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O Viajante - Capítulo XIV - Mikael - Março de 1973

Um raro evento estava acontecendo naquele plantão: quase ninguém tinha aparecido no pronto socorro. Eu sabia que isso era um suspiro antes de um mergulho em águas geladas, pois o dia seguinte era um sábado antes do carnaval e o pronto socorro do Hospital São Francisco ficaria lotado dali para frente.

Alguns enfermeiros estavam na copa, entediados e sem nada para fazer. Eu era um deles. Enquanto eu bebia café, encostado na parede em silêncio, tudo o que eu pensava era naquele fenômeno estranho que me rondava. Estava ansioso para Isabelle dar alguma notícia. Inevitavelmente, pensei no Wolfgang. Eu adquiri o costume de passar no bar do Silva após os plantões. Nós dois conversávamos bastante nessas ocasiões. Ele era uma pessoa singular, dessas que não se encontra em qualquer esquina. Nós desenvolvemos uma grande amizade. Há tempos eu não tinha um amigo.

Um murmurinho me tirou dos meus pensamentos. Vi Alessandra e Eliza cochichando, rindo e me olhando. Involuntariamente, encarei as duas.

— Mikael! — Alessandra chamou, enquanto Eliza a olhava com o cenho franzido.

— Quieta, Alessandra. — Ouvi a bela enfermeira sussurrar.

— Você tem namorada? — Alessandra indagou sem rodeios. Eu sabia que aquela pergunta era uma tentativa de mediar algo entre a Eliza e eu.

— Não. — Respondi.

— Ah, é? — Ela riu. Eliza cobriu o rosto com as mãos. — Namorar é tão bom e não é difícil pra você conseguir uma namorada. Por que tá solteiro?

— Para, Alessandra. —  Eliza sussurrou.

— Não quero namorar… — Respondi um pouco desconcertado. — Ando meio ocupado com outras coisas…

— E o que isso tem a ver? — A enfermeira que falava comigo riu. Eliza olhou para baixo com uma expressão triste. Sentia-me mal por não conseguir corresponder uma moça tão doce e gentil como ela.

— Não vou conseguir oferecer a atenção que a pessoa merece. — Justifiquei-me. Alessandra assentiu e olhou de relance para Eliza. Desejei fugir daquela conversa desagradável e decidi deixar a copa.  Fui até a pia, despejei o restante de café lá dentro, lavei o copo e saí do cômodo.

Aquela situação me deixou desconfortável. Eu não queria magoar a Eliza. O que tinha de errado comigo? Por que motivo eu não me interessava por uma mulher bonita, gentil e esforçada como ela? Abruptamente, desejei conversar sobre aquilo com o Wolfgang. Minhas mãos começaram a suar e percebi uma inquietação no meu peito, embora eu não soubesse a razão daquelas sensações. 

O fim do plantão foi um grande alívio. Peguei o ônibus e, durante todo o trajeto, contemplei o céu do fim do verão. Ele estava coberto de nuvens cinzentas e uma chuva fina e gelada molhava as ruas e o vidro do veículo.

Quando desci na estação do quarteirão em que eu morava, percebi-me caminhando até o bar do Silva. Foi uma atitude praticamente automática.

Entrei naquele bar de paredes verdes e mofadas e me deparei com o Wolfgang logo na porta. Ele estava servindo café para dois fregueses.

Wolfgang me fitou com seus olhos escuros e com olheiras. Seu cabelo cor de carvão estava bagunçado, como sempre, e alguns fios estavam caídos sobre o seu rosto. Notei que os hematomas em sua face estavam mais claros, em alguns tons amarelados. Os pontos já haviam sido retirados de sua sobrancelha e tinham deixado uma discreta cicatriz.

— Oi. — Ele me cumprimentou enquanto rabiscava a comarca dos fregueses e entregava para eles.

