O Viajante - Capítulo LIII - Mikael - ?
Vi alguém emergir no horizonte e eu soube quem era na hora. Os cabelos negros, totalmente desgrenhados, seu olhar confuso, a camiseta folgada e os jeans desbotados não davam margens para dúvidas.
Aquele era o Wolfgang que eu conhecia. O meu.
Me agachei ligeiramente, deixei a faca no chão e, ainda sem reação, me aproximei passos rápidos. Mal podia acreditar que ele estava diante dos meus olhos, depois de tanto medo que senti.
Fitei os seus olhos e os percebi distantes. Eles se moviam por todo o ambiente, sem se fixar em ponto algum.
— Wolfgang! — Chamei e não obtive resposta alguma de sua parte. Ele continuava a mover os olhos como se procurasse algo.
Suas pálpebras estavam inchadas, os vasos sanguíneos dos olhos eram evidentes, que ganhavam um tom avermelhado de quem chorou muito e as lágrimas marcavam suas bochechas. Seu lábio inferior tinha pequenos cortes que iam do carmesim ao roxo, com sangue escorrendo de lá e manchando o queixo. Era uma marca de mordida, ele se feriu.
Tudo isso me preocupou. Além dos olhos inchados e inquietos, comportamento estranho e boca ferida, vi que suas mãos tremiam freneticamente e o suor lhe escorria das têmporas ao queixo.
Era doloroso, e também assustador, vê-lo daquele jeito. Eu só queria ser capaz de entender o que aconteceu e o apaziguar.
Ergui a mão esquerda - o meu braço direito estava lesionado -, toquei seu rosto e senti sua pele gelada. Nesse instante, seu olhar repousou no meu e vi o desespero flamejando.
— Wolfgang. — Falei baixo e devagar, tentado fazer com que ele me entendesse.
Sem resposta.
O Wolfgang nem mesmo mudou de expressão facial ao meu ouvir. Ele permanecia confuso e desnorteado, eu não sabia dizer se ele estava me vendo de fato ou só olhando em minha direção.
— Meu amor... — Aquelas palavras rastejaram para fora da minha garganta. Eu nunca o chamei assim e, provavelmente, não voltaria a chamar. Entretanto, naquele momento, eu só queria o trazer de volta e estava disposto a dizer tudo o que eu sentia se isso significasse buscá-lo de seus fantasmas. — O que aconteceu?
— Sangue. — O Wolfgang falou em um sussurro. A fala estava confusa, lenta e baixa, parecia apenas um sopro sutil. — Você tá sangrando.
— Não se preocupa com isso.
— Tá machucado. — Suas palavras saíam sonolentas, com algumas pausas silenciosas entre elas, semelhante a uma pessoa dopada.
Depois de ver aquela sua versão adoecida e presenciado a ventania, eu estava em pânico. De todo o meu coração, meu sangue e da minha razão, eu não queria perdê-lo.
— Pedi pra você não se machucar... — Ele continuou, debilmente. — Fui eu que te machuquei?
— Não se preocupa...
— Desculpa... — Sua mão foi até minha bochecha.
Os seus gestos estavam descoordenados e trêmulos, senti diversos espasmos em sua mão e o suor frio umedeceu meu rosto.
Com o canto dos olhos, percebi que a Isabelle se aproximava.
— Por favor, Wolfgang. — Supliquei. — Fala o que aconteceu.
— Minha mãe... — Naquele instante, seu olhar brilhou e ele pareceu voltar a si.
Ele tirou a mão do meu rosto e recuou alguns passos. Seu abdômen contraiu violentamente, no que ele o envolveu com os braços, e o vômito escapou da sua boca em um jato.
O que estava acontecendo com ele? Lembrei da sua contraparte convalescente e meu corpo se arrepiou.
Depois de tudo o que aconteceu e de todas as minhas falhas, quando enfim, deixei de agir feito um covarde e abracei os meus sentimentos por ele, eu o perderia.
— Wolfgang, o que foi? — Ouvi a jornalista perguntar
Após regurgitar, o rapaz limpou a boca com as costas da mão e nos olhou assustado.
Ele não merecia aquele sofrimento, se fosse possível arrancar dele toda a sua dor, eu faria isso.
— Calma... — Tentei tocá-lo, porém ele se afastou.
Debaixo daquela enorme e contínua mancha verde no céu, vi muitos raios se ramificarem, em feixes retorcidos, e ao mesmo tempo. O brilho deles era uma das poucas coisas capazes de atravessar a névoa densa e chegava até nós em tom esmeralda.
