CAPÍTULO DOIS
— Eu amo ela — falei, fazendo força com a chave de roda em L no parafuso do pneu da moto, que quase escapou do suporte. — Eu amo tanto ela!
Dei um último puxão na chave, concluindo que não tinha como ir mais que aquilo. Endireitei as costas, arfando. Deixei a chave cair no chão, limpei o suor da testa com as costas da luva.
— Você já falou, tipo, umas trezentas e trinta e três vezes — reclamou Enny, sentada sobre dois pneus empilhados, tinha um livro aberto no colo.
— Eu vou contar pra ela. — Arranquei as luvas, empolgado. Estava eufórico. Iria ver Luiza depois de duas semanas. Ela também sentiu saudades, a forma como caminhou até mim, mordendo o canudo da lata, depois os lábios, e como me olhou, e depois me beijou… — Nós somos almas gêmeas.
— E ela já sabe? — Enny zombou, erguendo os olhos castanhos para mim enquanto enfiava uma jujuba na boca.
Joguei um par da minha luva nela, que riu.
— Certamente que sim — retruquei. Claro que Luiza sentia o mesmo que eu, era notável em seu olhar, quando estávamos juntos. Ela me beijava como se pudesse morrer se eu parasse. — Vou fazer algo grandioso. Ela deve estar esperando por isso, já faz quase um ano que a gente está ficando. Não quero que ela duvide dos meus sentimentos. Então, estou bolando um plano.
— Ai meu Deus! — Enny ergueu as sobrancelhas, enfiando mais jujubas na boca.
— Vou fazer algo grandioso, as mulheres gostam disso, não é? — Apoiei uma mão na moto, sentindo a lata lisa e fria sob a palma.
— Não! — Balançou a cabeça, quase desfazendo seu coque desajeitado.
— Tem certeza? — Passei a outra mão pela bandana preta que mantinha meus cabelos longe do rosto.
— Sei lá. — Ela deu de ombros, fechando o livro. — Você nem sabe se ela sente o mesmo, Theo!
— Ela age como se gostasse! — refutei, fitando a moto Honda vermelha. Novinha, tinha só um arranhão fraco no tanque. Suspirei diante daquela belezura.
Enny bufou, frustrada.
— Mas vocês nem se conhecem direito! — Enny se levantou, caminhando até mim com os braços cruzados. Era baixinha, mas intensa pra caralho! Ela era a razão e eu a emoção. Ela era o Yin e eu o Yang. Quando ela estava na fossa, eu ia lá e a resgatava, e vice e versa. Nós éramos irmãos de mães diferentes. E naquele momento ela parecia a irmã zelosa tentando me impedir de me enfiar em uma enrascada.
— Conheço sim, o sobrenome dela é Silva e eu sei o número dela de trás pra frente. Há! — Cutuquei a ponta do seu nariz.
— Hum, e qual o nome do irmão da Luiza? — Inclinou a cabeça ligeiramente, estreitando o olhar.
Retraí os ombros.
— João…? — Não era pra ter soado como uma pergunta, só para registrar. Eu tinha quase certeza de que era João. Ou Jonas… Ou algo assim.
Ela revirou os olhos tão profundamente que as íris castanhas praticamente sumiram por um segundo.
— Você sabe? — inquiri incrédulo.
— Não, e nem você! — Suas esferas me repreenderam. Desviei o olhar, cruzando os braços. E daí que eu não sabia o nome do irmão da Luiza? Isso não queria dizer nada. Quando a gente se encontrava não ficávamos falando sobre… família e… outras coisas… Balancei a cabeça.
— Para de tentar me fazer mudar de ideia, Enny — resmunguei começando a ficar impaciente. Dei dois passos para trás. Olhei por sobre o ombro, fitando meu irmão a bons metros no balcão da loja da oficina, atento ao computador junto com Amanda, sua esposa. — Eu não preciso que cuide de mim, se Luiza não sentir o mesmo, ela vai me dizer e eu vou lidar super bem com isso.
Não ia, não!
— Não vai, não — Enny evocou meus pensamentos. Argh! Às vezes eu odiava como ela me conhecia tão bem. Franzi o cenho, segurei o guidão da moto e com um impulso a tirei do cavalete. — O problema é que você é carente demais, Theo.
A encarei, perplexo e magoado.
