O Viajante - Capítulo LII - Isabelle - ?
Ouvi sons de choros vindo daquele grupo de onze mulheres idênticas. Eu andava à frente delas, que me seguiam e, para olhar o que estava acontecendo, me virei para trás.
— Eu sei onde o meu filho tá... — Uma delas falou baixo. Seus olhos estavam inundados de lágrimas e ela chorava aos soluços. Aquela reação se espalhou, assustadoramente, para todas as contrapartes.
Em meio aos choros, elas riram de forma alegre. Algo tinha acontecido e eu era a única que não sabia o que era.
— Vocês descobriram onde o Wolfgang tá? — Indaguei.
Um som de ventania se aproximou abruptamente e eu não consegui ouvir as respostas delas, pois, ao encarar o horizonte, enxerguei uma nuvem de poeira, neblina e pedaços de objetos voando em minha direção.
Apavaroada, fitei as Rosas ali e elas permaneciam chorando e rindo, em uma expressões medonha que se assemelhava à loucura.
Porém, não se tratava de insanidade e sim de dor.
Os cabelos densos e negros delas não voaram com o vento e a saia dos seus vestidos também se mexia.
Os fios do meu cabelo e as minhas roupas reagiram ao sopro violento e, logo, senti os entulhos se chocarem contra o meu rosto. O cobri usando os braços, embora os meus óculos tenham se juntado aos escombros da ventania e ido embora.
Senti algo forte bater contra a minha barriga, mas não vi o que era, pois meus olhos estavam fechados devido à poeira que entrou neles.
O impacto me causou tanta dor que me agachei, enfiei o meu rosto entre os joelhos e cobri a minha cabeça com os antebraços.
Pequenos pedaços afiados, que julguei serem cacos de vidro trazidos pelo vendaval, rasgaram a pele exposta dos braços e eu grunhi de dor.
Afundei pés, com firmeza, no chão, pois senti o meu corpo balançar perante a ventania e temi ser levada por ela.
Contraí os meus músculos e me encolhi mais, ansiando por poder me esconder em uma concha, mas não era possível. O vento e, tudo o que vinha com ele, se chocaria contra mim.
Enquanto durou aquele inferno, me mantive na mesma posição. Eu não sabia o que poderia me atingir, porém tinha consciência de que, se viesse algo pesado e duro, havia a possibilidade de me matar ou me ferir gravemente.
De olhos fechados, pensei no rosto do meu pai e vislumbrei o seu sorriso em minha memória. Depois dele, me veio a face da mim mãe, Amália, e das minhas irmãs, das vezes em que a Rita e Cecília me espionaram para saber se eu tinha um namorado, apenas para poderem contar para os meus pais depois.
Mergulhei nas lembranças e o Eduardo invadiu a minha mente. Me recordei do nosso primeiro beijo, às escondidas, na biblioteca da faculdade, da primeira vez que fizemos amor e das flores que eu recebia dele.
Então, o rosto do Levi apareceu em minha memória. Vislumbrei, com a visão dos pensamentos, o traços firmes de sua face, os olhos levemente puxados e atentos, o rosto jovem, mas marcado pelo sol e a pureza de seu sorriso, que era carregado pelos resquícios de um passado duro.
Eu não devia ter corrido dele e o deixado sozinho com o Mikael.
Minha covardia me enojou.
Em uma atitude irracional, me levantei. Envolvi o meu abdômen com um braço e, com o outro, protegi o meu rosto. Neles, os cortes sangravam e o líquido denso umedeceu a camiseta que eu usava.
Sons de trovões se misturaram à ventania e eu não conseguia escutar nada além disso.
Meus olhos não paravam abertos, as pálpebras os cobriam em reação ao vento e, sem meus óculos, não havia chance de eu enxergar com nitidez. Não era possível contar com a visão naquela circunstância.
— LEVI! — Gritei em uma esperança tola de que ele poderia me ouvir.
Em meus passos cegos, não topei com nenhum resquício das Rosas, elas eram as únicas que poderiam me explicar o que estava havendo.
Só havia a saída de vagar, cega, pelo caminho à minha frente e torcer para não ser atingida por um escombro grande.