— Oi. — Eu sorri e ele retribuiu, um pouco sem jeito. Rapidamente, suas mãos magras jogaram o cabelo que lhe caía a face para trás, bagunçando ainda mais aquela cabeleireira escura.

O rapaz andou até o balcão e eu fiz o mesmo. De vez em quando, ele franzia o cenho em uma expressão de dor ou colocava a mão sobre as costelas fraturadas, pois não tinha se recuperado totalmente.

Sentei-me no banco alto em frente ao balcão. Wolfgang olhou o bloco de anotações de pedidos que estava sobre aquela superfície e, em seguida, sentou-se em um banco ao meu lado.

— Acabou essa merda. — Falou enquanto acenava com a cabeça para o bloco.

— Acabou essa merda… — Repeti o que ele disse. — Digo o mesmo do plantão de hoje.

— Tinha muita gente? — Ele indagou ao acender um cigarro que tirou de um maço em cima do balcão.

— Não. Tava vazio.

— Então por que foi uma merda?

— Duas enfermeiras tavam me enchendo o saco. — Wolfgang me olhou com o canto dos olhos conforme soltava a fumaça do cigarro que acabara de tragar.

— Que merda. Por que tavam te enchendo o saco?

— Uma delas tá apaixonada por mim. Essa  moça é muito gentil. Mas ela tem uma amiga que fica me perguntando umas besteiras…

— Ah é? — Ele franziu o cenho e desviou os olhos.

— Pergunta se eu tenho namorada, o motivo de eu não namorar… — Suspirei.

— É uma boa pergunta. Já que você disse que essa moça é gentil…  — Nesse momento, Wolfgang olhou para baixo e mordeu os lábios. — Porra, desculpa. Você tá reclamando dessa maluca ter perguntado isso e eu tô perguntando a mesma coisa, feito um idiota. — Ele esfregou o rosto com uma das mãos.

Olhei-o de relance. Não me incomodei com a pergunta dele. O Wolfgang era um bom amigo e eu nunca vi a sua falta de tato social como algo negativo. Pelo contrário, eu a invejava.

— Só não sinto vontade. Não é recíproco… — Respondi. Aquilo soou idiota, por algum motivo. — É uma idiotice me incomodar com isso. Que bobagem a minha.

— É idiota mesmo. — Ele riu nervosamente. Fiquei em silêncio. De repente, todo aquele incômodo sobre a pergunta da Alessandra me pareceu uma idiotice sem tamanho. Nunca me incomodei com o que as pessoas diziam ou faziam. Por que aquilo me afetou tão fortemente? Eu estava me importando demais com uma enorme bobagem.

Falar com o Wolfgang sobre as perguntas da Alessandra foi bom, pois me fez perceber que eu aumentei a importância de uma situação insignificante.

Encarei-o e ele ainda olhava para baixo. Sua mão esquerda batia os dedos no balcão de forma rítmica, enquanto a outra mão segurava o cigarro. Os cabelos, mais bagunçados do que nunca, caíram sobre sua face novamente. Senti o ímpeto de afastar os cabelos do rosto dele com a minha mão. Entretanto, me contive ao perceber a estranheza e inconveniência da minha vontade.

Tive vergonha daquele pensamento. Desviei o olhar também e, pelo vidro translúcido e rachado da porta do bar, encarei a rua.

Ouvi um telefone tocar de maneira distante.

— Vou atender. — Wolfgang falou e eu assenti. Não consegui o olhar, eu ainda estava bastante envergonhado com o que se passou pela minha cabeça.

Tentei ser racional. Foi só um pensamento. Eu não fiz nada e ninguém saberia que pensei aquilo. Nem mesmo o Wolfgang. Bastava eu não contar para ele. Tudo o que eu deveria fazer era esquecer aquele ímpeto abrupto que tive.

— Mikael! — Ouvi Wolfgang falar em voz alta. Todos no bar ouviram, de certo. Quando ele estava animado ou nervoso, falava aos gritos sem perceber.