Ela estava exagerando, cacete.
Empurrei o pedal com força além da conta e deixei a moto. Cruzei os braços, fuzilando Enny. Ela me deixou meio puto e sabia disso, em resposta colocou as mãos na cintura larga e empinou o queixo.
— Não sou, não — refutei entre dentes. De soslaio procurei meu irmão, ele ainda estava entretido em seus afazeres. Geralmente ele não gostava quando Enny aparecia, segundo ele minha amiga me distraía do serviço. O que não era mentira.
— É sim e eu posso provar! — Enny era tão branca quanto eu, mas ela ficava vermelha por qualquer coisinha, e na maioria das vezes nem se dava conta disso. Seus brincos em formato de marshmallow balançaram quando ela anuiu. Levantou a mão com o punho cerrado, dei um passo para trás. Ela ergueu o indicador. — Primeiro, você cresceu sem uma figura materna e com um sentimento de culpa por sua mãe ter falecido no seu parto. — Ergueu o dedo do meio. — Segundo, seu pai ficou doente quando você ainda era criança, e já faz anos que ele nem sabe quem você é. — Levantou o dedo anelar. — Terceiro, seu irmão te dá emprego, mas não tá nem aí pra ser seu amigo. — Levantou o dedo mínimo, a expressão mais suave. — Quarto, a única pessoa que você tem que pode dizer com todas as letras que pode contar sou eu.
Está certo.
Era tudo verdade.
Mas não queria dizer que o que eu sentia por Luiza era uma fantasia.
— Meu Deus, você é uma mulher muito maldosa, Enny — falei depois de um tempo olhando-a. Respirei fundo para espantar a dorzinha que começava a crescer no peito, ou pelo menos fingir que não estava ali. — Nem sei como sou seu amigo.
Dei a volta na moto, sentando-me nela. Era bem alta e pesada.
— Você é meu amigo porque eu sou a única pessoa que você pode contar até para te esfregar uma verdade na cara — sua voz saiu mais serena.
Mordi o lábio, fitando minha amiga. Eu podia dizer com tranquilidade que ela era a única família que eu tinha. Claro que eu jamais diria a ela, podia ser pesado demais para Enny carregar. Ela já acreditava que tinha que cuidar de mim.
Mas eu também sabia que ela estava colocando muito do lado pessoal naquela conversa. Alguém idiota a magoou e ela queria evitar que isso acontecesse comigo. Mas não ia. Luiza não me enganaria. Se ela não sentisse o mesmo, falaria. Só que… até onde sabia ela não ficava com mais ninguém além de mim, o que faltava para sermos namorados era só uma simples mudança de rótulo.
Sorri de lado, decidindo apagar aquela conversa e tranquilizar Enny — ela nunca conseguia ficar tranquila quando o assunto era romance.
— Olha só, essa moto podia ser minha — desviei o assunto, segurando o guidão da moto, me imaginando em uma viagem de horas, só sentindo o vento batendo em mim. A liberdade, a adrenalina, quase uma aventura. Era como voar em terra.
Enny fez um muxoxo, voltando para seu pneu e livro.
— Mas você é pobre — lembrou.
Torci o nariz.
— Filhinha de papai!
— Pobre — repetiu, com ar de riso.
Fiquei remoendo o que Enny me disse na oficina por um bom tempo. Ela cutucou direto na ferida, e nem pediu desculpas depois! Mas sobre meu irmão… Lúcio era onze anos mais velho que eu. Nunca fomos próximos. Não gostamos das mesmas coisas. Para falar a verdade, a única coisa em comum era o sobrenome. Ele quase nunca aparecia para visitar o papai, mas pelo menos bancava a cuidadora que praticamente morava em casa.
Eu me sentia um pouco sozinho.
Mas carente?
Humpf! Isso não.
Começava a anoitecer quando cheguei em casa. Precisava pegar ônibus para tudo, não morávamos perto do centro. A cidade era grande para o interior do estado, Lages, carinhosamente chamada de a "A Princesa da Serra", era o maior município em extensão territorial do estado, podia não ser tão populosa quanto às cidades litorâneas, mas tinha um aeroporto (pequeno, mas um aeroporto!) e até um shopping (não grande o bastante para se perder, mas, oras, um shopping!). Era frio de abril a novembro, e de dezembro a março era o próprio inferno na terra. Olhe bem, não se pode julgar uma pessoa que passa boa parte do ano em temperaturas abaixo dos 15 graus, se sentir derretendo em um calor de 25. No verão chovia quase todos os dias, e não era chuvinha calma, eram tempestades com raios, trovoadas e vento, que às vezes alagavam o centro e alguns bairros.
