7 - Criaturas da noite
Seguindo Ciáran, Layla subiu toda a extensão da escada circular até o alto da torre oeste do castelo. A cada degrau, o nervosismo por saber o que estava matando as pessoas de seu reino aumentava.
Uma porta bloqueava o caminho, talhada com símbolos e gravuras antigas. Ciáran correu os dedos pelos entalhes, murmurando palavras baixas; um encantamento que vibrou calor pelo sangue de Layla, como se algo no âmago dela quisesse se agitar junto.
Balançou a cabeça, afastando aquela sensação estranha e pulsante.
A porta se abriu com uma rajada de vento. Layla foi invadida pelo perfume das ervas e das velas. Ciáran estalou os dedos no ar, e o fogo na lareira crepitou, aquecendo o cômodo gelado.
— É aqui que trabalharemos em alguns feitiços e encantamentos básicos para proteger seu povo, princesa.
Layla correu os olhos pelo espaço, pelas mesas, maravilhada.
— E do que exatamente estou protegendo meu povo?
— Das criaturas da noite que se alimentam de sangue.
Houve um momento de silêncio, uma quietude que fez Layla imaginar que poderia escutar as paredes de pedra retumbando ao seu redor.
Ela sabia. Como? Não tinha certeza. Mas sabia que aquelas mortas não tinham sido causadas por tribos selvagens ou por animais; um sussurro nas sombras que a impelia a agir.
Tocou o pingente de lua e fitou Ciáran.
— Que tipo de criaturas?
— Vampiros, princesa.
Os olhos de Layla aumentaram. Vampiros. Velhos aldeões contavam histórias de terror sobre criaturas da noite sugadoras de sangue para assustar as crianças. Contos, e nada mais. Contudo... Quem era ela para questionar a veracidade dos mitos, diante de um feiticeiro misterioso e lendário?
— Normalmente, as tribos compostas por vampiros são nômades — Ciáran continuou diante do silêncio dela. — Eles se estabelecem em uma região por algumas fases da lua, se alimentam e depois partem, antes que comecem a levantar suspeitas que os façam ser caçados. Às vezes transformam suas vítimas para aumentar o clã. É assim que as mortes aumentam. Muitos familiares são atacados por seus próprios entes transformados, que deixaram o túmulo para se alimentarem pela primeira vez.
A cabeça de Layla; o que seus pais diriam sobre aquilo? O rei alegaria que o feiticeiro era um charlatão inventando histórias saídas de um pesadelo, apenas para vender "truques" e colocar as mãos no ouro real. Mas sua mãe... Sua mãe. As poucas memórias que tinha antes da morte da rainha sempre lhe evocavam a imagem de uma mulher fascinante e curiosa.
— E até essas fases da lua passarem, como posso proteger meu povo? — ela perguntou. — Como posso evitar mais mortes?
— Há algumas regras básicas. Durante a passagem de uma tribo de vampiros por uma região, o melhor é evitar sair à noite. Um vampiro jamais entrará em uma casa sem ser convidado primeiro. E... O que está fazendo, princesa? — ele perguntou ao vê-la apanhando uma pena e um pergaminho de uma das gavetas.
— Vou anotar tudo. Depois, escreverei uma carta para Pauline. Darei um jeito de enviá-la sem chamar a atenção do meu pai e da guarda real. Pauline poderá espalhar as instruções pelos vilarejos.
— Você é do tipo que não gosta de deixar um detalhe sequer passar.
Ajeitando-se em um canto da mesa, onde a luz pálida da manhã banhava o pergaminho, Layla molhou a ponta da pena no tinteiro.
— Meus mestres e tutores no castelo sempre me diziam isso.
— Não sou seu mestre ou seu tutor.
— Eu sei, você é meu marido. — A palavra saiu de forma natural de seus lábios, provocando uma vermelhidão discreta nas bochechas ao fazê-la se lembrar de sua posição, da noite de núpcias ainda não consumada. Puxou o ar, obrigando o semblante a se manter impassível. — E há alguma forma de repelir os vampiros? Matá-los?
Ciáran anuiu; se havia notado o embaraço dela, fez de conta que não viu, o que causou uma onda de alívio em Layla.
— A luz do sol é a arma fatal contra qualquer raça de vampiro. Durante à noite, uma estaca no coração ou uma cabeça cortada com uma espada afiada resolvem o problema. Que expressão é essa, princesa? Estes assuntos são muito pesados para uma garota criada na corte?
— Não, não. — Ela correu os dedos pelos cabelos, mordendo o lábio inferior, guardando o sorriso de uma memória antiga e enevoada. — Só estou pensando que eu deveria ter insistido para o meu pai também me deixar participar das aulas de esgrima. Esta habilidade seria útil agora.
Uma nota de surpresa e curiosidade marcou o vinco na testa dele.
— E você possui habilidade com alguma arma?
— Arco e flecha. Mas consegui a permissão do meu pai para fazer as aulas com muita insistência. Nada digno de uma princesa, certo?
— Desde que você me invocou, tive a impressão de que você não era qualquer coisa, menos uma princesa comum.
Layla olhou-o de canto; a pálida luz que entrava pela janela arcada dançava a favor dele, harmonizando a tempestade dos olhos, os cabelos escuros e o couro da roupa em uma vibração quieta, mas intensa, capaz de tragar e atingir cada centímetro da torre e do que estivesse em seu interior.
Comprimiu a pena entre os dedos, o coração ligeiramente acelerado.
— Enfim... — Foi Ciáran quem desviou o olhar, voltando-se para as prateleiras abarrotadas de potes. — Itens apotropaicos, ou seja, que possuem o poder de afastar influências maléficas, funcionam contra os vampiros. Alho, ramos de roseira silvestre, ramos de piltripeia, sementes de mostarda... Uma combinação desses quatro itens em uma pequena trouxa feita de tecido de algodão pode se tornar um amuleto poderoso. Infalível? Não. Mas a maioria dos vampiros não gosta do cheiro e se afasta.
