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O Viajante - Capítulo VI - Wolfgang - Janeiro de 1973


Fiquei parado com as mãos sobre o balcão por um longo período de tempo após o Mikael ir embora. Tentei digerir a situação. Compartilhar sonhos com uma pessoa desconhecida era um enorme absurdo. Mas parecia ser terrivelmente real. Uma realidade inacreditável que se moldava ao meu redor.

Meus olhos se perderam. Eu não olhava para nada, estava apenas voltado para dentro mim enquanto tentava aceitar o que estava acontecendo. Vi Silva entrar pela porta após voltar da lotérica, mas ainda assim, eu não consegui agir. Estava paralisado pela incredulidade.

— Grilo?! — Provavelmente ele gritou umas trinta vezes antes de eu conseguir despertar.

— O que foi? — Perguntei em um susto.

— Tô mandando você ir fazer café! — Rebateu enquanto se sentava na cadeira ao lado do rádio.

— Dá um tempo. E hoje eu vou sair mais cedo. — Tateei o bolso da calça e tirei o maço de cigarro e o isqueiro.

— Um caralho que vai. Você vai fechar o bar.

— Se vira. Eu vou embora às 6 horas. — Acendi o cigarro e o sorvi, sentindo o gosto amargo e o calor da fumaça em minha boca. Minha garganta doeu quando a fumaça a alcançou.

— Vou te mandar pra rua! — Esbravejou com sua voz estridente. Eu o ignorei, como quase sempre fazia quando ele ameaçava me demitir.

Contei os minutos para o fim da tarde. Trabalhei de maneira distraída. Derrubei café, esbarrei nas mesas e até cheguei a tropeçar e quase cair no chão, pois não consegui prestar a mísera atenção no meu trabalho.

Após o trabalho, andei até aquela cafeteria que combinei de encontrar o Mikael. Alcancei o lugar. O prédio tinha uma fachada muito bem preservada, com paredes bem pintadas e uma placa com uma xícara de café e uma bandeira - que supus ser da Dinamarca. A bandeira era branca e vermelha, assim como a da Áustria. Embaixo daquela combinação de bandeira e xícara, estava escrito Café Dinamarca.

Entrei pela porta de vidro. Eu não costumava frequentar cafeterias. Uma música suave tocava em alguma vitrola. Olhei ao redor. As mesas e cadeiras eram de madeira escura e de boa qualidade. Talvez fosse mogno. As pessoas que estavam ali usavam roupas bonitas. Os homens trajavam camisas e calças sociais bem passadas. E as mulheres usavam vestidos ou camisetas de lã com calças de alfaiataria. Também ostentavam jóias nas orelhas, pescoço, pulsos e dedos.

Senti-me deslocado ali dentro. Usando roupas velhas, com os cabelos bagunçados e olheiras de quem trabalhou um dia inteiro. Mas tentei ignorar esse fato. Eu já me odiava o suficiente por razões que sequer valiam a pena serem pensadas. Não iria me odiar por não estar à altura daqueles imbecis.

Sentei-me numa cadeira que estava ao redor de uma mesa encostada na parede. Peguei um cigarro e fumei enquanto esperava o Mikael. Senti alguns olhos sobre mim. Que todos fossem para a puta que os pariu.

Meus olhos estavam perdidos na fumaça do segundo cigarro quando o enfermeiro chegou. Ele não parecia deslocado como eu. Mikael era um rapaz alto e elegante. Seus cabelos eram de um loiro parecido com areia. Curtos e levemente desgrenhados. Mas de maneira diferente dos meus. Eu quase não tinha controle sobre o meu cabelo, ele era volumoso e rebelde. O máximo que eu conseguia fazer nele era desfazer os nós, os fios ficavam bagunçados, como bem entendiam. Já os do Mikael eram sedosos, sem tanto volume. Os fios estavam ligeiramente bagunçados, com uma sutileza que parecia proposital, sem desfazer a harmonia de sua aparente erudição. Como todos os homens ali, ele trajava camisa e calça social - diferentes das que usava quando foi até o bar. Ele parecia gostar de azul, pois todas as vezes que eu o via, estava usando alguma camisa dessa cor. Mikael combinava com aquele lugar.

— Oi. — Cumprimentou enquanto se sentava à mesa. Apenas acenei como resposta, estava terminando de fumar aquele cigarro.

Mikael pegou o cardápio e o olhou rapidamente. Ao findar o cigarro, afundei sua bituca no elegante cinzeiro de porcelana branca sobre a mesa.