Fazia um ano que estava juntando dinheiro para comprar uma moto BMW, usada provavelmente. Mesmo assim, guardava moeda por moeda. Engenharia Mecânica não estava entre os cursos mais baratos.
Encontrei Salete, a cuidadora, sentada no sofá ao lado da poltrona do meu pai, ele estava com a cabeça virada para o lado contrário dela.
— Ah! — Ela suspirou frustrada ao me ver, me dei conta na hora qual era o problema assim que vi o prato com salada de fruta cheio. — Theo, eu não sei mais o que fazer, o seu pai não comeu nada hoje. Nada!
Deixei minha mochila no chão, aproximando-me deles. Salete estava preocupada, e cansada também. Os últimos meses foram péssimos.
Meu pai foi diagnosticado com Alzheimer quando eu tinha oito anos. Naquela época não entendia muito bem o que significava. Uma vez Lúcio disse que papai ficaria um pouco "esquecido". Presenciei cada fase. Eu lembrava que no começo ele colocava na cabeça que Lúcio o estava roubando, então ele escondia o dinheiro, depois não conseguia lembrar mais, e acusava meu irmão, aquilo gerava muitas brigas em casa. Lúcio o chamava de demente e meu pai teimava que não tinha escondido o dinheiro. Era um tormento. Depois foi piorando, ele começou a esquecer de mim também, felizmente que com dez anos eu conseguia me virar razoavelmente bem. Algumas vezes, conversando com calma, conseguia fazer ele lembrar de mim, mas durava somente uma hora até começar tudo de novo. Suas alterações comportamentais eram as mais difíceis, além da teimosia, ele ficava ansioso e agressivo, gritava muito e jogava coisas quando era contrariado. Agora ele não conseguia fazer quase nada, precisava de cadeira de rodas, de ajuda para tomar banho, trocar de roupa, se alimentar.
Ele estava cada dia pior.
Ele estava partindo. Eu sentia.
— Pai — empreguei o tom mais suave que eu tinha, toquei sua mão, ele se esquivou bruscamente. Se conseguisse levantar teria me batido. — Pai, você precisa comer um pouquinho.
— Quem é você? — perguntou alarmado, se abraçando como se achasse que eu fosse machucá-lo. Ele tinha emagrecido bastante, fazia dias que se recusava a comer. Eu estava em dúvida se era apenas dificuldade para engolir ou teimosia.
— Você está com fome? — Peguei o prato de Salete, aproveitando que a atenção dele estava voltada para mim. Ergui o prato na altura de seus olhos, ele fitou as frutas picadas.
— Q-quem é você? — tornou a perguntar, se retraindo.
— Sou eu, pai, o Theo — soou vazio como sempre, eu tinha matado as esperanças. Ele não ia lembrar de mim. Eu mesmo não lembrava a última vez que tive meu pai comigo.
— Theo? Theo é só um bebê! — Olhou para os lados, assustado. — Cadê o Theo? Ele precisa de mamadeira. Minha Isabella morreu no parto e agora eu tenho que cuidar dele sozinho — choramingou, lágrimas se formando em seus olhos.
Meus ombros caíram, me senti derrotado. Era sempre assim. Eu não aguentava mais aquela sensação.
Salete me olhou com compaixão, estava com nós há um ano e meio. Ela era muito paciente, graças a Deus, a última cuidadora batia no meu pai, descobri porque vi uma marca roxa nas costas dele quando fui lhe dar banho.
— Pai. — Seria a última tentativa. Talvez eu devesse chamá-lo pelo nome, assim ele não ficaria tão nervoso. Só que eu não conseguia, seria como perdê-lo de vez. Aquela simples palavra era tudo o que tinha. — Acho que você está com fome, coma uma maçã.
Espantei a maçã, levando em sua direção. Ele deu um tapa, atirando o garfo longe. Salete afundou no sofá.
— Eu não quero comer! — bradou, caindo em um acesso de tosse.
