O Viajante - Capítulo XL - Mikael - Maio de 1973
Discutimos o que foi falado mais cedo com Levi e Isabelle, e o resultado foi uma devastação em meu peito.
Os sintomas físicos que ele sentia não desapareciam da minha cabeça. Temi poderem anunciar o que sua versão mais nova falou.
Reparei que os ferimentos em seus braços precisavam ser higienizados e pedi ao Wolfgang que pegasse os produtos que, outrora, comprei para limpar um corte em sua mão.
Enquanto eu limpava suas feridas, vi um hematoma em seu antebraço direito. A minha força se dissipou quando ele me disse que provocou o ferimento. Ao fim, o vi se levantar e meus olhos o seguiram até o banheiro.
Após alguns minutos, o Wolfgang voltou, com o corpo limpo e roupas trocadas, e se sentou ao meu lado no sofá.
Os meus pensamentos estavam afundados em águas escuras e frias. Entretanto, a presença dele fazia com que a luz do sol alcançasse essas águas.
Me virei em sua direção, encontrei seus olhos e o contemplei com ternura ao tocar o seu rosto com ambas as mãos.
O Wolfgang sorriu de maneira travessa e segurou os meus pulsos. Me surpreendi com o gesto.
Ele se jogou em minha direção e colocou a força do seu corpo contra o meu.
Eu não perdia o seu olhar brincalhão de vista. Por vezes, percebia esse olhar descendo até a minha boca.
Um desejo competitivo, de um moleque imaturo, emergiu em mim e eu tensionei o meu corpo, resistindo à força que ele colocava.
Enquanto o olhava, via o seu peito subir e descer rapidamente, ofegante. Por mais que ele me empurrasse, não tinha forças para ganhar de mim.
Seu olhar saiu do meu e encarou os meus braços enrijecidos, cuja firmeza o impedia de me empurrar.
Aquela brincadeira ficou divertida e um riso juvenil me escapou, o que fez o Wolfgang rir da mesma maneira.
- Babaca. - Ele falou em meio ao riso.
Subitamente, relaxei meus braços e cedi. Senti o corpo dele cair em direção ao meu e sua respiração quente soprou no meu rosto.
Ali, eu soube que a brincadeira já estava ganha, pois o Wolfgang caiu no meu truque.
Aproveitei a distração e o segurei pelos pulsos, com cuidado, evitando tocar nos ferimentos. Vi a raiva aparecer e sumir de seu rosto em uma fração de segundos e ele soltou um riso jocoso de quem sabia que fora dominado.
Inclinei-me sobre o Wolfgang e fui acompanhado pelo arfar crescente de seu peito. O sorriso se desfez e seu olhar perdido caiu sobre os meus lábios.
Debrucei um pouco mais, ficando por cima e obrigando-o a se deitar no sofá. Seus olhos não paravam de encarar a minha boca e eu sentia uma vontade desesperadora de o beijar.
Mais uma vez, o riso jocoso me escapou e ele também riu. Ríamos como dois moleques tontos.
- Ganhei de você. - Provoquei-o após conter a minha risada. Diante da provocação, vi surgir nuances de malícia em seus traços delicados.
O Wolfgang passou as pernas ao redor dos meus quadris, em uma trapaça baixa e eu revidei pressionando seus pulsos contra o assento do sofá.
Era uma forma de vingança por despertar meu desejo, evidente em nosso contato íntimo, e impedir qualquer disfarce da minha própria ereção.
O Wolfgang pareceu satisfeito com a minha reação a julgar pelo sorriso malicioso que se formou em seus lábios.
- Grande merda. - Retribuiu a provocação. Ele tinha o sorriso travesso estampado na face... E como eu amava aquele sorriso.
Aproximei os meus lábios nos dele e o Wolfgang se inclinou e me beijou.
Um arrepio me percorreu diante do beijo dele e eu fiquei em dúvida sobre quem tinha sido o vencedor da nossa competição.
Entorpecido ao sentir os seus lábios úmidos, pressionei os nossos corpos um contra o outro.
Minhas mãos deslizaram até às suas e eu entrelacei os nossos dedos. Wolfgang os apertou, estreitando o contato.
Talvez, em meio a tanta volúpia, quiséssemos unir cada centímetro de nossos corpos, sem deixar nenhum espaço entre eles.
O suor de nossas peles e o calor que emanávamos não parecia ter um início ou fim bem definido. Não dava para saber o que vinha de mim e o que vinha dele.
Éramos algo único e entrelaçado.
Embora qualquer ruído externo nos fizesse recuar em alarme, rapidamente voltávamos a nos unir, sem que o amargo mundo ao nosso redor nos arrancasse um do outro.
A necessidade de unir nossos corpos se tornou insustentável. Cada toque e cada beijo aumentavam a minha sede por ele.
Seria inconsequente continuar no sofá, estávamos sem controle nas mãos um do outro.
Eu me levantei, libertando-o dos meus braços. Não precisei dizer uma única palavra, pois o Wolfgang também se levantou, me segurou pela mão e me guiou ao quarto dele.
E nós transamos nos lençóis de sua cama, consumando a união do calor de nossas carnes.
