06. Proficiência em fazer pactos com entidades enganadoras
Minha mente agiu rápido do momento em que tive minha mini discussão com Amélia até o instante em que chegamos ao saguão do hotel.
Eu não tinha todo o tempo do mundo para realizar o ritual de invocação e voltar para a festa, e Amélia conseguia ser bem grudenta quando queria — e algo me dizia que ela não ia desistir de conversar comigo sobre a questão dos entorpecentes.
Ainda no carro, lembrei que a atendente do hotel deu para cada quarto apenas uma chave magnética. Se eu dissesse que perdi a chave quando já estivéssemos em frente à porta do nosso quarto, alguém teria que descer para pedir uma chave nova, alguém que não seria eu, pois eu estaria muito apertado para ir ao banheiro.
Apesar de toda a situação parecer boba quando eu a estava pondo em prática, deu certo! Chegamos ao nosso quarto e Amélia ficou irritada quando eu não encontrei o cartão pelos bolsos das minhas roupas.
Ela desceu, brava, e eu aproveitei para entrar no quarto e pôr o meu plano em ação.
— Hora da invocação!
Sentei entre as duas camas e coloquei meu telefone com o e-book aberto no chão, bem a minha frente.
Respirei fundo e me concentrei. Eu não era um bruxo, na verdade, acho que não havia uma única gota de sangue mágico correndo pelas minhas veias. No entanto, desde o meu nascimento, sou um ímã de magia — provavelmente um efeito colateral por parte de mãe. Então supus que a habilidade de invocar entidades fosse inerente a mim.
— Ó Fúria Sangrenta, entidade realizadora dos desejos mais íntimos daqueles que a chamam, ouça agora o meu chamado, canalizado pelas chamas ardentes do meu querer mais profundo e pelas nuances mágicas que eu deposito sobre esse clamar, e venha até mim. Apareça. Esclareça suas condições. Realize meus desejos. Dê vida ao que eu vejo.
Enquanto eu repetia as palavras com toda convicção presente em meu ser, senti minhas mãos e pés formigarem. Depois, senti um arrepio que cruzou todo o meu corpo. Após alguns segundos, minha visão enfim pareceu se abrir para o mundo do sobrenatural.
Uma fumaça vermelha tomou conta do quarto, como se alguém tivesse jogado uma bomba de gás no lugar. Porém o vapor não era sufocante, era doce... quase atrativo e inebriante.
Pouco a pouco a fumaça vermelha me engoliu, me fazendo ter uma visão macabra de maneira brusca onde eu estava inteiramente coberto de sangue, olhando para as minhas mãos com a respiração ofegante, o olhar em choque. Eu me perguntei o que no mundo poderia ter me deixado daquele jeito.
Pelo visto eu descobriria muito em breve.
Aos poucos a fumaça foi se amontoando no meio do cômodo, formando a imagem de uma mulher de olhar penetrante, rosto triangular e vestida com um longo, porém discreto, manto de pele de animal.
Confesso que não imaginei que a grandiosa entidade Fúria Sanguinária tivesse uma aparência tão... comum?! Ah, mas minha avó também era uma entidade e tinha a aparência de uma mulher normal, corrigi-me rapidamente.
O debate em minha mente desapareceu em um piscar de olhos quando a entidade situada em meu quarto começou a farejar algum odor no ar, o que chamou a minha atenção.
— Você cheira a... eca! — reagiu ela, me deixando bastante ofendido.
Meu cheiro era tão ruim assim? E quem era ela para falar "eca" para mim?
— Você cheira à maresia. Odeio qualquer cheiro relacionado à praia.
— Então já começamos mal, já que minha avó é Mavetorã Lume e ela adora praias — revelei.
— Cascalhos falsificados! — exclamou a entidade, horrorizada. — O que um descendente daquela pulga fazedora de bebês quer comigo?
— Seus serviços, ué — retruquei. — Não é óbvio?
— Não tanto quanto sua mente imagina.
— As pessoas te invocam para outros fins sem ser para negociar um acordo mágico ou algo do tipo? — perguntei, curioso.
— Oh, você não faz ideia dos horrores que já me pediram — disse ela, ajeitando a barra do seu manto. — E olhe que não é fácil me chocar.
— Tanto faz — relevei. — Preciso da sua ajuda. Quero ser famoso. Quero que minha banda fique famosa. Vamos tocar nesse evento de uma semana que está sendo organizado pela minha namorada e quero que algum produtor nos note e nos leve ao estrelato. De preferência ainda esse mês.
A entidade gargalhou.
— Calma aí, garoto! — pediu ela. — Não acha que está indo rápido demais? Eu nem sei o seu nome. Além do mais, eu não disse em momento algum que ia fazer um acordo com você.
