos e não deixava nem que eu chegasse perto com medo que quebrasse. The Rolling Stones era uma de suas bandas preferidas.
— Essa música faz claramente apologia às drogas — continuou com o protesto.
Às vezes me questionava como meus pais se apaixonaram, os dois eram o completo oposto um do outro. Enquanto mamãe ia em shows de rock e participava de protestos, papai era contra violência e ficava longe de qualquer coisa que remetia a confusão. Eles se conheceram na Universidade de Portland, ela cursava enfermagem e ele direito. Quando se formaram logo trataram de casar, não muito tempo depois eu vim ao mundo.
— Ela tem catorze anos, sabe que não é pra usar drogas — ela virou pra trás e me encarou com um sorriso — Não é mesmo, Nilla?
Concordei sem questionar, o que fez meu pai suspirar frustrado, mas ele não continuou a discussão.
Cannon Beach, nosso destino final, ficava a no máximo duas horas de Portland, por isso decidimos sair de casa logo depois do almoço. Segundo os cálculos feitos antes de partirmos, chegaríamos lá em tempo de aproveitar as últimas horas de Sol e depois jantar em algum restaurante na beira da praia. Passaríamos a semana, então não havia pressa.
A estrada estava lotada, muitas pessoas tiveram o mesmo plano que nós. Por ser uma autoestrada, a velocidade permitida era alta, então se seguíssemos o fluxo provavelmente chegaríamos mais rápido que o esperado.
— Pai — o chamei — Falta muito para chegarmos?
Eu estive durante meses ansiosa para fazer essa viagem, fazia um bom tempo que não íamos para a praia. Eu sentia falta do mar, do clima de litoral.
— Não muito, querida. Apenas mais alguns quilômetros.
Ele sempre dava a mesma resposta, então eu não sabia dizer se realmente estávamos perto de chegar.
— Quanto tempo isso dá? — insisti.
Assim como a maioria das crianças, eu era ansiosa.
Papai suspirou tentando manter a paciência e se virou por alguns segundos para olhar para mim.
— Já disse que não...
— Grady! — minha mãe gritou o interrompendo.
O pneu do carro da frente havia estourado, fazendo com que o motorista perdesse o controle. Meu pai pisou no freio o mais rápido que pôde e girou o volante para desviar do carro desgovernado, ele só não percebeu que isso nos levaria para a pista contrária.
Acordei suando frio, ao olhar no relógio do celular percebi que eram três da manhã. A coberta que antes me mantinha aquecida estava amassada entre meus pés, provavelmente foi parar lá enquanto eu me mexia durante o sono.
Aquele sonho me atormentava a cinco anos pelo simples fato de ser real. Eu sonhava com o acidente que matou meus pais. Naquele verão não fui para a praia. Na verdade, eu nunca mais cheguei perto do mar desde então.
Com um suspiro, afastei as mechas encharcadas de suor que grudaram em meu rosto e levantei da cama. Caminhei com cuidado até a janela tentando ao máximo não fazer barulho e a abri, me deixando ser envolvida pelo gélido vento da madrugada de Portland.
Respirei fundo e fechei os olhos por alguns segundos, algo que me tranquilizava quando tinha esse tipo de sonho.
Nos primeiros dois anos Tia Bertha ficava a madrugada acordada comigo tentando me acalmar, mas com o tempo decidi fingir que não sonhava mais com o acidente para não preocupá-la. Meus tios já faziam muito me deixando viver com eles, não precisavam de mais um problema.
Foi com esses pensamentos que me apoie no batente da janela e passei a observar a rua mal iluminada. Teria que me arrumar para o trabalho dali algumas horas, mas naquele momento eu queria fingir que eu tinha uma vida normal e perfeita. Só por alguns segundos.
Oi pessoal!
Mais um capítulo de HTYT pra vocês.
Então foi assim que a Vanilla e os pais dela sofreram um acidente cinco anos atrás.
Espero que estejam gostando e não esqueçam de Votar!! <3
Me sigam no instagram: @_mavi.s_ . É onde posto imagens e muitas outras coisas extras referente a história.
Amo vocês <3
Vi Mello
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