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III - Champanhe


Um olho rasgado e expressivo, íris azul e pupila negra dilatada, surgiu do outro lado do vidro do copo esguio, no meio das minúsculas bolhas de gás que viajavam em direção à superfície do líquido com aquela cor tão própria. Não era amarelo, nem creme, nem sequer um branco com um matiz dourado semelhante à areia de uma praia tropical. A cor era única e tão única que tinha o nome da bebida em si: champanhe.

Ela tinha ouvido a mulher da loja, onde tinha ido naquela manhã comprar o vestido para a festa, indicar-lhe as duas opções que tinha e as que mais condiziam com o seu porte, cor de cabelo, trejeitos, postura e o que mais as mulheres das lojas costumavam inventar para vender as roupas que expunham: o preto e o champanhe.

A palavra, quer designasse uma simples cor ou uma extravagante bebida, mexia com ela.

Claro que ela comprara o vestido preto. Seria incapaz de usar um vestido champanhe.

Haveria de a fazer arrepiar sempre que sentisse o tecido a roçar na pele.

As bolhinhas, minúsculas e incansáveis, corriam diretas ao topo, onde o gás se libertava e agitava o espelho do líquido que ansiava por ser bebido para celebrar a ocasião. Mais um ano velho que terminava, mais um ano novo que se iniciava. Em redor dela, agitavam-se os amigos num tropel de vozes, gritos e alegria que comemoravam com a algazarra habitual aquela meia-noite típica de uma passagem do ano. Muito ruído para agitar os espíritos, convocando os bons e afastando os maus, desejos de prosperidade, de saúde e de sucesso para os novos tempos, que os velhos já se tinham esgotado na memória, sorrisos ébrios e inocentes, saltos e vozearia.

A tal festa para a qual comprara o vestido preto.

Nunca o vestido champanhe.

Fechou os olhos e afastou-os do copo que segurava na ponta dos dedos. Estavam gelados, ligeiramente entorpecids nas extremidades, pois um dos preceitos indicava que se deveria beber champanhe frio, a uma temperatura ideal que permitisse ao palato absorver todo o prazer daquele vinho tão especial, vindo de uma região única de França.

Era interessante convocar lembranças naquela noite em que o tempo era o mais importante. Passado, presente e futuro.

E assim, de olhos fechados, recordou-se da razão porque o champanhe mexia com ela.

A primeira vez que o bebera era muito nova. Acabada de nascer.

Sorriu, de olhos fechados, com o copo entre os dedos, a absorver o aroma doce e gasoso do vinho que borbulhava perto das narinas.

Alguém berrava muito contente:

- Feliz ano novo, miná!!!

Sorriu. Sim, claro que sim. Acabada de nascer.

O que fora antes de nascer naquela forma dissolvia-se num borrão de cenas indistintas, de sensações confusas e de falsas imagens, que, não raras vezes, ela considerava absurdas e totalmente alheias à sua personalidade. Considerava-se uma mulher forte, resoluta, determinada, obstinada, implacável. O que porventura tivesse sido e que fazia parte daquele rol de lembranças, incluindo medos e lágrimas, era para ser esquecido, com mais afinco do que os anos que, começados a contar a partir daquele dia em que nascera de novo, findavam naquele remoinho de uma festa de passagem do ano.

Sim, claro que sim. Acabada de nascer.

Inspirou profundamente e em vez de sentir o aroma do champanhe que persistia no seu copo e que ainda não bebera – todos já tinham feito o seu brinde, com a sua respetiva bebida, em homenagem ao ano que começava, os amigos eufóricos e frenéticos em redor dela – sentiu os cheiros daquele outro dia, enterrado nos dias profundos e antigos.

Um ano que começava, ela que começava.

Cheiros assépticos, impessoais de um laboratório. Metal e borracha. Vidro lavado.

Sons baixos, discretos, bastante enervantes. Os apitos suaves dos monitores, o zumbido da maquinaria mais pesada nas salas encerradas por portas foscas trancadas, o chiar dos computadores que analisavam dados ininterruptamente.

A intensidade da luz branca. E as outras luzes a piscar, algures, dos dispositivos disfarçados entre painéis de botões, de alavancas e interruptores, teclados omnipresentes.

A mesa coberta de planos e de projetos enrolados nas pontas. A cadeira desleixada ao lado, com o estofo coçado e rasgado.

Uma caneca preta metade vazia, restos de café que, mesmo frio, exalava um odor forte.

Três copos de champanhe para cada um, distribuídos pelo velho que segurava a garrafa recentemente aberta e que derramava espuma branca para o soalho limpo do laboratório.

- Ao sucesso!

O irmão quedou-se com o copo parado, na mão do braço direito dobrado pelo cotovelo, ainda longe, demasiado longe da boca. Ela imitou o irmão. Parada, estática. O copo estava gelado.

E que importava isso? Ela não se importava mais com o frio ou com o calor. Tinha acabado de nascer, mais insensível do que nunca.

O velho ergueu o copo dele. Sorriso rasgado debaixo do enorme bigode branco. Olhos a cintilarem com uma alegria despojada e tão sincera, tão pura, que metia nojo.

- Ao sucesso das minhas melhores invenções! Vocês, humanos artificiais!

Ela sentiu-se agoniada. Mas a expressão do seu rosto céreo nada transmitiu. Nem sequer pestanejou. O irmão, ao lado, permanecia igual. Duas almas, dois corpos gémeos. Em tudo. Até naquele momento do nascimento para uma nova existência.

Os seus olhos moveram-se alguns milímetros para verificarem onde estava o controlo remoto que os desativava e os colocava em hibernação forçada. Um estratagema reles que o velho cientista louco, Maki Gero, usava para os controlar. Mal sabia ele que não os controlava... Era tudo ilusão, velho!

Como aquela tosca celebração, a três, do nascimento deles, da concretização do ambicioso projeto de transformar dois seres humanos em máquinas assassinas e indestrutíveis, de energia ilimitada e vazias de sonhos. Com direito a copos de champanhe gelado e borbulhante.

O controlo remoto estava no bolso da bata branca do velho. Estúpido!

Ela bebeu o champanhe, a acompanhar o gesto do velho. O irmão imitou-a automaticamente, reflexo simpático do que ela e do que o cientista tinham acabado de fazer. Levou também o seu copo aos lábios e bebeu.

O gosto do champanhe era único.

Misturava-se com a higiene imaculada daquele laboratório, mexendo com os sentidos dela profundamente, como uma garra fria que penetrava na sua alma e que a fazia sentir como a mulher que ela queria sepultar nas trevas do esquecimento. Estremeceu ao lutar contra a tentativa de se sentir ainda humana, quando nascia artificial.

- Ao vosso sucesso, número 17 e número 18!

A voz do velho ecoou na cabeça dela. Abriu os olhos em espanto. Medo, quase, da memória não ser memória mas momento palpável. Tinha na mão um copo de champanhe.

- Não vais beber?

Kuririn perguntava-lhe, na festa, sorrindo mais feliz do que qualquer um dos seus amigos ululantes, que continuavam a berrar e a celebrar com fúria e gana.

Mas essas memórias eram mesmo fumo, coisa esquecida só lembrada por ela.

Muito provavelmente o irmão estaria a beber champanhe naquela noite, algures, a convidar o novo ano para a sua vida, empurrando o passado para trás à custa dos anos todos que tinham decorrido desde aquele momento do nascimento dos terríveis humanos artificiais do cientista louco, Dr. Maki Gero.

- Número 18, não vais beber o champanhe?

Ela suspirou devagar. Forçou um sorriso, pálido, pouco expressivo. A boca numa linha ligeiramente curva.

O laboratório iria voltar com o primeiro gole. Com o estalar das bolhinhas na língua, com o vinho requintado a inundar-lhe a boca, com o líquido frio a escorrer pela garganta.

Todavia, ela bebeu o champanhe. Primeiro saboreou-o, corajosa, lutando contra as lembranças, as sensações, os receios e todos os fantasmas que a assolaram. Afinal, abraçara uma nova vida, fizera seus os amigos do seu companheiro, Kuririn, que fora seu inimigo. Comprara um vestido preto para a festa de final do ano, esforçava-se todos os dias por um novo começo. Outro nascimento, longe do tal laboratório.

Depois, bebeu o copo todo, enchendo-se de champanhe. Urrando vitórias por dentro, combatendo com fúria o que ainda a assombrava. Rindo-se no fim. Gargalhada triunfante, cabelos loiros lançados para trás quando agitou os ombros e se sentiu poderosa.

Uma nova mulher. Um novo ano.

Kuririn riu-se com ela. Totalmente apaixonado.

Número 18 sorriu-lhe sincera. Piscou-lhe o olho. E disse-lhe, como uma espécie de presente por aquela festa de fim do ano em que ela redescobria o sabor aveludado do champanhe:

- Parabéns. Vais ser pai. Estou grávida...

Nos céus, o fogo-de-artifício explodia em rosetas coloridas.

Kuririn engasgou-se.

Número 18 resplandeceu.

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