— Vou escrever tudo isso para Pauline. Ela pode instruir as pessoas para que cada uma faça seu próprio amuleto.
— Esta é a questão. Há três tipos de vampiros — Ciáran continuou, retirando vários potes tampados das prateleiras. — Os que estão atacando o seu reino provavelmente são da raça Upir ou Strigoi. É complicado confirmar sem vê-los com meus próprios olhos. Qualquer pessoa pode usar os itens que mencionei para se proteger dos Upir, mas, se for um Strigoi, os amuletos precisam ter sido consagrados por um feiticeiro.
— E como não sabemos se são Upir ou Strigoi...
— Prepararemos os itens de proteção com magia.
Layla anuiu, um misto de assombro e curiosidade subindo por suas veias. O pouco que havia lido nos livros de Talia narrava que toda magia tinha um preço. E eles iriam fazer magia. E ela — um casamento que não desejara — era o preço dos feitiços. Para manter a balança equilibrada.
— E a terceira raça? — Layla perguntou. Ciáran se virou para ela, os olhos mais escuros, as sobrancelhas arqueadas. — Você mencionou que há uma terceira raça de vampiros. Ela também não pode ser a responsável pelos ataques?
— Improvável, princesa.
— Por quê?
Layla jurou ver uma sombra trespassando pelos olhos dele antes de Ciáran se virar e espalhar os grãos de mostarda pela mesa.
— Vampiros Vrykólakas raramente se alimentam de qualquer sangue humano. São antigos demais. Dada à natureza dos ataques, Rovina está lidando com um grupo de Upir ou Strigoi.
A impressão de receber um beijo gelado na nuca a arrepiou.
— E do que eles se alimentam?
Ciáran baixou os olhos. Ela esperou pela resposta. Teias de tensão se espalharam pela torre, uma pressão que martelou sobre o peito dela.
Quando Ciáran ergueu o rosto, seus olhos estavam mais sombrios.
Layla prendeu o ar, sentindo-se, pela primeira vez, receosa por estar naquele castelo, tão perto de um feiticeiro que mal conhecia.
— Não é um conhecimento que fará diferença para você, princesa. Assim que terminar suas anotações, separe os grãos de mostarda. Eles precisam ser perfeitos para potencializar o amuleto. Volto mais tarde.
E, com o decreto dado, Ciáran saiu da torre, fechando a porta com força e deixando Layla assustada, sem entender absolutamente nada do que havia acontecido ali.
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Os sons se propagavam por entre os túneis da caverna, onde os gritos dos torturados eram como facas na carne.
Sua audição apurada captou os passos ritmados que invadiram sua câmara. Antes que o servo anunciasse a presença, ele abriu a boca.
— O que deseja, criatura?
— Ela — gaguejou.
— O que tem ela?
O servo se curvou.
— Ela está estranha, mestre. Acho que está fazendo uma premonição, como o senhor disse que faria quando a hora chegasse.
Finalmente.
Sorrindo, ele balançou os dedos, as unhas compridas e afiadas manchando a escuridão sem fim.
— Tragam-na para mim. Vamos ouvir o que ela tem a dizer.
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A luz do dia já havia sido sorvida pelo crepúsculo quando Layla terminou de separar as sementes de mostardas e olhou através da janela, esticando os braços cansados.
Ciáran não regressara mais para a torre, e ela trabalhara sozinha, sendo interrompida algumas vezes por criados com bandejas e refeições.
Será que minha presença o desagrada tanto assim? Então, por que ele me quis como esposa? Por que não cobrou outro preço? Por que não recusou o acordo?
Uma vontade avassaladora de irromper em lágrimas subiu por ela, mas Layla as empurrou para longe. Ela não era alguém que buscava no choro qualquer tipo de consolo.
Decidindo encerrar os trabalhos, deixou a torre e ajeitou o xale sobre os ombros. A suavidade do tecido era como uma carícia da noite em sua pele. Ela desceu as escadas, e, nos últimos degraus, se deparou com Ciáran vindo na direção oposta.
— Estava indo chamá-la, princesa.
Ela mordeu a língua para não devolver uma resposta desagradável, e se limitou a um aceno de cabeça insignificante. Se ele podia largá-la sozinha, ela também podia escolher o silêncio. Caminharam juntos pelo corredor que levava para o quarto dela, e Layla inspirou fundo, se perguntando se teria pelo menos a oportunidade de se banhar primeiro.
— Descanse agora, princesa. Amanhã continuaremos com os preparativos para os amuletos.
Fitou-o de soslaio, vendo que ele se preparava para partir.
— Sei que tenho deveres nesse casamente. Eu te desagrado? Tem algo errado comigo? — as perguntas saíram antes que pudesse contê-las.
Ele buscou pelos olhos dela, a boca pressionada em uma linha fina. Layla pensou na reação estranha — um pouco assustadora — que ele tivera na torre e quase deu um passo para trás. Controlou-se para não tremer.
Foi Ciáran quem deu um passo para frente, para ela; os dedos roçando pelo rosto dela, traçando uma linha arrepiante que subia do queixo para a boca. Ele se demorou por um momento nos lábios dela, a harmonia do toque e do olhar se espalhando como uma corrente voraz em sua pele.
— Este quarto é seu — ele disse, a voz baixa, ondulada, os olhos atados aos dela. — Eu só entrarei nele se você quiser.
Layla entreabriu os lábios; Ciáran lhe desejou "boa noite" e se virou, desaparecendo pelo corredor, os passos dele ressonando no mesmo compasso das batidas aceleradas do coração dela.
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