Fiquei longos minutos parado, observando-o. Não aguento mais. Não aguento mais… Às vezes eu ficava tão frustrado que a vontade de gritar era esmagadora. Lembre de mim, porra! Me sentia tão… sozinho, aguentando tudo aquilo. Doeu demais ver meu pai desaparecendo… Melhor, eu desaparecendo da vida dele. Ainda doía.
Deixei o prato na mesa de centro.
— Descanse um pouco — falei para Salete, sem encará-la. — Vou tomar banho.
Tirei a camiseta no caminho, arrancando a bandana da cabeça, os fios úmidos de suor nem se mexeram do lugar, entrei no banheiro jogando minhas coisas no chão. Apoiei as mãos na pia, estudando minha imagem no espelho.
Tinham lágrimas nos olhos que me encaravam de volta.
Cheguei.
Dizia a mensagem de Luiza que acabara de notificar. Saltei da minha cama, eu nem tinha arrumado os lençóis, ou catado as bolas de papéis do chão. As roupas caindo das prateleiras e das gavetas mais pareciam que o guarda-roupa estava prestes a vomitar tudo pelo quarto. Corri até ele, pegando uma camiseta qualquer e fechando as portas e gavetas o máximo que deu, uma porta tinha perdido os parafusos de cima e estava prestes a cair.
— Caralho! — resmunguei, colocando a camiseta pela cabeça saindo do quarto, pisei em uma cueca no meio do caminho. Proferi mais alguns palavrões, enfiando a peça atrás da cômoda.
Quando ela disse que viria domingo de manhã eu não imaginei que seria às oito horas da manhã!
Não que eu estivesse reclamando.
Corri sorrindo como um palhaço até a porta, Salete ficou olhando da cozinha. Meu pai tinha dormido no sofá, ele não conseguia mais caminhar, tinha até uma cadeira de rodas, mas como ele demorou em se acalmar na noite anterior, o deixamos na poltrona.
Passei as mãos pelos cabelos, esfreguei o rosto para tentar tirar a cara amassada do travesseiro e abri a porta.
Luiza acenou do portão.
— Entre! — chamei, o coração brincava em um pula-pula no peito. Luiza abriu o portão calmamente, vindo em minha direção calmante. Vestia um calção jeans claro de cós alto que abraçava seus quadris largos, a camiseta cinza estava por dentro do calção. Os cabelos estavam presos firmemente em um rabo de cavalo, a franja de cachos oscilando acima dos olhos.
Meu coração bateu na garganta. Suor escorreu pelas minhas têmporas e nem era pelo calor que fazia.
— Oi. — Ela sorriu um tanto tímida, balançando os braços ao lado do corpo.
— Oi, linda. — Segurei sua mão, puxando-a para dentro. Eu a teria empurrado contra a parede e a beijado ali mesmo se Salete não estivesse igual um urubu assistindo tudo. Luiza acenou para ela.
Sem dizer nada, levei Iza para meu quarto. Ela já conhecia o caminho. Sempre ficávamos em minha casa. Uma vez insinuei que queria conhecer o quarto dela e Luiza ficou totalmente na defensiva, rejeitou a ideia com tanta veemência que fiquei um pouco chateado. Ela morava com os pais, os dois com mentes saudáveis, talvez fosse por isso.
Ela soltou minha mão assim que entramos.
— Sabe — falei fechando a porta com a chave —, você gostaria de ir ao cine…
Não tive tempo de terminar, assim que virei Luiza pulou em meu pescoço unindo os lábios aos meus. Ela era alta, eu não precisava me inclinar tanto sobre seu corpo. Coloquei as duas mãos em sua bunda, apertando, trazendo para mim.
Seus dedos impacientes bagunçaram meus cabelos. Ela adorava aquilo.
Mordi seu lábio carnudo, finalmente infiltrando a língua na sua boca. Ela gemeu com o contato com meu piercing na língua. Tinha um tempo que percebi que ela gostava. Sorri durante o beijo.
Dei alguns passos, levando-a lentamente para minha cama. No meio do caminho ela parou, segurando meu rosto com as duas mãos. Fitei-a com as pálpebras semicerradas, ela estava ofegante, respirando pelos lábios entreabertos úmidos, o inferior era bem mais rosado em comparação ao superior. Linda. Ela inteira era linda.