— E por acaso você pode negar acordos?
— É claro que posso. Ainda mais quando o acordo é com alguém ligado àquela lacraia dos mares.
— Você tem medo da minha avó? — perguntei em tom de provocação. — Não acredito que invoquei uma entidade frouxa para me ajudar. Quer saber? Deixa para lá, não quero mais fazer trato nenhum.
— Espera, espera... — pediu ela, pensativa. — Não é questão de temê-la ou não, é só cautela. Sua avó, infelizmente, é mais influente que eu no Conselho dos Astros. Comprar briga com ela é o mesmo que pedir para perder um direito básico.
— Entidades têm direitos básicos? Tipo uma constituição?
— É claro que sim. Pensou que éramos bagunça?
— Não, eu só...
— Pode me poupar das explicações — interrompeu-me ela enquanto desfilava pelo quarto. — Enrolei você por alguns segundos para decidir o meu preço. E já decidi!
— Então... o que vai querer? — perguntei, sutilmente impaciente.
A entidade caminhou até mim lentamente e fez um movimento que eu jamais poderia prever: ela me beijou.
Ao terminar o beijo, ela me fitou de cima a baixo por alguns segundos e sorriu. Nesse momento eu entendi qual seria o "preço" que eu teria de pagar caso quisesse ter o meu desejo realizado.
Não hesitei nem por um segundo. Retirei lentamente o seu manto enquanto ela fazia o mesmo com a minha camiseta. Uma a uma as vestimentas iam sumindo dos nossos corpos e a intimidade entre mim e Fúria Sanguinária ia surgindo.
***
Quase uma hora depois, eu já estava vestido novamente. Fúria Sangrenta estava sentada na poltrona do quarto, fumando um charuto fedorento que me dava vontade de vomitar.
— E então...? — questionei, sério. — Meu desejo já foi concedido?
Ela riu alto.
— Esse foi só o primeiro pagamento, bobinho — comunicou ela. — O segundo será muito mais... hum, como eu posso definir... sangrento!
Levou alguns segundos para o meu cérebro processar tudo.
— Espera... o quê?
— Você vai entender quando for a hora.
De repente, para a minha surpresa, antes mesmo que o meu cérebro terminasse de formar um raciocínio, Amélia abriu a porta do quarto.
— Levi, eu...
Ela pareceu chocada ao perceber a presença da entidade no quarto. Eu sinceramente pensei que ela não pudesse ser vista por mais ninguém além de mim, mas pelo visto eu estava enganado.
— Quem é essa mulher e o que ela faz no nosso quarto?
Fúria Sanguinária gargalhou.
— Amélia, eu posso explicar.
— E como você conseguiu entrar aqui se você estava sem a chave... — A mente dela pareceu ter formado um entendimento subido da situação. Ou quase. — Foi tudo um plano seu para ficar sozinho com ela?
— O que? Não, eu só...
— Você é um idiota, Levi. Não acredito que gastei meu tempo me preocupando com você.
— Amélia, espera!
Mas ela estava furiosa. Virou-se e marchou até a porta.
— Parada — ordenou Fúria Sanguinária.
Amélia congelou.
— Dê meia-volta.
Amélia retornou ao centro do cômodo.
— Achei que precisasse de mais tempo, mas vou demonstrar agora mesmo qual será o segundo pagamento — comunicou a entidade, deixando a poltrona e indo até Amélia.
O que aconteceu em seguida fez minhas pupilas dilatarem.
Fúria Sanguinária se desfez em fumaça novamente e entrou dentro de Amélia por meio do nariz, dos ouvidos e da boca. Depois, a jovem começou a flutuar; os olhos completamente brancos e a boca aberta, despejando rios de saliva.
Eu nunca tinha visto uma possessão antes. Confesso que ver ao vivo foi emocionante, pensei que teria medo, mas não... Foi um sentimento mais parecido com fascínio.
Os braços e pernas de Amélia começaram a se contorcer de forma violenta, sendo possível ouvir o som dos ossos se quebrando. Por fim, foi a vez do seu pescoço quebrar. O corpo da garota caiu no chão violentamente, exterminando qualquer gota de vida que pudesse ter restado de Amélia Cristina Santos.
A fumaça deixou o corpo da garota e se materializou de volta na forma da entidade sanguinária, que ficou face a face com o seu invocador.
— E então, Levi, ainda quer continuar com o nosso pacto? — perguntou Fúria sedutoramente.
Sorri de lado, apreciando a cena.
— Mate quantas pessoas for necessário para que eu me torne famoso até o final desse mês — falei, ambicioso. — Foi esse o nossos trato, não foi?
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