Olhei-o confuso, imaginando o que o deixou tão eufórico.

— A Isabelle descobriu quem é o moleque! — Mais uma vez, ele gritou. Acabei rindo com aquilo. — Que foi, porra?

— Você tá gritando. — Avisei.

— Merda… — Wolfgang franziu o cenho. — Ah, foda-se. Eu tô feliz. — Ele disse em meio a um sorriso conforme se sentava no banco ao lado do meu mais uma vez.

— Você tá certo. Que se foda. — Também me senti animado. — O que ela falou?

— Que descobriu quem é o moleque e que é pra gente ir na casa dela hoje à noite.

— Ótimo. — Percebi que sorri alegremente. — Vou precisar dormir muito essa tarde pra aguentar ficar acordado. Passei a noite inteira trabalhando.

— Não sei como você consegue trabalhar por 12 horas.

— Você também trabalha por 12 horas, Wolfgang. — Outra singularidade dele era sua considerável dificuldade com números. Wolfgang conhecia palavras que eu nunca ouvi falar e tinha uma ótima dicção, embora falasse de forma hesitante devido à timidez. Entretanto, quando se tratava de números, ele era quase totalmente inapto.

— Não… — O rapaz franziu o cenho e contou algo nos dedos. — Essa merda abre às 8 da manhã, o Silva diz que eu tenho 2 horas pra almoçar, o que é mentira porque eu trabalho no horário de almoço… Tá, o bar fecha às 8 da noite. — Ele se calou por uns segundos. — Porra, é mesmo. Isso não é ilegal?

— Deve ser. Mas me diz… Como você faz pra calcular o dinheiro do Silva?

— E quem disse que eu calculo? — O garçom sorriu de forma jocosa, evidenciando as covinhas nas bochechas. Sua resposta me fez rir. Levantei-me do banco e o fitei. Os olhos dele me acompanharam.

— Bom, então eu preciso ir pra casa pra descansar um pouco. Até mais tarde, Wolfgang.

— Tchau. — Ele mordeu os lábios após responder, ao passo que batia repetidamente o calcanhar contra um dos pés do banco em que estava sentado. Julguei ser um efeito de sua timidez. Olhei-o uma última vez e andei em direção à saída do bar.

Ao chegar em casa, deparei-me com Samuel brincando no jardim. Ele jogava bola debaixo daquela chuva fria. Meu irmão ainda estava com o uniforme do colégio, que estava sujo e suado.

— Mikael! — Seus olhos verdes me olharam. — Vem jogar bola comigo!

— Cadê a mãe? — Indaguei, preocupado. Sara jamais permitiria aquilo.

— Tá lá na sala com o pai. Ela falou pra eu ir brincar. — Samuel sorriu. Minhas entranhas congelaram ao ouvir aquilo.

— Vem, Samuca. — Caminhei em direção à porta de entrada da minha casa.

— Ah, não!

— Samuel! — Chamei-o com firmeza e ele pegou a bola de futebol nos braços e caminhou para dentro da casa com uma expressão emburrada, fazendo um bico com os lábios. A porta dava direto para a cozinha.

— Vai tomar banho. — Disse com firmeza.

— Você tá chato hoje, Mikael. — O menino resmungou.

— Samuca… — Suspirei. — Às vezes os adultos precisam ser chatos…

Meu irmão mais novo me olhou com tristeza e não respondeu.

— Se você se comportar hoje, amanhã a gente joga bola na praça. — Prometi. Samuel sorriu e assentiu.

— Tá, então eu vou tomar banho! — E correu em direção  ao corredor, desaparecendo da minha vista rapidamente. Eu não queria que Samuel percebesse o que estava acontecendo.

Fui até o corredor e andei em passos aflitos. Alcancei a sala de estar e vi Isaac de pé diante da minha mãe. Ela estava com os braços cruzados e ligeiramente encolhida.

— Você entendeu, Sara? — Ouvi o meu pai dizer de forma ríspida. Sara assentiu e olhou para baixo.

Isaac me percebeu ali e me olhou de soslaio.

— Seu filho já chegou. Vai fazer o almoço. — O patriarca ordenou para a esposa. Minha mãe assentiu e veio em minha direção.

— Mãe, não precisa. Eu faço alguma coisa pro Samuel e pra mim. — Sussurrei para ela. A mulher me olhou com os olhos cheios de lágrimas e sorriu de forma triste.

— Imagina, meu bem. Você trabalhou a noite toda.

Com o canto dos olhos, vi meu pai ligar a televisão e se sentar no sofá.

— O que aconteceu? — Nós falávamos aos sussurros.

— Nada. Não se preocupa… — Eu sabia que não deveríamos conversar sobre aquele assunto ali. Se Isaac nos ouvisse, seria terrível.

— Já mandei o Samuel ir tomar banho. Você não precisa se preocupar com ele.

— Obrigada, meu amor.

Eu odiava aquela vida. Queria que Isaac desaparecesse, pois dessa forma, minha mãe, Samuel e eu viveríamos em paz.

Não troquei uma única palavra com o meu pai. Isso era normal. Nós não conversávamos, nenhum dos dois fazia questão disso. Antigamente, ao menos trocávamos um “bom dia” ou “boa noite”, porém, com o passar dos anos, até isso desapareceu.

Fui até o meu quarto, entrei no banheiro e me desinfetei da sujeira do hospital em um longo banho. Enquanto me lavava, pensei em tudo o que estava acontecendo. Eu me sentia estranho, como alguém que mergulha em um lago escuro, sem saber o que está no fundo.

E eu estava me afundando naquele lago, sem saber se encontraria um predador naquelas águas ou se meus pés apenas tocariam em pedras submersas delicadas e inofensivas.

Quando o fim da tarde chegou, eu saí de casa. Não dormi bem durante à tarde porque estava preocupado com a minha mãe. Portanto, sentia-me cansado ao mesmo tempo em que estava ansioso.

Encontrei com o Wolfgang na estação de ônibus. Ele ainda estava com dificuldade para andar, embora em menor intensidade do que antes. Ajudei-o a subir no ônibus. O veículo estava cheio. Encontrei um assento vazio e o ofereci e fiquei de pé ao lado do assento.

Vez ou outra, eu me percebi o olhando. E, em dado momento, ele me olhou de volta. Ficamos em silêncio nos encarando. Era a segunda vez que aquilo acontecia. Seus olhos escuros estavam sempre perdidos, a vida para ele parecia ser sempre um grande e assustador mistério. Supus que isso fazia com que eu quisesse o proteger às vezes.

Envergonhei-me mais uma vez dos meus pensamentos e desviei os olhos, fitando as pessoas naquele ônibus cheio. Eu estava me tornando alguém muito estranho.

Não tardou muito para que chegássemos em uma estação de ônibus perto do prédio em que Isabelle morava. Andamos alguns metros e alcançamos o edifício. Isabelle nos recebeu em seu apartamento, no segundo andar. Ela vivia em um bom lar. Era um espaço muito grande, com móveis de boa qualidade e eletrônicos modernos. Os tons de vermelho dominavam a sala, eles estavam nas paredes, nos móveis e eram predominantes nas pinturas que ela ostentava penduradas nas paredes.

Isabelle pediu que Wolfgang e eu nos sentássemos em um sofá amarelo e assim o fizemos. Ela se sentou em uma poltrona de couro que ficava de frente para aquele sofá.

— Que casona fina, Isabelle. Você faz o que da vida pra ter esse dinheiro todo? — Wolfgang indagou abruptamente. Isabelle o encarou com uma expressão surpresa e riu.

— Você é bem direto, não é? — A mulher observou.

— O que eu falei de errado?

— Nada. — Ela levou uma das mãos até a boca e começou a roer as unhas. Percebi que suas unhas eram bastante curtas e estavam levemente feridas nos cantos. Aquilo devia ser um hábito. — Eu sou jornalista, Wolfgang.

— Isso explica algumas coisas. — Comentei.

— Que coisas? — Isabelle perguntou enquanto roía as unhas com mais intensidade.

— O talento pra conseguir informações.

— Ah, é… Sim. — Ela pareceu insegura e resolvi ficar quieto. Entretanto, desconfiei que ela estava envolvida em alguma mídia subversiva ao ligar o que ela disse na cafeteria com sua profissão.

— O que você descobriu do moleque? — Wolfgang perguntou.

Isabelle se levantou, caminhou até uma escrivaninha, pegou uma agenda que estava sobre ela e a entregou para o Wolfgang.

— O nome dele é Levi. Tem uma foto dele aí dentro e o número de telefone e o endereço da casa da mãe dele. — Contou conforme se sentava, novamente, na poltrona.

O Wolfgang abriu a agenda e a foto caiu sobre o sofá. Ele a pegou e fitou. Seus olhos se arregalaram e o rapaz soltou a fotografia. Isabelle o encarou confusa e eu também.

— Caralho, fiquei tonto.  — Ele comentou, esfregando o rosto.

— Você passa mal quando encontra com as pessoas que vê nos sonhos, não é? — A jornalista perguntou e Wolfgang assentiu.

— Tá melhor? — Perguntei.

— Sim. Foi rápido. Veio e passou.

— Quando o Wolfgang me viu, não passou mal. — Isabelle divagou. Peguei a foto, caída sobre o sofá, e a olhei. Tinham vários garotos com o uniforme do Santa Maria nela. A face de um deles estava circulada com um marcador vermelho.

O rapaz de face circulada era o mesmo que vimos na rua 18, tive certeza disso. Eles eram idênticos.

— Acho que é porque a gente tava naquela rua. — Wolfgang sugeriu. — Mas aconteceu uma coisa estranha quando cheguei em casa, depois que encontrei com você.

Encarei o Wolfgang com o canto dos olhos.

— O que aconteceu? — Perguntei. Ele não tinha comentado nada comigo.

— Eu vi aquela luz e ouvi aquele barulho. Na mesma hora, o meu nariz começou a sangrar muito… — Aquela informação me preocupou. Temi que pudesse ser uma sequela de suas lesões. — E eu senti um… Ah, porra, eu nem sei explicar. Veio um sofrimento que nunca senti na vida. Parecia que… Que eu… Eu tinha perdido tudo.

Ouvir aquilo me deu um nó na garganta, meu próprio peito foi atravessado por uma ameaça de sofrimento.

— Nossa… — Isabelle disse após um rápido silêncio. Naquele momento, a jovem mulher se desfez daquele semblante duro e fala firme. Ela tinha um olhar de compaixão sobre o Wolfgang. — Deve ter sido horrível, Wolfgang.

— Foi uma merda. Eu não quero mais sentir isso.

Eu não soube o que dizer. O meu nó na garganta se tornou mais forte.

— Tem muitas coisas estranhas nessa história. — Foi tudo o que consegui expressar. Eu queria falar mais coisas, mas não sabia exatamente o que dizer e como o fazer.

— A começar por essa foto do Levi ter sido tirada em 1966.  — Isabelle voltou a adotar aquela fala firme e o semblante forte.

— Eu não entendo porque vejo vocês no passado. Essa merda é esquisita demais. — O rapaz de cabelos escuros falou.

— Mas agora a gente já sabe quem é a quarta pessoa. — Tentei ser otimista.

— Eu liguei pro telefone da mãe dele.  — Os olhos da jornalista se alternaram entre Wolfgang e eu. — E quem atendeu foi o próprio Levi.

— Caralho, que incrível. — Wolfgang falou alto e Isabelle franziu o cenho.

— Não precisa gritar. — Ela reclamou.

— Ah, porra! A gente sabe onde o moleque tá! — Involuntariamente, sorri. Acha o entusiasmo dele engraçado de certa forma. Não era uma graça pautada na zombaria, entretanto sentia vontade de rir naqueles momentos.

— Você conversou com ele, Isabelle? — Perguntei.

— Não. Só liguei, apresentei um nome falso e perguntei quem tava falando. O Levi respondeu e eu desliguei.

— Boa estratégia. — Elogiei. Isabelle parecia ser extremamente inteligente.

— O Levi mora há uns dois quarteirões da minha casa. — Wolfgang comentou. Ele estava com a agenda em mãos, lendo o endereço que Isabelle anotou.

Isabelle ficou em silêncio por um tempo, encarando-o.

— Isso é bom.

— Eu posso ir lá. — Os dedos magros e pálidos tatearam o próprio bolso e retiraram o maço de cigarro e um isqueiro de lá. Ele levou um cigarro até os lábios e o acendeu. Isabelle ergueu a mão, como quem pede algo, e ele entregou um cigarro para ela, junto do isqueiro.

— E se você desmaiar? — Perguntei. — Acho melhor ir todo mundo junto.

— Eu concordo com o Mikael. —  Isabelle tragou o cigarro após dizer aquilo.

— Tá, então, quando a gente vai? — Wolfgang perguntou.

— Amanhã é sábado, já tem carnaval. A gente não sabe se o Levi vai viajar ou pular carnaval. Vamos depois do feriado. — A jornalista sugeriu.

— Merda. — Wolfgang reclamou e esfregou os olhos . — O bar do Silva vai ficar lotado.

— O pronto socorro também. — Comentei.

— E vocês, fazem o que da vida? — Isabelle indagou, olhando para nós dois.

— Eu trabalho de garçom num bar de merda e o Mikael é enfermeiro.

Isabelle riu, demonstrando mais uma vez certa ternura por debaixo de uma camada firme.

— Você é engraçado, Wolfgang. — Ela falou.  O rapaz desviou os olhos, um tanto sem jeito. — Na quinta, a gente vai atrás do Levi. Eu tenho carro. Busco vocês e vamos juntos.

Wolfgang me olhou de relance, como se esperasse a minha opinião. Eu assenti para ele.  O rapaz pediu uma caneta e passou o endereço do bar do Silva para Isabelle.

Tive a esperança de que, finalmente, iríamos conseguir avançar naquela investigação. Intrigava-me saber de que modo Isabelle, Levi, Wolfgang e eu estávamos relacionados. E eu sabia que o Wolfgang tinha um papel importante naquela história toda, pois tudo parecia ser desencadeado por ele.

Não tardou muito para irmos embora. Um relógio na parede do apartamento já marcava 8h quando saímos de lá.

O trajeto da volta foi menos caótico que o da ida. Haviam poucas pessoas no ônibus e muitos assentos estavam livres e o silêncio também.

O Wolfgang se sentou no assento da janela e eu no assento voltado para o corredor, como da outra vez que pegamos o ônibus juntos. Ele olhou para o lado de fora do veículo e se perdeu em seus próprios pensamentos. Segui o seu olhar e contemplei o vidro embaçado pela umidade enquanto pequenos pontos de luz amarelada se revelavam atrás daquele vidro translúcido e pareciam se mover rapidamente conforme o ônibus se deslocava. Aquela era a cidade acesa à noite, coberta pela chuva que anunciava o fim do verão.

Senti paz. Eu sabia que chegaria em casa e encontraria tristeza. Também sabia que veria muitas coisas tristes no pronto socorro. Meus olhos se enevoaram com algumas lágrimas. Eu não entendi a razão daquilo, pois tudo o que eu sentia era paz, independentemente da tristeza que me esperava.

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