Após o sexo, passamos longas horas na companhia um do outro. Tomamos um longo banho juntos, fizemos o almoço, conversamos, rimos, e eu pude bagunçar e acariciar os seus cabelos e o abraçar sem me preocupar com mais nada.
Senti que aqueles momentos eram de felicidade genuína.
-
Infelizmente, precisei ir embora da casa dele no fim da tarde. Eu tinha plantão naquela noite. Eu tentei arduamente esquecer a conversa sobre a possibilidade de morte do Wolfgang.
Entretanto, as lembranças dela continuavam rondando os meus pensamentos. Tudo o que eu sabia era que, se eu as deixasse entrar, colapsaria em dor e desespero.
Ao chegar no pronto-socorro, mal tive tempo de trocar as minhas roupas pelas vestes brancas do hospital, e já precisei apressar os passos para atender uma emergência de um homem baleado.
O plantão estava um caos. As emergências só deram uma trégua às 4h da manhã. Eu já estava exausto àquela altura.
Segui pelo corredor, com os olhos pesados pelo sono e cansaço. Fui até à copa para beber um copo cheio de café a fim de me manter acordado.
- Mikael. - Ouvi doutor Antônio me chamar. Ele também estava indo para a copa. O médico ofereceu espaço para que eu entrasse primeiro no cômodo. - Podemos conversar?
Assenti à pergunta. Antônio também entrou na cozinha, andamos até à mesa e nos sentamos. Peguei um copo americano e enchi de café.
- Os resultados dos exames do seu amigo saíram.
Ao ouvir aquilo, senti náusea e um medo gélido esfriou as minhas mãos. Não consegui beber o primeiro gole da bebida quente.
- E então...? - Perguntei em palavras hesitantes.
- Ele precisa voltar aqui com urgência.
Meu corpo começou a tremer.
- Os exames saíram muito alterados? - Me controlei para que o nó em minha garganta não se transformasse em lágrimas.
- Sim. O hemograma e plaquetas estão em índices abaixo do esperado. E os leucócitos acima.
- Anemia, talvez? - Ainda que fosse uma doença grave, ele poderia fazer um tratamento para ficar bem. Tinha que ser só isso.
- Não sei dizer. Ele precisa fazer novos exames.
E se a contraparte do Wolfgang tivesse razão? Só cogitar em perdê-lo era insuportável.
Eu não consegui dizer nada. Queria correr dali, ir para a casa do Wolfgang e o abraçar, de modo que ele jamais saísse de perto de mim.
Antes que eu conseguisse digerir aquelas palavras, ouvi um som alto vindo da porta. Era a Alessandra.
- A paciente do A15 parou! - Ela disse de maneira apressada. Doutor Antônio se levantou e eu também.
A15.
Era a mãe do Levi.
Corri mais rápido que o médico até o leito da Tereza. Míriam fazia a reanimação e estava ofegante àquela altura.
- Eu continuo, Míriam! - Me prontifiquei. Míriam se afastou de maca e eu continuei a massagem cardiorrespiratória.
As instruções que Antônio fazia para as outras enfermeiras se afastaram da minha mente. Minha atenção se voltou toda para a paciente.
Tereza tinha os olhos entreabertos. A vida se distanciava deles e o brilho desvanecia.
- Você não pode deixar o Levi sozinho, Tereza. - Sussurrei. - Pensa no seu filho. Não vai agora. Ele precisa de você.
Continuei a massagem, mas ela não voltava. Seu olhar se afundava na escuridão das pupilas dilatadas.
- Ele quer te dar orgulho. Você tem que ver ele vencer na vida. Não vai, Tereza.
Sussurrei "não vai" ininterruptamente enquanto pressionava o seu tórax para que ela voltasse a respirar e seu coração tornasse a bater.
Fiz isso por tanto tempo que meus braços começaram a arder.
Mas a Tereza não reagia.
- Ela não vai voltar. - O médico falou. Eu não consegui parar a massagem ao ouvir isso. Mantê-la viva era um instinto vital. - Mikael!
- Ela tem um filho, doutor...
- Eu sei que o filho dela é um amigo seu. - Antônio rebateu com firmeza. - Ela tá parada há quarenta minutos. A paciente não vai voltar.
Afastei minhas mãos do tórax dela, sem conseguir tirar os meus olhos do seu olhar sem vida.
- Foco, Mikael! - O doutor falou com certa aspereza. - Chora quando o plantão acabar. Tem gente no pronto-socorro precisando de você. Isso aqui é trabalho.
Eliza, Alessandra e Míriam ficaram sem jeito diante das palavras dirigidas a mim.
- Vou declarar o óbito dela. Pede pra Eliane ligar pro filho da paciente. - O médico continuou.
Assenti e saí da sala de cuidados intensivos. Como eu iria encarar o Levi depois daquilo? Eu assisti sua mãe morrer e não fui capaz de fazer nada.
E ainda tinham os resultados alterados do exame do Wolfgang como prenúncio de possibilidades que traziam dores insuportáveis.
O meu desejo era virar pó e ser soprado pelo vento até desaparecer pelos quatro cantos do mundo.
No entanto, eu precisava aceitar que, como qualquer humano, eu não era imune à dor.
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