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O chapéu do tropeiro

A manhã seguinte foi uma agonia. Músculos e ossos protestavam doloridos.

Davi levantou a camiseta e tocou as costelas, marcadas por hematomas e pequenos cortes. Havia algo mais, um novo tipo de dor. Sua cabeça se expandia e contraía no ritmo das batidas do coração.

— Tô me sentindo um sabugo seco — disse para o irmão.

Matheus não estava em sua cama. Algo tinha acontecido com ele. Desde o dia anterior se comportava de maneira estranha. Calou-se assim que partiram de Dona Maria, não deu as caras enquanto estavam com visita, foi dormir em silêncio, acordou mais cedo e sumiu sem fazer anúncio.

O galo cantava com força quando o sol despontou no horizonte. Resistindo às mágoas musculares, Davi se levantou, esticou os braços, estufou o peito. Foi ao banheiro. Seus pais estavam na cozinha, preparando-se para o dia de intenso trabalho. Não o notaram ali ao lado.

— Já tem duas semanas que acabou o dinheiro, Olívia. Cada vez acaba mais cedo e a culpa é minha, é o meu serviço que tá fazendo falta.

— Hoje vendemos o milho, João. O dia de amanhã a gente vê. Vamos dar um jeito.

— Vou acordar os meninos.

— Deixe o Davi dormir mais um pouco. — Ela olhou para o nada e uma ruga se formou em sua testa. — Viu as costelas do pobrezinho? Queria dizer a ele que não trabalhasse, só hoje.

João a reprimiu, entristecido. Não tinham a opção de poupar Davi do trabalho que os aguardava.

— E o Matheus já levantou — disse Olívia para desconversar.

— Acordou sem eu ter que ameaçar, foi? Que milagre.

Olívia atiçou o fogão com pedaços de lenha. Jogou pó de café no coador e esperou.

João segurava Melissa com um dos braços e retirou o pano do bolo de milho com a outra mão. Colocou sobre a mesa um pedaço para cada e jogou o farelo na boca. Mergulhou três ovos em uma caneca de alumínio, encheu-a com água, olhou no fundo do copo durante um instante e o colocou no fogão.

— Só três? Só faltava essa! Temos galinhas que não dão ovos?

— Acabei de mandar o Matheus oferecer meia dúzia ao Emílio Silveira em troca de leite.

Ouvir aquilo terminou de derrubar o seu humor. Colocou a neném na cadeirinha e se sentou com um suspiro, afundando uma mão nos cabelos. Olívia sentou-se ao seu lado, pousou a mão sobre a dele e ficaram assim por um momento.

— Bom dia — se anunciou Davi.

— Bom dia, filho, tá melhor?

— Sim — mentiu. — Cadê o Matheus?

— Já deve estar vindo.

Olívia passou café e serviu uma xícara para cada um. Depois se aproximou de Davi e examinou o seu curativo. João pediu à Davi que arrumasse os ovos cozidos, que ele descascou e dividiu ao meio, colocando-os sobre um prato, com uma pitada de sal.

— O que a governadora disse a vocês ontem? — perguntou Davi, mordendo sua metade de ovo.

Olívia derrubou um pouco de água da chaleira, quase queimando os pés.

— Ela falou sobre você — disse João. — Veio aqui para te oferecer um trabalho no conselho.

— Pra mim? Por quê?

— O seu gesto chamou a atenção, filho. Ela disse algo como "precisamos de pessoas com coragem de lutar e defender".

Davi ficou um segundo em silêncio refletindo se aquilo era algum tipo de piada. Seu pai não parecia bem-humorado o bastante para isso.

— Que trabalho eu teria que fazer?

Olívia os encarou com severidade, como se estivessem cometendo um pecado ao seguir com aquela conversa. Pensava que mandar um dos filhos para longe deveria ser encarado como crime.

— Não sabemos — respondeu João forçando sua melhor voz de neutralidade. — Você iria com ela para o centro do vilarejo. Aprenderia a ler, ajudaria com as leis, impostos, sei lá.

Olívia pegou Melissa no colo e saiu. João suspirou. Seus olhos encontraram os de Davi e depois desviaram para o nada.

Davi se levantou.

— Eu não vou!

— Tá bom, filho. Sua mãe ficará feliz em saber.

— E você?

— Eu não posso te oferecer nada aqui. Se ficar, vai ser para sempre igual a mim.