— O que foi? — murmurei, beijando sua mandíbula. Levei uma mão ao meio de suas costas quando ela inclinou mais o corpo para trás.
— Tira a camiseta! — ordenou, colocando as mãos sob o tecido, as pontas dos dedos tocando minha pele me arrepiaram em partes que nem acreditava ser possível.
Tirei as mãos dela, segurando a camiseta pelas costas, arrancando em um movimento rápido pela cabeça, deixei-a cair no chão. Luiza piscou adoravelmente desconcertada, como se não tivesse visto aquilo umas mil vezes. Se Enny pudesse ver a expressão de Luiza, não se preocuparia mais.
Ela mordeu o lábio, correndo o olhar por minhas tatuagens, seu peito subindo e descendo com força. Ela tocou os desenhos, começando pelas partituras musicais no braço direito que começava no pulso e ia até o ombro, a ponta do dedo correu ao longo da clavícula pela frase que tinha ali, depois o ás de copas no centro do peito com um beijo suave, terminando na águia com asas abertas pronta para atacar que cobria toda a extensão do meu abdômen.
— Theo… — sussurrou, a pupila dilatando. Eu nem sabia mais o que era respirar. Aquela mulher me reduzia a nada. Ela segurou meus ombros, girando-me e jogando-me na minha cama.
— Também senti saudades, linda. — Apoiei-me nos cotovelos. Passei a língua nos lábios quando ela arrancou sua camiseta e tirou seu calção tão rápido quanto um piscar de olhos.
— Eu quase não dormi essa noite — confessou, subindo sobre mim na cama, sentando-se bem sobre minha ereção. — Eu não tive tempo nem para me masturbar nessas últimas duas semanas.
Grunhi com menção a ela e a masturbar numa mesma frase. Minha ereção latejou sob minha calça. Apertei suas coxas grossas, chegando ao quadril. Ela vestia uma lingerie amarelo vivo que destacava sua pele escura, a calcinha tinha algumas rendas. Coloquei os dedos sob as tiras.
— E eu me masturbei no banho pensando em você — admiti, o que a fez sorrir cética. Ela não tinha ideia de como era linda, não mesmo.
Assim que acabou, Luiza se levantou esticando os braços acima da cabeça com um sorriso leve. Fiquei admirando, recuperando o fôlego. Ela começou a se vestir. Ela nunca ficava na cama comigo por alguns minutos depois do sexo, doía um pouco na verdade. Queria ter mais momentos com ela que não envolvessem sexo, sexo, sexo. Deveria aproveitar e fazer o convite para o cinema…
— Já vou indo, preciso estudar — falou, pegando o celular para chamar o Uber. Algo murchou dentro de mim. Ela guardou o celular no bolso, abrindo um sorriso. — Você devia ter um espelho, Theo.
Sentei-me, sorrindo de volta, já sentindo a falta dela.
Iza desamarrou os cabelos, tinham virado uma bagunça na cama. Ela os puxou com força para o topo da cabeça.
— Talvez eu arrume um — para você, completei mentalmente. Seria legal ter algo para ela ali, era quase a mesma coisa que ela ter uma gaveta ou uma escova de dentes, era significativo.
— Então faça isso, por favor! — Terminou de amarrar os cachos.
Levantei-me, pegando um calção limpo no guarda-roupa e o vestindo.
Ela pegou uma moeda no bolso, indo até a cômoda e enfiando no meu porquinho.
— Não precisa fazer isso! — Aproximei-me, não era legal, principalmente depois de transarmos.
— Eu quero ajudar.
— Mas não precisa. — E nem dava para devolver a moeda sem quebrar o porco.
— Eram só cinco centavos, Theo. — Revirou os olhos, o sorriso de lado zombava de mim.
Bufei, contrariado.
Minha vontade era de beijá-la pela sua petulância.
Meu porquinho era o que me compraria uma moto bacana, fazia mais de um ano que eu guardava dinheiro, ele estava bem pesadinho. Luiza achou fofo quando expliquei, já a vi deixando notas exorbitantes para uma universitária ali. E não importava o quanto eu me mostrasse irritado, ela não me ouvia!
— Vou esperar o Uber lá fora — avisou, abrindo a porta.