— Só não esquece de fazer o pedido. — Quando eu estava em alguma interação com uma pessoa que não conhecia bem, costumava ficar nervoso. E o assunto que nos levou até ali também não me saía da cabeça. Isso fazia eu me tornar ainda mais irritante em minhas brincadeiras idiotas.

Mikael soltou um riso breve, daqueles que saem pelas narinas como uma rajada de ar.

— Não vou passar uma vergonha dessas duas vezes. — Ele acenou para o garçom com a mão.

— É o tipo de vergonha que vai ficar na sua cabeça por anos. Você tá fodido.

Dessa vez, a risada foi mais intensa que uma mera bufada de ar. Mas ainda assim, breve. O garçom se aproximou.

— Quero um café expresso. — Pediu e me fitou, esperando que eu fizesse o meu pedido para o meu colega de profissão. Eu não tinha condição alguma de pagar por um café naquele lugar. Apenas neguei com a cabeça. O garçom se afastou e os olhos do Mikael foram até mim.

— Pelo o que você me falou mais cedo, você tá sonhando comigo naquele lugar cheio de neblina, certo? — O rapaz indagou, no que eu assenti. — Você às vezes fala comigo nesses sonhos.

— É, eu já conversei contigo enquanto sonhava. Eu disse que já te conhecia de algum lugar ou alguma merda do tipo.

— Sim, exatamente isso… — Ele franziu o cenho. — Essa história toda é muito… — O rapaz suspirou. — Não consigo nem achar uma palavra pra descrever…

— Parece conversa fiada. — Um riso nervoso me escapou.

— Soa como mentira. Um causo.

— Mas eu não tô mentindo. Essa porra é real. Eu bem que queria que fosse um causo de velho desocupado. Tem três dias que não tô dormindo direito por causa desses sonhos. — Mikael arregalou levemente os olhos ao ouvir o que eu disse.

— Três dias… — Seus olhos olharam rapidamente para o lado e depois voltaram a me encarar. Eles eram de um castanho pouco comum, que pendia para o mel. — Tem exatamente três dias que os sonhos começaram! Desde que você desmaiou perto de mim, não é isso?

Senti minha barriga gelar e um medo inexplicável me causou o desejo de fugir de lá.

— Foi… — Coloquei uma das mãos sobre a mesa e percebi o rastro de suor na madeira. Meus dedos estavam tremendo. O evento no ônibus invadiu a minha memória.

— Tá tudo bem?

— Antes do dia que eu desmaiei no bar, aconteceu uma coisa bem estranha. — Acendi mais um cigarro. Eu precisava disso para continuar. — Eu tava num ônibus e… Um cara tava olhando pra mim de um jeito estranho. Arrumei briga com esse babaca. Ele tirou um revólver da cintura e tudo ficou igual aos sonhos. A mesma luz, aquele som…

— E você não tava sonhando?

— Não, porra. — Mostrei a palma da minha mão esquerda para Mikael. Ainda tinha ali algum resquício dos machucados que ganhei quando caí naquele fuga. — Até machuquei as mãos nisso. Desci do ônibus na parada seguinte e saí correndo. Tava chovendo e eu escorreguei e caí. Ralei as mãos, olha.

Era possível notar que o rapaz diante de mim  estava assustado.

— Tá, eu já não consigo entender mais nada. — Ele afundou os dedos da mão direita em seus cabelos e os esfregou, de forma aflita.

— Vai piorar, calma. — Falei em tom de sarcasmo. Mas, por dentro, eu estava tão aflito quanto o Mikael. — Noite passada, eu acordei com um barulho na minha casa. Eu fui olhar o que era… E me vi na sala. Eu, há alguns anos atrás.

— Wolfgang, isso… Você tem certeza que não foi um sonho?

Uma raiva abrupta me consumiu. Suspirei, tentando me acalmar. Afundei o cigarro no cinzeiro de forma que a peça de porcelana se moveu alguns centímetros.

— Se acha que eu sou maluco ou mentiroso, vai se foder. Eu vou embora. — Aquelas palavras me escaparam.

— Merda. — Mikael praguejou. — Eu tô tentando entender. Só fiz uma pergunta. — Disse de maneira firme.

O arrependimento veio tão rapidamente quanto a raiva - que já tinha ido embora.

— Desculpa… — Respirei fundo. — Eu sou meio escroto às vezes. — Neguei com a cabeça.