O firmamento todo, em meu campo de visão, foi tomado pelos raios e, no horizonte, eu via alguns deles alcançarem o solo.
Os trovões gritavam os brados graves e estridentes e todos ali, decerto, ficaram momentaneamente surdos, pois eles vinham de várias direções e ocorriam ao mesmo tempo.
Mas, o pior de tudo, era o vento, que ganhou força repentinamente, e trouxe consigo a destruição anterior. Galhos, pedras e sujeiras voaram com tudo contra o meu corpo, mas eu não recuei.
— Merda! — Ouvi a jornalista xingar. — Wolfgang, calma.
— Wolfgang!— Gritei. Era difícil ouvir a minha própria voz, pois ela se misturava ao barulho de vento, dos trovões e do constante ruído agudo. — Eu tô aqui com você! Eu não vou te abandonar, não importa o que tenha acontecido, eu vou continuar do seu lado. Então, por favor, calma!
Houve uma oscilação brusca no mundo ao nosso redor, como se a tempestade caótica fosse uma lâmpada prestes a queimar. Ela parou quando terminei de dizer aquelas palavras e, após alguns segundos, voltou mais forte do que antes.
Os detritos trazidos pelos ventos bateram em mim e fechei os olhos. Era difícil ouvir o que acontecia e fiquei perdido.
— PARA COM ESSA MERDA! — Escutei alguém gritar. Era a voz do Levi e ela foi seguida de um baque.
— O que foi isso? — Isabelle perguntou em um sobressalto.
Mesmo em meio à poeira, abri os olhos, senti os pequenos resíduos de sujeira entrarem e as lágrimas os encherem como uma resposta do corpo, que foi seguida de uma ardência forte.
Pisquei algumas vezes, tentando limpar meus globos oculares, mas não adiantou. A cada segundo, quando eu os abria, tinha o olhar alvejado por poeira.
Cerrei os olhos em uma tentativa inútil de melhorar a visão. Nesse instante vi, à minha frente, em um borrão, o que pareceu ser o Levi segurando o pescoço do Wolfgang.
— PARA! — O mecânico gritou de novo. — PARA!
O meu coração bateu, freneticamente, em meu tórax e eu era capaz de escutar suas pulsações. A dor em meus olhos sumiu assim que vi o que acontecia, pois meu corpo era muito bom em aguentar a dor física.
Dentro de mim, o sangue ardeu. Memórias conturbadas de minha vida se misturaram ao presente. Com os olhos da mente, enxerguei todas as agressões que vi Isaac cometer contra a minha mãe e o meu irmão.
Recriei, vividamente, o estopim da minha fúria contra o Isaac, quando ele jogou o Samuel com o rosto contra o chão.
E então, quase pude ouvir a minha mãe dizer, no telefone, que ela e Samuel apanharam daquele verme nojento.
Nunca mais. Nunca mais...
Que cada osso meu se quebrasse, que eu engasgasse com o meu sangue e morresse agonizando no chão, mas nunca mais veria alguém que eu amava apanhar na minha frente.
— Nunca... — Sussurrei. — Nunca mais.
Meu sangue pareceu estar em chamas quando meus pés correram até o Levi, eu estava cego naquele instante, agindo como um animal, como um cão de guarda. E eu pagaria o preço de deixar de ser homem para virar bicho se isso significasse ser capaz de proteger quem eu amava das mãos de gente ruim.
— Levi, solta ele! — Pude ver a jornalista se aproximando dos dois. — SOLTA O WOLFGANG! — Ela berrou.
Isabelle tentaria o convencer com as palavras. Eu a admirava muito, ela era a mais digna entre nós, a mais humana e que menos cedia ao lado irracional e animalesco que toda pessoa tem.
Eu havia abdicado da humanidade e aceitado que eu era mais um bicho do que um homem.
Cerrei meus punhos, que eram feitos para machucar, e desferi um soco contra a têmpora do Levi.
Ele arregalou os olhos e virou o rosto em minha direção.
— Filho da puta! — E me xingou, sem soltar o pescoço do Wolfgang.
Eu fui fraco, aquele soco nem mesmo foi capaz de o fazer cambalear.
Encarei o Wolfgang e vi que suas mãos seguraram o braço do Levi, tentando o afastar.
O meu maior amor estava ali, sendo esganado por um filho da puta e eu não tinha forças para impedir aquilo.
