O memorial do mensageiro, na Praça do Recomeço, é um lugar discreto e modesto, assim como o fundador do país que ela homenageia. O homem retratado em pedra esculpida, no centro da praça, se encontra na presença de um senhor e de uma menina, que juntos estudam os dizeres na placa abaixo dele.

"Em homenagem ao unificador de povos e fundador desta nação. Que o seu exemplo permeie a história como um livro que atravessa gerações. Monumento dedicado a Davi S. Carvalho".

— Quanto tempo ele ficou preso? — perguntou a menina.

— Tempo suficiente para ler cada exemplar e inspirar os colegas presidiários a transformarem suas perspectivas. — O senhor deu um tapinha na capa do caderno. — Depois, fez tudo o que você já sabe.

Ela guardou o lápis no espiral e suspirou:

— Quando a governadora cedeu a ele uma última chance, pesei que faria um discurso histórico que mudaria tudo.

— Pois sim! Ele fez.

Apontou para as anotações, sugerindo que retomassem, e continuou:

— No dia do julgamento, em sua última defesa, Davi não tentou mudar a opinião dos conselheiros. Ao invés disso usou a fala para sanar outras aflições. Primeiro sugeriu que Laura empregasse sua mãe, afirmando que juntas fariam da cantina o lugar mais procurado do vilarejo. É incrível como ele estava certo sobre isso.

Tirou um momento para sorrir, depois prosseguiu:

— Então disse a Dona Nair que seu amigo fora preso, há dez anos. Desde então vivia em Lacerda Braga, sem o conhecimento de sua família, desesperado para voltar a ela. A professora exigiu que explicassem o crime cometido por ele, mas nenhum conselheiro se manifestou, então Cleonice, envergonhada, decretou sua liberdade.

A menina anotava tudo com pressa, tendo que usar as bordas das folhas, pois o resto dos espaços já estavam esgotados. O senhor continuou:

— Também sugeriu que o conselho recontratasse Aluízio, esclarecendo que postura um mensageiro deveria ou não deveria assumir. Depois se dirigiu a Larissa, fazendo um emocionante discurso sobre a amizade com seu filho. Defendeu que encontrassem um modo para que ele continuasse alimentando sua vontade de aprender. Por último, disse a Matheus que a Lua é uma rocha vinda do espaço, que atingiu a Terra há milhares de anos, acabando presa a ele, e condenada a girar ao nosso redor, assim como giramos ao redor do Sol.

Os dois se olharam por um momento. O senhor com meio par de olhos, a menina plenamente maravilhada.

— Como você previu, isso mudou tudo — completou o senhor. — Agora diga-me uma coisa. Presumo que esse não é um simples trabalho para a sua escola, estou certo?

A menina deu razão a ele.

— Há treze anos — continuou o senhor —, pouco antes de Davi nos deixar, soube que nascera a sua terceira neta, cujo nome foi dado em homenagem a avó. Estou desconfiando que essa menina é você.

Rafaela respondeu que sim. De dentro do caderno descolou uma folha avulsa, a desdobrou e disse:

— Antes de partir, ele me deixou uma pequena carta:

Sábios e heróis habitam esse mundo. Encontre os seus e boas aventuras.

— Obrigada, Antônio — disse ela com um imenso sorriso.

E ele sorriu de volta.