Andei com dificuldade por um longo período e, vez ou outra, algo vinha em minha direção e batia em mim. Naquela situação, a única saída era sentir dor.
Os ventos, aos poucos, se tornaram mais fracos. Consegui abrir ligeiramente os olhos e minha pele não estava mais sendo castigada por pequenos pedaços de sujeira e destruição.
Foi um alívio me dar conta que eu já podia andar com os olhos abertos e relaxar os braços. Os cortes neles estavam se colando ao tecido da minha camiseta branca e foi angustiante o afastar e sentir a pele romper dos coágulo que a prendia na roupa.
Apesar de não conseguir enxergar muito longe, percebi que, diante de mim, havia devastação.
Nos céus, rastros intensos de luz brilhavam e eram seguidos do rugir de trovões. Deduzi que fossem raios.
Aquele mundo estava em meio a uma tempestade violenta, decerto por causa do Wolfgang.
Me arrepiei ao imaginar o que aconteceu com o rapaz. Por que ele estava destruindo a sua realidade particular?
Não importava. Eu precisava achar o Levi e decidir o que fazer. Já não dava para saber se o Wolfgang estava em seu juízo perfeito e não podíamos ficar à mercê dele.
Busquei fazer o que pensava ser o caminho para a casa do magro jovem de cabelos negros, porém, a ventania deixou o lugar irreconhecível e ainda havia a minha visão ruim, que cooperava na dificuldade de me orientar.
A cada passo, eu ficava com mais medo, porém eu não seria covarde de novo. Mesmo assustada, sem meus óculos e com os braços feridos e sangrando, eu iria continuar.
— LEVI! — Gritei mais uma vez e continuei a andar. Respirei fundo, como se o ar que preenchia meus pulmões fosse feito de esperança, e o chamei de novo. — Levi!
— Boneca? — Ouvi a voz do mecânico e olhei ao meu redor, procurando-o.
Vi, o que imaginei ser sua silhueta, emergir na neblina e ele se aproximou. Só pude o enxergar com clareza quando ele já estava bem próximo de mim.
Seu rosto estava ferido. O nariz sangrava, um dos olhos estava roxo e ele tinha alguns cortes pela face.
— Desculpa, Levi. — A vergonha de ter fugido me assolou. Era constrangedor tomar a ciência do quão medrosa eu era em alguns momentos.
Inesperadamente, ele me abraçou com cuidado. Meus braços estavam doendo muito para eu conseguir corresponder, mas me permiti sentir alívio com o gesto.
Ao se afastar, Levi me olhou com preocupação.
— Você tá machucada.
— Você também...
— Foi o vento? Você machucou algum outro lugar? — Uma de suas mãos permanecia sobre o meu ombro.
— Foi. Eu tô bem, só foram uns cacos de vidro...
— Tá mesmo?
Assenti positivamente com a cabeça.
— Tá tudo estranho, Isabelle. Que porra foi esse vendaval? — Ele continuou. Seus olhos se mantinham em seus braços feridos.
— Foi o Wolfgang. Ou a mãe dele...
— Mãe?
— Eu achei a mãe do Wolfgang nesse mundo. Onze delas.
— Onze?
— O Wolfgang morreu quando era bebê, Levi. A mãe dele era igual a ele... Ela voltou no tempo mais de onze vezes pra salvar o filho.
— Por isso ela sumiu...
— Eu não sei exatamente que aconteceu com ela depois. Mas essas contrapartes tavam me seguindo e perguntando sobre o Wolfgang, até que veio esse... Furacão e elas sumiram.
Levi ficou em silêncio, carregando um semblante confuso.
— E o que a gente faz? — Por fim, ele perguntou.
— Vamos procurar o Wolfgang.
— Isabelle, o enfermeirinho de bosta enlouqueceu. Ele não vai deixar a gente ir atrás do Grilo.
— Você ameaçou o Wolfgang, Levi. O Mikael não ia deixar isso barato.
— Porra, olha o que o moleque tá fazendo!
— Eu entendo, mas a gente precisa tentar uma solução pacífica.
Levi respirou fundo e afastou a mão do meu ombro.
— Tá. — Ele assentiu, nitidamente à contragosto. — O Mikael me ameaçou uma faca, a gente precisa tomar cuidado com ele.
Arregalei os olhos, surpresa. Eu sabia que o Mikael queria proteger o Wolfgang, ele o amava, entretanto, não pensei que ele chegaria tão longe.
Ele apelou para a violência extrema, o que era assustador ao pensar que o próprio tinha sido vítima dela nas mãos do pai.
Ao mesmo tempo, o Wolfgang era alguém importante na sua vida, isso ficou nítido desde a primeira vez que os vi. Mikael estava com medo de perdê-lo e escolheu medidas desesperadas.
— Tudo bem. — Passei um braço ao redor do de Levi, o que fez os cortes doerem como se fossem agulhas cravadas em minha pele, no entanto, tentei não demonstrar a dor. — Eu não consigo enxergar muito bem sem meus óculos...
— Pode confiar em mim, princesa. — Mesmo sem olhar seu rosto, eu soube que ele sorriu.
Senti tranquilidade em meio àquele caos ao me apoiar no Levi. Eu tinha certeza que o amava, porém não como ele gostaria.
Começamos a andar em passos lentos e perdidos.
As pancadas que levei passaram a cobrar o preço e meus músculos do abdômen e das pernas doíam ao caminhar.
Era uma tortura vagar por ali, encontrando apenas destroços, perdida no guincho e nos trovões, desnorteada pela névoa e ausência dos óculos e com dores por toda a extensão da minha carne.
Em dado momento, vi algo no horizonte. Em minha visão borrada, enxerguei uma sombra. Levi parou de andar bruscamente e me restou parar também.
— Puta que pariu. — Ele sussurrou.
— O que foi?
— É o filho da puta do Mikael.
O Levi estava com medo do Mikael.
Qualquer um veria que o mecânico era muito mais forte que o enfermeiro e, se ele estava com medo, é porque sabia que o Mikael havia perdido qualquer freio moral.
O loiro se aproximou em passos trôpegos. Meu coração acelerou quando vi a faca em suas mãos. Ele estava muito machucado, tinha um corte na sobrancelha coberto com sangue seco, um dos olhos estava inchado e roxo, o braço direito, provavelmente ferido, estava contraído contra seu corpo e sua camisa estava manchada de sangue, além dos cortes espalhados por todo a sua pele.
Me desvencilhei do Levi e entrei em sua frente.
— Isabelle, que porra você tá fazendo?
— Quieto. — Pedi. — Por favor, Levi.
Os olhos do enfermeiro caíram sobre os meus e ele parou há alguns metros de mim e do mecânico.
— Mikael. — Falei. — Para.
— Eu tenho que achar o Wolfgang... — A voz do loiro saiu cansada.
— A gente também tá procurando ele. —
Ao ouvir o que eu disse, Mikael franziu o cenho.
— Levi, você não vai atrás ele. — Sua voz saiu com intensidade e raiva.
— Olha seu estado, caralho. — Levi retrucou. Aqueles dois eram incapazes de dialogar com civilidade. — Olha pra gente! O Grilo vai matar todo mundo!
— Você não vai machucar ele... — Mikael balbuciou um tanto débil. — Eu não vou deixar...
Notei que ele estava fora de si. O homem loiro se via afogado em desespero, sem saber como voltar à realidade.
— Mikael, ninguém aqui quer machucar o Wolfgang. A gente vai achar ele, perguntar o que tá acontecendo e sair desse mundo. Só isso.
— Não é simples. Ele vai morrer, Isabelle...
Senti um nó em minha garganta e ele se desfez em lágrimas. Eu sabia que aquela era a realidade e estaria mentindo se dissesse que tudo iria ficar bem.
Algo atraiu a atenção do Mikael e ele virou o rosto para o lado. Olhei, sobre o ombro, para o Levi e notei que ela fitava a mesma direção.
Segui o seu olhar e vi um borrão se aproximando.
— Wolfgang. — O Mikael o chamou e, apressadamente, foi em direção à silhueta.
Os trovões se intensificaram, ficando mais altos e estridentes, assim como os relâmpagos debaixo do brilho verde no céu.
Senti o perigo não dito e soube, naquele instante, que algo assustador estava prestes a acontecer.
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