Davi foi até a porta. Por ela viu o céu limpo e claro que se formava. Sentiu o vento fresco e o cheiro que levantava todas as manhãs quando o sol atingia o orvalho da colina. Até ontem, nunca havia acordado em um lugar que não fosse aquele. Não entendia qual o problema em ser para sempre como seu pai. Temeu que a verdadeira preocupação dele fosse outra. A dificuldade em mantê-lo. Partir poderia ser um jeito de ajudá-los. Mas como viveria longe dali?

— E o Matheus? E a Mel? — perguntou, tentando arremessar o assunto longe o suficiente.

— Seus irmãos serão a sua família para sempre.

— Tem muita coisa pra fazer aqui, pai. Eu posso trabalhar mais! Posso te ajudar mais!

— Você já trabalha o dia todinho, Davi. Bem mais que eu quando era piá. — O homem tossiu, cansado, e coçou os olhos, tentando melhorar a visão para olhar Davi. — Não seria fácil ficar longe de você, filho. Mas as coisas não vão mudar por aqui. Eu tô ficando sem força, não vou poder cuidar de vocês pra sempre. E se você for, sei que vai lembrar da gente e fazer o que puder pela família.

As palavras de João ecoaram em Davi. Havia peso e dimensão no modo como foram ditas e no significado que carregavam. Assim como qualquer coisa importante, a chance de mudar totalmente as suas perspectivas da noite para o dia impregnou-o de medo.

— Pai, isso não é pra mim.

— Tudo bem, filho.

Matheus entrou na cozinha e ouviu parte da conversa. Colocou um vidro de leite sobre à mesa e ficou ali, em pé, assimilando o que acabara de ouvir e rezando para que o irmão não mudasse de ideia.

A família trabalhou sem descanso pelo resto do dia. Enquanto Davi e Matheus debulhavam as espigas, Olívia colocava os grãos em sacos e João os empilhava nos carrinhos de mão. Davi pensava que essa etapa do trabalho era a mais agradável. Ao contrário das outras, podiam ficar sentados e protegidos do sol. Cantarolavam e o tempo passava depressa.

Ao terminar, partiram ao encontro dos tropeiros. Como de costume o acampamento era montado próximo à fazenda dos Silveira. Todos da região levavam seus produtos, algum prato para partilhar e histórias para contar. Caso convencidos, os tropeiros compravam as mercadorias para revendê-las por onde passavam. Essa distribuição costumava ser lucrativa para todos. A chegada dos tropeiros era um evento festivo para celebrar e partilhar. Há dois verões, para muitos isso mudou.

Matheus colocou o bolo de milho que seu irmão fez na mesa do acampamento. Davi e ele andaram por ali, cumprimentaram outras famílias e alguns viajantes. Seus olhos percorreram as delícias levadas para a festa: torta de maçã, pão com carne, pudim de leite, pastéis de palmito e mais. Contiveram-se para não os atacar antes da hora.

A chegada dos tropeiros foi anunciada. Alguém começou a soprar uma gaita, o som de violão se juntou a vozes em acolhida às comitivas, com danças e cantoria. Havia dez ou mais mulas em cada tropa, carregadas com produtos de outras terras. Cavaleiros as conduziam habilmente: um assobio e as mulas paravam, outro e elas tornavam a andar. Davi não cansava de admirá-los. Costumava fingir ser um tropeiro conduzindo pintinhos do galinheiro de acordo com seus assobios.

Dona Maria chegou com um bolo de banana, avistou Davi e caminhou até ele.

— Como é que ocê tá fio?

— Bem, Dona Maria. Quando posso tirar esse negócio? Sinto que todo mundo está me olhando — Davi inclinou a cabeça onde o curativo permanecia como Dona Maria o havia deixado.

Ela o chamou para um banco, tirando da bolsa uma garrafa e um pano.

— Ocê tinha que ter ficado de repouso, piá — disse enquanto derramava um pouco de água na mão. — Pelo estado que tá esse curativo parece até que ocê foi pra guerra.

— Eu fui! Uma guerra com mil espigas.

Dona Maria limpou o corte empoeirado, rasgou um pedaço do pano e deu a volta na cabeça dele. Um dos tropeiros ia passando e acenou para eles.

— Tarde, Luiz!

— Tarde, Dona Maria, como tá a senhora?

— Tô boa, meu fio. Diz uma coisa, o que ocê tem aí pra encobrir a cabeça desse menino?

O tropeiro se aproximou deles. Davi ficou impressionado com o cavalo prateado que o seguia. O homem usava uma jaqueta preta, forrada com um pelego bege, que parecia quente e confortável. Suas botas eram invejáveis, apesar da lama e da poeira. Usava um chapéu de couro marrom e ostentava uma barba de respeito.

— Como é seu nome menino?

— Davi.

— Você é filho do João com a Olívia?

— Sou! — ele confirmou, arregalando os olhos.

— Tenho uma coisa pra você. Mas antes, vamos ver o que eu acho pra cobrir sua cabeça.

Davi e Dona Maria se olharam animados, questionando-se por que um tropeiro o conhecia e tinha algo especialmente trazido para ele. Matheus se juntou a eles, mastigando algo. O tropeiro se afastou, chamou uma mulher que conduzia outro cavalo impressionante e conversaram. A tropeira lhe entregou algo e depois o beijou. O homem retornou para Davi com um objeto em mãos.

— Experimenta isso! — disse ele colocando um chapéu na cabeça de Davi. — Esse é um acessório diferente, é um chapéu de aba larga. É feito com uma palha especial que não molha. Então serve pra chuva e pro sol. Disseram que pertenceu a um homem inteligente. Tomara que transmita essa esperteza pra você.

O objeto brilhava como novo. Davi nunca havia possuído algo tão bem-feito, que tivesse resistido ao tempo e ao uso de outras pessoas sem se deteriorar. A palha havia sido tecida por mãos talentosas, cada milímetro exibia um nó alinhado aos outros, formando uma malha magnificamente trançada. Castanho-claro, com uma faixa preta no meio e uma aba larga, era um chapéu perfeito.

— Te devo quanto, Luiz? — perguntou Dona Maria.

Davi se contorceu. Lembrou-se que diferente dos sobrinhos de Emílio Silveira e outras famílias, a sua não possuía dinheiro para comprar muambas que os tropeiros ofereciam. Ouviu seu pai dizer que os produtos vendidos por eles eram caros e geralmente inúteis. Dona Maria estava se oferecendo para pagar, mas Davi jamais poderia aceitar depois de tudo que a senhora fizera por ele e sua família, sem nunca pedir algo em troca.

Luiz levantou o pé na ponta do banco em que se sentavam e dobrou a barra da calça até o joelho. Havia em sua perna uma cicatriz do que fora uma grave fratura.

— A senhora já pagou, Dona Maria — disse ele. — E aqui está o que eu trouxe pra você.

Ele entregou a Davi um papel dobrado em quatro partes. Parecia um folheto antigo, ou um calendário como o que sua mãe pendurava perto da janela.

— O que é? — perguntou Davi.

— Um mapa do Paraná — respondeu. — A filha da governadora me pediu pra te entregar. Ela queria um do Brasil, mas eu só tinha esse.

Emílio Silveira chamou a atenção de todos e começou a falar. Matheus sabia que logo após o discurso a mesa estaria liberada, então partiu para conseguir um bom lugar. Dona Maria foi atrás dele. Davi permaneceu ali, sentado no banco, admirando seus presentes. Luiz sentou-se ao lado dele.

— Onde a gente tá? — perguntou Davi esticando o mapa.

— Bem aqui! — apontou o tropeiro.

— Essa é a nossa cidade?

— Não sei se podemos chamar de cidade. A governadora diz que os mapas terão que ser refeitos um dia. Enquanto isso, podemos usar esse aí pra ter uma ideia de onde estamos. Dá pra saber onde encontraremos rios, estradas e cidades-fantasma — disse, apontando cada uma dessas coisas no mapa.

— Essas estradas dão tudo nesse ponto. O que tem aqui?

— Essa era a capital. Onde as pessoas compravam e vendiam, fabricavam e distribuíam. Hoje é só um monte de ruínas e um bando de desvairados que ainda vagueiam por lá. É o que dizem.

— Não é onde a governadora fica?

— Não. Ela fica aqui, no vilarejo, bem perto desse lugar onde está escrito Lapa.

— Eu não sei ler.

— Eu também não. A minha esposa me disse, então sei que é isso que está escrito.

— Agora eu também!

— Você deveria vir com a gente. Se a governadora te chamou é porque viu algo em você. Ela vai te dar um trabalho e te ensinar essas coisas.

Davi suspirou. Baixou a cabeça e ficou em silêncio. Seus olhos buscaram sua família. Encontrou Matheus deliciando-se nos bolos, seu pai conversando com um tropeiro e sua mãe tentando negociar a colheita.

— O que a sua família produz? — perguntou Luiz.

— Milho.

— Suas terras são grandes?

— Deu três sacos.

— Não é muita coisa. Seus pais conseguirão vinte e cinco ou trinta pratas por isso. Vai dar até o verão, mas é arriscado. Uma praga destruiu plantações de um povoado no sul. E no norte, uma seca acabou com safras inteiras. A fome chegou nesses lugares, Davi. Se quer ajudar a sua família, considere o trabalho.

A festa continuou. Os tropeiros estenderam suas mercadorias em toalhas no gramado e as famílias da região correram para negociar com eles, grãos em troca de ferramentas, roupas, animais e outros proventos.

Matheus apareceu com um punhado de pinhões cozidos e os ofereceu a Davi. Os olhos de seu irmão mais novo miraram sua cabeça:

— De onde conseguiu esse chapéu?

— Um tropeiro deu pra dona Maria, por ela ter cuidado da perna dele, eu acho. Dona Maria deu pra mim... porque é uma senhora muito gentil.

João estava passando por ali, com Melissa em seu colo. Davi pegou a neném para o pai descansar.

Ficaram os quatro juntos, em silêncio. Matheus suspirava e sua barriga fazia sons estranhos. Davi balançava a perna, o que divertia Mel, e lutava contra pensamentos conturbados.

— Cadê a mãe? — perguntou Matheus.

— Tentando vender o milho por um preço decente — disse João. — Vinte pratas! Todo esse trabalho do cão e querem pagar só isso, vinte moedas de prata.

Olívia se uniu a eles. Sentou-se deixando a cabeça pender para frente, os olhos grudados no chão e cotovelos nas pernas.

— O que conseguiu? — perguntou João.

— Vinte e duas moedas se adotarmos mais um cachorro.

— Três meses debaixo do Sol, Olívia!

— Eles não querem nem saber, João.

— A gente vendeu bem mais ano passado. O que vamos fazer?

— Tem um jeito — disse ela.

João e Davi se olharam. Matheus sentou-se no chão e se encostou no banco. Até Melissa parou de fazer sonzinhos e prestou a atenção.

— O Emílio nos ofereceu prata. Podemos vender o milho e pegar mais algum dinheiro com ele. Limparemos a roça e plantaremos outra coisa, uva, maçã... Os filhos da Dona Maria estão indo bem com uva. Fizeram vinho e conseguiram compradores hoje. Ou então podemos ter uma vaca, você sempre quis fazer queijo, João. Esse vai ser o jeito.

— Não acho certo — disse João. — O irmão do seu Raul emprestou dinheiro e não conseguiu pagar. Não vemos ele já tem meses, acho que fugiu e deixou a dívida com o irmão.

— Também acho — Davi concordou.

Todos se surpreenderam. Apesar de estarem presentes durante discussões da família, Davi e Matheus não costumavam interferir nos assuntos de adultos.

Matheus se inclinou para o irmão, interessado, assim como faria se a afirmação viesse de seu pai. João e Olívia se entreolharam como se precisassem de um tempo para assimilar que seu filho não era mais criança.

— E se não chover o suficiente? — continuou Davi. — E se a vaca ficar doente e não der muito leite? Como saber se vamos ter o dinheiro?

Experimentou novamente aquele mesmo sentimento na boca do estômago que lhe surgiu na noite anterior. Ainda estava se acostumando com a sensação: uma mistura de medo e ansiedade que se manifestavam através da barriga. Pelo visto, servia para avisar que eventos inéditos, como falar com uma garota ou deixar a sua família, estavam prestes a acontecer.

— Tem outro jeito mãe — disse ele. — Vou trabalhar com a Governadora.

** Oi, aqui é o autor de novo. Esse capítulo me faz lembrar de quando comecei no meu primeiro emprego. Meus pais estavam orgulhosos, mas com medo. De certa forma o medo deles me ajudou, pois no final de cada dia, eu sabia que precisava voltar vivo, a minha mãe me mataria do contrário. Hoje penso em minha irmãzinha que logo terá de enfrentar o mundão e entendo aquele sentimento, não é simplesmente medo, é pavor. Só quero que ela volte para nós, sempre bem e feliz. E também espero que você volte aqui todos os dias, para ler, comentar e ser a pessoa gentil de sempre, até o fim desse livro, conto com isso. Obrigado, pode continuar. ** 

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