— Isso tudo é muito estranho. Eu também tô com a cabeça cheia. — A firmeza permaneceu em sua voz.

— É… — Envergonhado, não consegui o olhar nos olhos. O garçom trouxe o café e o colocou sobre a mesa.

Ficamos em silêncio.

— Então, não foi um sonho. — Mikael disse após algum tempo, depois de beber alguns goles do café. — E você viu a si mesmo.

— Vi. Mas o… Wolfgang que eu vi era mais novo do que eu sou agora. Depois, ouvi aquele som desgraçado. Foi tão forte que tapei os ouvidos e até fechei os olhos. Quando o barulho acabou, aquele… Aquela versão minha tinha sumido.

— Essa história tá ficando cada vez mais complexa.

— Você vê os vultos quando sonha? — Lembrei-me abruptamente daquele detalhe.

— Que vultos? — O rapaz loiro perguntou em tom de surpresa.

— Na neblina. Eu vejo vultos, como se tivesse mais gente ali.

— Eu não vejo nada…

— Às vezes eu vou atrás desses vultos, mas eu ando feito um idiota por muito tempo e não alcanço ninguém. Chego a ficar cansado. Eu acordo cansado, na verdade.

— Você às vezes sai andando mesmo. Andando rápido. E some na neblina. — Percebi que ele me olhava, mas ainda não conseguia levantar os olhos. — Os vultos eu nunca vi.

— Tem um que parece uma mulher.

— Uma mulher… — Mikael disse como quem divagava. — Você sempre vê os mesmos vultos?

— Eu acho que sim. Não tenho certeza. Mas… É, eu acho que sempre tem esse vulto de mulher.

— Parece que você tem mais clareza do que eu.

— Não aconteceu mais nada de estranho com você? — Perguntei. Senti um gosto metálico na boca e percebi que estava mordendo os meus lábios. Eu odiava aquele hábito. Sempre que eu estava nervoso, mordia-os até os machucar.

— Não. Ao menos, não que eu me lembre.

Mais silêncio. Eu não sabia o que responder. Estava me sentindo terrivelmente desconfortável. Eu sempre perdia para a minha raiva e era estúpido com as pessoas. Não era atoa que meu único amigo, além do meu próprio pai,  era o Silva.

— Wolfgang. — Ele me chamou de maneira hesitante. Tentei levantar os olhos, mas logo voltei a olhar para a mesa. — Se esses sonhos continuarem, você acha que consegue tentar observar algum padrão nesses vultos?

— Se são sempre os mesmos?

— É. Algo assim.

— Posso tentar.

Mikael acenou para o garçom mais uma vez. Ele pediu a conta e uma caneta. Rapidamente, o funcionário do estabelecimento atendeu o seu pedido. O rapaz pegou um guardanapo, escreveu algo e me entregou. Em seguida, tirou a carteira do bolso, pegou alguns cruzeiros e pagou o garçom.

Fitei o guardanapo. Era um número de telefone.

— Se você descobrir alguma coisa, me avisa. — Pediu. — Agora eu preciso ir embora.

— É, eu também.

O enfermeiro se levantou e eu me levantei junto com ele. Guardei o papel em meu bolso e caminhamos para fora daquela cafeteria irritantemente impecável.

Já tinha anoitecido. Fiquei parado na calçada, olhando para os meus pés. O som do tráfego de carros, ônibus e motos deixaram os meus ouvidos atordoados.

— Tchau, Wolfgang. — Mikael se despediu daquela maneira insossa de outro dia.

— Mikael. — Tomei coragem para o olhar. O rapaz pareceu confuso com minha atitude. — Eu fui bem babaca. Desculpa aí.

— Dá pra te entender. — Disse sem muita emoção, como sempre. — Eu não sei você, mas esses sonhos tão me deixando maluco. Parece que não durmo há dias.

— Eu também ando cansado por causa dessa bosta. — Tentei sustentar o olhar.

— Esquece aquilo. Sendo sincero, eu nem liguei. 

— Não dá. Essa porra vai ficar na minha cabeça do mesmo jeito que sua vergonha lá no bar vai ficar na sua. — Mais uma piada imbecil movida pelo nervosismo de uma interação social.

Mikael riu. Uma risada rápida, como as outras que esboçou mais cedo.

— A gente tá no mesmo barco, fica tranquilo. — Retrucou. 

Mais uma vez, eu não soube o que dizer. Meus olhos foram até aquela rua movimentada.

— Então, vou olhar os padrões nos vultos. — Repassei em voz alta. — Um deles é uma mulher. Tá certo… — Encarei o Mikael brevemente após alguns segundos de silêncio. Eu me virei e comecei a caminhar em passos lentos. Antes de dizer aquele tchau formal e insosso, típico de interações rasas, com o canto dos olhos, vi o enfermeiro andando ao meu lado. Estávamos indo para a mesa direção. 

— Também mora pra lá? — Mikael acenou com a cabeça para o fim da rua. Nós caminhávamos para o sul.

— Bem mais pro sul. — Eu morava na periferia da cidade.

— Eu moro aqui perto. Umas duas ruas da cafeteria.

Era estranho encontrar um assunto para conversar. Mas eu queria me sair bem. Já bastava a vergonha de ter mandado o Mikael ir se foder, agindo como o maldito descontrolado que eu tentava não ser.

— Você mora sozinho? — Peguei um cigarro do maço que estava no meu bolso e o isqueiro. Eu fumava e não olhava para o enfermeiro. Era a única maneira de conseguir manter uma conversa com alguém sem cometer alguma gafe.

— Com meus pais e meu irmão mais novo. — Respondeu. Com os cantos dos olhos, percebi que o Mikael me fitou. — Você mora com seus pais?

— Com meu pai. — Respondi. Houve um breve silêncio. Apenas o som do tráfego na rua tomou os ares daquela rua.

— Eu quero me mudar logo. — Ele desconversou, quebrando o silêncio. — Sair da casa dos meus pais.

— Aqui é lugar bom pra viver. — Comentei. Foi o melhor que pensei para responder. — Onde fica a casa deles…

— Eu não ligo muito pra isso… — Mais silêncio. — Me mudo pra qualquer lugar que tenha uma casa pra alugar.

— Tá tão ruim assim? — Eu era um desgraçado. Não conseguia segurar a merda da língua, sempre sendo um maldito inconveniente no caminho das pessoas. — Desculpa…

— Relaxa. — Ao menos, a voz de Mikael carregou alguma vitalidade além daquela apatia insossa. — É, tá bem ruim, sim…

— Posso ficar de olho por onde eu moro. Mas você sabe… Lá na parte sul, não é o melhor dos mundos. É um lugar meio fodido.

— Obrigado. — E mais uma vez, ele falou sem parecer um fantoche sem vida. Havia força na sua entonação. — Como eu falei, qualquer lugar serve. — Ele suspirou.

Viramos a esquina. A estação de ônibus era visível no fim da rua. Pessoas vagavam apressadas pelas calçadas. Mas Mikael e eu caminhávamos em passos lentos.

— É tranquilo morar com seu pai? — Após tanto tempo calado, o enfermeiro fez aquela pergunta.

— É, a gente se dá bem. — O cigarro acabou. Segurei a bituca entre os dedos para jogar na lixeira ao lado do ponto de ônibus.

— E… Só tem ele? Você não tem irmãos?

Temi que aquela pergunta aparecesse. Mas quando ele indagou, eu não senti o desconforto que pensei que sentiria. Além disso, Mikael pareceu ter a prudência de não perguntar sobre a minha mãe.

— Sim. Só nós dois. — Alcancei a lixeira e joguei a bituca dentro dela. — Agora é hora de esperar o ônibus… — Eu disse com algum desconcerto na voz. — E ir pra casa balançando numa lata de sardinha.

— Boa sorte. Esse horário é horrível.

— Uma merda.

— Tchau, Wolfgang. — Mikael estava com as mãos no bolso de sua calça social. Ele acenou levemente com a cabeça ao se despedir.

— Tchau.

E ali, aguardei. A vergonha ainda me atormentava, mesmo após o rapaz dizer que não ligou para o meu insulto. Eu não costumava sentir vergonha após as merdas que eu fazia por impulso. O arrependimento era corriqueiro, mas me envergonhar era raro.

O ônibus parou na estação. Lotado, como pensei que estaria. Precisei ir de pé, segurando na barra de metal.

As lembranças dos sonhos me vieram. Tentei me recordar daqueles vultos. Pressenti que havia uma mulher entre a neblina. Eu tinha quase certeza daquilo. Eu sempre tentava a alcançar. Porém, eu não podia repassar uma informação para o Mikael com base em uma mera sensação. Pela primeira vez, iria dormir ansioso pelos malditos sonhos.

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