— Vou com você. — A segui para fora. Observei sua mão balançando ao lado do corpo, parecia pedir para que eu a segurasse. Eu queria. Mas… eu não sabia. Tinha algo que me impedia de beijá-la, de segurar sua mão, de abraçá-la e de fazer convites quando eu queria.
Passamos pela sala, ela acenou para Salete, que sorriu de volta. Meu pai estava quieto vendo a tevê, nem notou quando passamos. Melhor assim, nas primeiras vezes que Luiza tentou contato ele a chamou de “negrinha” e em outra ocasião de “ceguinha”. Fiquei tão chocado e ofendido quanto ela, naquele dia percebi que não conhecia bem o meu pai. Sempre que podia eu a mantinha longe do campo de visão dele, e a compreendia por ignorá-lo.
Fechei a porta de casa ao sairmos. Ficamos perto do muro, o sol já castigava, não havia nenhuma nuvem para amenizar a claridade intensa. Cruzei os braços, observando Luiza.
Ela notou minha atenção, ficamos uns segundos nos olhando.
— Qual o nome do seu irmão?
Ela se espantou com minha pergunta, foi engraçado como ela piscou repetidamente confusa.
— Err… É Lucas — respondeu, desviando o olhar. Droga, passei longe. Enny teria gargalhado impiedosamente da minha cara. — Nós somos gêmeos.
— Jura? — Agora o surpreso era eu. Nunca tinha parado para reparar no irmão dela, para ser sincero. Ele também nunca se aproximou. Mas devia ser um cara bacana se tinha uma irmã como ela.
— Uhumm. — Ela assentiu, olhando o aplicativo no celular. Aquele Uber podia demorar umas duas horas, eu não me importaria nenhum pouco. — Ele é um mala, sem alça e sem rodinha, e muito pesada.
Ri.
Eu invejava aquela implicância entre irmãos. Lúcio e eu não tínhamos aquilo. Não tínhamos nada.
— Achei que gêmeos tivessem uma ligação sobrenatural e incondicional. — Aproximando-me um pouquinho mais sem ela perceber.
— Tudo mentira — resmungou, evidentemente brava por falar do irmão. O lábios cheios levemente franzidos me fizeram sorrir. — O tópico das nossas brigas ultimamente é sobre o gato encapetado dele que comeu… Não, devorou minha prótese.
Juntei as sobrancelhas, a cena na minha cabeça era um pouco confusa…
— Eu sei, parece piada. — Ela suspirou, exasperada. Os ombros caindo com o peso de sua frustração. Espiou a tela do celular, como estava do seu lado vi, com desagrado, que o carro estava quase chegando. — Lucas se nega a ajudar, eu preciso de uma prótese nova para ontem.
Só a vi com prótese umas duas vezes e em umas poucas fotos que ela tinha no Facebook. Estava tão acostumado com seu olho direito esbranquiçado que me espantava quando stalkeava suas redes sociais, dava uma diferença muito grande. Parecia tão real.
— É caro? — perguntei, deslizando mais um pouco para perto, quase nos tocando.
Ela não percebeu.
— Para a minha realidade econômica é sim. — Me fitou, notei a preocupação em sua expressão. Queria ajudá-la… Eu até emprestaria se soubesse que ela aceitaria.
Uma brisa leve empurrou um cacho da sua franja sobre o olho direito, levantei a mão afastando-o devagar. O cabelo dela era macio, os cachos castanhos tinham alguns fios dourados, eram bem modelados como se acreditava que fosse o cabelo de um anjo. Eram como anéis que cabiam no dedo mindinho.
Passei o polegar no alto de sua bochecha, o suor do sexo já havia secado. Tão macia.
Meu olhar encontrou o seu, ela parecia reflexiva. Queria saber o que ela pensava quando ficava me olhando daquele jeito silencioso. Desejava que fosse as respostas que eu tanto queria ouvir.
Também amo você, Theo. Também quero ficar contigo.
Inclinei-me em direção aos seus lábios, mas uma buzina a fez pular para longe. Ela levou uma mão ao coração, rindo.
— Chegou a corrida. — Ela sorriu constrangida. — Tchau, a gente se vê!
Ela correu para o portão, sem me dar um beijinho de despedida. Mas olhou para mim antes de entrar na parte de trás do carro, aquela mesma expressão reflexiva. E aquilo sim me fez sorrir.
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