Nunca mais. Repeti essas duas palavras, na minha cabeça, várias vezes, para que acendessem a promessa que fiz a mim mesmo.
E assim aconteceu, o calor em minhas veias e artérias se tornou coragem. O medo da dor e a fraqueza foram embora e me incendiei de raiva.
Desferi, mais uma vez, soco na cabeça do Levi. Dessa vez, inclinei todo o meu corpo em direção ao mecânico quando o bati.
O sangue quente dele molhou os meus punhos e os olhos furiosos do rapaz parecerem atordoados.
Porém, não soltou o Wolfgang. Eu precisava continuar lutando e usar a energia que me restava para fazer libertar o rapaz de densos cabelos negros.
Inferi, pelo olhar confuso do Levi, que ele ficou tonto com a pancada e, nesse momento, passei o braço esquerdo por de trás do pescoço dele e o apertei.
O meu antebraço pressionou sua garganta e senti o pomo de Adão do mecânico sendo comprimido pelo meu movimento.
Um lampejo de piedade veio, eu tinha consideração pelo Levi e, antes daquele caos, até poderia o considerar um amigo.
E afastei a misericórdia, tudo o que importava, no momento, era a segurança do Wolfgang.
Ao ter o pescoço apertado, Levi tirou a sua maldita mão do pescoço do Wolfgang, agarrou o meu braço, com ambas as mãos, e o afastou do pescoço dele sem muits dificuldade.
E, por mais que eu fizesse força para me manter o estrangulando, eu não era páreo, minhas chances, contra o Levi, sempre aconteciam por causa de golpes baixos e covardes.
Mas não era relevante. Eu libertei o Wolfgang dele e honrei o acordo silencioso que fiz comigo mesmo.
Ao se livrar do meu golpe, o mecânico se virou em minha direção e desferiu um soco no meu rosto, cuja pancada reverberou por toda face e fez o mundo, ao meu redor, girar.
Cambaleei para trás e, antes de reagir, levei outro soco e tudo escureceu por alguns segundos.
Levi deu uma joelhada no meu estômago, que me fez me curvar para frente e me obrigou a engolir o vômito. Nesse instante, ele aproveitou a deixa, agarrou o meu braço direito, segurou o meu pulso com uma mão e, com a outra, empurrou o meu cotovelo.
A dor veio como onda de choque. Os nervos, daquele braço, pareceram se comprimir, esmagados por uma força intensa e cruel. Dentro de mim, os músculos do braço arderam, como se estivessem sendo perfurados por pequenas agulhas flamejantes e aquela dor se espalhou por todo o meu corpo.
Aquele era o braço que o Isaac deslocou e que nunca mais foi mesmo depois disso. Ele já estava ferido, após se chocar, com pedaço de telhado, que veio até mim na primeira ventania. Somou-se a pancada com a sua sensibilidade prévia e, como resultado, eu estava com muita dor.
As pernas perderam a força e eu caí de joelhos no chão. A excruciante queimação me deixou atordoado, sem saber o que fazer em seguida, uma vez que eu só queria que o meu sofrimento acabasse. Portanto, só tive a capacidade de gritar.
Berrei tão alto que a garganta ardeu e senti intensa pressão nas veias do pescoço, como se fossem explodir.
— Meu Deus! — Ouvi Isabelle dizer em uma voz abafada pelo vento, tudo ao redor estava distante demais.
— Mikael! — Em todo aquele caos, reconheci a voz Wolfgang me chamando aos berros.
Ele estava fora do alcance do Levi, e isso era o mais importante. Seus braços, suas pernas e sua voz estavam livres do homem desgraçado que me imobilizava.
Um lampejo da voz de choro, da minha mãe, invadiu os meus pensamentos. Eu libertei uma das pessoas que eu amava, mas Sara e Samuel ainda estavam presos nas garras violentas de outro lixo. Eu só teria paz quando o Wolfgang, minha mãe e meu irmão estivessem seguros.
— Para com isso, moleque! — Fui tirado daquelas memórias quando Levi, sem soltar o meu braço, gritou. — TIRA A GENTE DESSA MERDA! TIRA!
A voz dele estava embargada e oscilante. Os gritos não pareciam furiosos, mas sim assustados e choro era nítido em seus soluços.
— Solta o Mikael, a gente não vai chegar a lugar algum assim. — A única moça, entre nós, interviu. Ela tentava manter a calma em meio ao caos, porém também estava em pranto.
— Eu só quero sair daqui. Eu só quero sair, porra! —A intensidade do choro do mecânico pareceu aumentar.
— SOLTA O MIKAEL! — Wolfgang gritou e meus ouvidos se agarraram a sua voz como forma de conforto.
Meus olhos estavam entreabertos e cheios de lágrimas, a dor não parou quando Levi deixou de exercer pressão em meu cotovelo, ela continuava ali, em menor intensidade.
Até minhas vísceras pareciam sentir o impacto. Eu estava fraco, minha consciência era distante, todos os meus sentidos se voltavam para o braço ferido e a agonia que ele trazia.
Na visão embaçada, pela poeira e névoa, notei que o Wolfgang tirou algo do bolso do casaco e se inclinou em direção ao Levi.
Reconheci o objeto, era o canivete que lhe dei de aniversário. Ele puxou a lâmina de dentro da empunhadura e a ergueu em direção ao oponente.
— Larga o Mikael. — Falou entre dentes.
Mesmo em meio ao vendaval, ele não parecia ser tocado pelos sopros intensos. O mundo ao nosso redor era alguma coisa dele, intrínseca à sua alma.
E eu estava caído no chão, falhando como o Wolfgang, incapaz de me libertar. Todas as promessas, de nunca mais permitir que as pessoas amadas se ferissem, eram em vão.
O cão irracional era eu, não o Wolfgang, nem a Sara ou o Samuel. Mas eu, o filho do Isaac, sua cópia escarrada na aparência e no ódio. E por isso, o meu namorado não deveria sujar as suas mãos e nem carregar o fardo da culpa.
— Tá mostrando as asinhas. Eu sabia! — Levi retrucou. — Você vai matar a gente, não é, seu bosta? Que porra! Eu sabia que você ia matar a gente! — Os gritos dele eram de plenos pulmões, esganados e cobertos de terror.
Ainda tonto pela dor, fui surpreendido ao ver Isabelle se aproximar, por trás do Wolfgang, e agarrar seu braço direito, aquele que empunhava o canivete.
Os braços da jornalista apertaram o do Wolfgang com força e ela o colocou contra si, em um nítido esforço para o impedir de se soltar.
O rapaz tentou puxar o braço, mas não obteve sucesso em se liberar.
— Não! NÃO! — Ela gritou. — Chega disso, Wolfgang. Por favor.
Eu queria falar alguma coisa, mas até minhas palavras desapareceram. Não saberia dizer se era a dor, o medo ou o cansaço que as tomou de mim. Simplesmente, não reagia ao que acontecia diante de mim.
— Não, porra. O Levi tá machucando ele! — A voz o Wolfgang, embargada pelas lágrimas, oscilava entre gritos e sussurros.
Tantas palavras ficaram entaladas em minhas garganta. Ele não precisava lutar por mim, nem mesmo sentir medo. Para mim, bastava vê-lo seguro. Se ele quisesse se virar e ir embora, eu não me magoaria.
— Tá tudo bem, Wolfgang. — Por fim, consegui dizer. — Não precisa... Tá tudo bem.
O rapaz me olhou. Eu o conhecia o suficiente para saber que ele não iria embora e permaneceria ali, me protegendo.
Dito e feito. O Wolfgang puxou o braço de novo. Seus movimentos eram contido, por mais que estivesse desesperado, parecia temer machucar a Isabelle. Seu único objetivo era se desvencilhar dela.
A mulher o soltou, aparentemente, de propósito, agarrou o rosto do Wolfgang, por trás e cobriu os olhos dele com a palma de um das mãos. Com o outro braço, ela envolveu os seua ombros.
— Para! — A Isabelle implorou. Eu desejei me levantar e abraçar o Wolfgang, para o proteger, já que até mesmo ela - uma mulher gentil e racional - resolveu ir para cima dele. — Por favor... Por favor.
— Isabelle, esse maluco é perigoso! Não faz isso! — Levi pediu, mergulhado no seu próprio inferno. Ele amava a Isabelle.
— Por que você tá fazendo isso, Isabelle? Me solta.— O Wolfgang indagou trêmulo e assustado.
Não precisava disso, ele podia fugir dali. Aquela era minha redenção por não ter sido capaz de proteger minha família. Eu libertei o meu maior amor de mãos cruéis.
Embora um sussurro incômodo me lembrasse que o Levi não era o Isaac, portanto, aquele sofrimento ainda não era uma expiação dos meus pecados.
— Me perdoa, Wolfgang... — Isabelle implorou. — Mas não dá pra resolver isso brigando. Eu sei que você tá assustado e com raiva... — Sua voz se engasgava aos soluços. — Não tem outra saída! Para esse caos! Ir pra cima do Levi só vai piorar tudo.
O Wolfgang não reagiu.
— Ela tá certa. — Me esforcei para conseguir falar aquilo, meus pulmões mal conseguiam respirar e falar se tornou muito trabalhoso.
— Não... Esse filho da puta tá te machucando! — O rapaz de densos cabelos negros me respondeu.
— Vai se foder! — Foi difícil entender o insulto do Levi, pois seu choro era copioso.
— Se acalma, faz essa tempestade passar. — A jornalista falou gentilmente, embora ainda chorasse muito.
— Faz essa merda passar que eu solto o Mikael. — O homem, que me segurava, prometeu. Suas mãos estavam geladas e trêmulas.
Isabelle soltou o Wolfgang e afastou os braços com cuidado.
Os seu olhos caíram sobre mim e ele guardou o canivete no bolso do casaco.
Em seguida, Wolfgang se aproximou e se ajoelhou na minha frente, fazendo os nossos rostos ficarem em alturas parecidas.
Olhei para o Levi, temendo que ele pudesse atacar o Wolfgang, mas o mecânico apenas se manteve parado, com os olhos fixos no rapaz.
— Desculpa, desculpa. — O meu namorado pediu com desespero, tão próximo que sentia sua respiração contra a minha face. Contemplei-o, através dos meus olhos inchados e entorpecidos, e me senti em paz.
— Não tem motivo pra isso. — A minha dor se tornava mais intensa ao falar, o que fazia as palavras serem murmuradas.
O Wolfgang fitou o Levi com hostilidade no semblante enquanto sua mão tocava o meu rosto com cuidado.
Ele voltou a me olhar nos olhos. Por pior que tudo estivesse, eu senti felicidade ao encarar. Nem mesmo a dor era capaz de competir com o calor reconfortante em meu peito.
O Wolfgang ainda estava vivo. Portanto, eu ainda poderia olhar para os seus olhos e ouvir a sua voz, sem que aquela realidade mesquinha e cruel o levasse embora.
Os meus lábios abriram um sorriso quase involuntário. Consegui sorrir, apesar de todo o caos, pois eu podia contemplar seus olhos negros.
Nesse momento, os ventos se acalmaram e velocidade deles diminuiu. Os ouvidos não mais doíam, pois os trovões se tornaram esparsos e distantes.
Os detritos e a sujeira também desapareceram e os meus olhos pararam de arder pela poeira. No horizonte, eu só via a névoa, sem as rajadas de destroços varrendo o mundo.
E como prometido, o Levi soltou o meu braço ao fim da tempestade.
O Wolfgang me abraçou. Sentir o seu corpo contra o meu intensificou a minha felicidade, envolvi suas costas com o braço esquerdo e a acariciei gentilmente, buscando o confortar com os meus dedos.
— Agora tira a gente daqui, cacete! — O Levi chorava, o que contrariava sua fala ríspida. Ele havia saído de perto de mim e ido para o lado da Isabelle.
Por mais que eu quisesse o destruir, naquele momento, eu sabia que o desgraçado não se orgulhava do que estava fazendo.
O Wolfgang se afastou do abraço, o que deixou um vazio frio em mim. O rapaz ficou de pé e virou de costas para o meu corpo, se colocando entre o Levi e eu.
Falhei. Não importava o que eu fizesse, eu não conseguia aliviar o calvário dele.
— Eu não sei como fazer isso, seu babaca. — O mais baixo disse entredentes.
— Como não? — Tentei me levantar ao ouvir a reação do Levi.
Meus pés não se firmaram no chão e cambaleei para trás. Enrijeci os tornozelos, com todas a forças, para não cair e não seria difícil algo ou alguém de derrubar de novo.
— Eu não sei. Só não sei. — Wolfgang retrucou.
Nunca mais...
Lembrar dessas palavras tirou o resquício de medo que eu ainda carregava. Me senti disposto a me destruir sem temer as sequelas.
— Então vai dar um jeito! AGORA! — O mecânico berrou e cerrou os punhos.
— Wolfgang, foge. — Pedi em um sussurro, mesmo sabendo que eu não seria capaz de lutar.
Eu estava exausto e sabia que sairia ferido do confronto, entretanto, eu cumpriria a minha redenção.
O Levi teria que me matar para alcançar o Wolfgang, assim como, naquele instante, decidi que meu jogo com Isaac também seria decidido no matar ou no morrer.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro