Capítulo 11 - Feridas De Amor
Allegra acordou com a luz forte que a cegava. Abriu os olhos lentamente, sentindo a cabeça latejar. Ficou imóvel por algum tempo, tentando recordar onde estava.
Surpresa, notou que não se encontrava mais na cabina de Poseidon. A luz forte era o sol penetrando por uma janela aberta e refletindo nas paredes brancas do quarto minúsculo.
Estava deitada em um divã dura e estreita, coberta por um velho cobertor e, quando se movia, as molas rangiam protestando.
Sentou-se, rapidamente, tentando descobrir o que acontecera. Chocada, percebeu que estava nua. Deu uma olhado no quarto. Além da cama, havia pouca mobília; uma pequena cadeira, uma cômoda com o tampa abaulado. Nada que reconhecesse ou que lhe pertencesse. Nenhuma de suas coisas e, com certeza, nenhum de suas roupas.
Allegra colocou as mãos sobre os olhos, tentando entender o que havia ocorrido. Estava a espera de Christos, lembrou-se, quando mergulhara no sono. Mas era muito antes da meia-noite e, pela posição do sol, já era mais de meio-dia. Será que ela havia dormido doze horas ininterruptamente? E como ela havia chegado em tal casebre, quando na noite anterior estava na luxuosa cabine do poseidon?
De repente, começou a sentir-se terrivelmente assustada. Lembrou-se de um artigo que havia lido recentemente sobre a pirataria moderna. Será que o Poseidon fora atacado durante a noite por piratas que a haviam sequestrado, enquanto dormia?
Se isso fosse verdade, o que acontecera com o capitão e os outros? E Christos, onde poderia estar?
Em um canto do quarto havia um alçapão que dava para uma escada rústica de madeira.
Allegra encheu-se de determinação e enrolou o lençol no corpo, antes de colocar os pés no chão de concreto. Levantou-se em seguida, sentindo a tontura voltar.
Enquanto esperava que o mal-estar passasse, escutou passos subindo a escada.
Buscou freneticamente algo com que pudesse se defender, porém, não havia nada, exceto a cadeira, pesada demais, a mesma era de madeira nobre. Mas não haveria tempo para alcançá-la, nem menos tentar. Encostou-se na parede, o terror dominando-a, quando viu despontar na porta um rosto.
Assim que o reconheceu, Allegra emitiu um grito de alivio.
— Christos! Ah, graças a Deus! Eu estava apavorada. O que aconteceu? O que estamos fazendo aqui? Que lugar é esse?
— Você estava dormindo. — Disse ele. — E eu estava esperando que acordasse.
Christos puxou a única cadeira do quarto, virou-se ao contrario e sentou-se, os braços apoiados no encosto.
Allegra olhou-o, sentindo remorsos. Havia estragado a noite de núpcias deles.
— Oh, Christos. Sinto muito.
— Mas não deveria. Era minha intenção que você dormisse tanto.
— Sua intenção?
Allegra sentou-se melhor e encarou-o. Outra vez, lembrou-se daquela horrível tortura que a deixara tão fraca.
— O suco de frutas... havia algo nele? — Perguntou. — Mas por que, Christos? Por que?
— Porque pensei que meus planos para a nossa lua-de-mel talvez não fossem de seu agrado! — Respondeu, lacônico. — E eu quis evitar qualquer tipo de cena.
— Não estou compreendendo nada. Onde esta o Poseidon? E que lugar horrível e esse?
— O Poseidon já partiu. E esse "lugar horrível" é a casa onde eu nasci.
— Oh, sinto muito. — Tentou se desculpar. — Eu não sabia. Foi o choque de acordar em lugar estranho.
— Era exatamente o que eu havia planejado.
— Planejado? Christos, pelo amor de Deus! — Implorou ela. — O que significa tudo isso? Por que estamos aqui?
— É bastante simples. Você se casou com um bastardo! E é com esse bastardo que vai viver daqui por diante. Agora vai descobrir como é a vida de uma mulher sem recursos. Vai ser muito... instrutivo não é mesmo? Sabe quando sua família mandou minha mãe embora de suas terras, a família do meu pai fingiu aceitá-la. Mas assim que ele precisou viajar há negócios, eles a jogaram nessa ilha. E o mais absurdo foi que quando ele voltou, eles simplesmente lhe disseram que ela havia fugido com outro homem. Tudo mentira! Uma maldita mentira que custou a sua saúde física e mental
Permaneceram em silêncio por algum tempo. Allegra cobriu os olhos com as mãos.
— É alguma brincadeira? Eu nunca soube disso e...
— Não.
— Você espera que eu passe a lua-de-mel aqui, nesta casa.
— Espero muito mais do que isso na verdade. — Retrucou ele, autoritário. — Você vai cozinhar para mim, lavar minhas roupas, limpar a casa e cuidar do Jardim. Vai alimentar as galinhas e tirar leite da cabra. Vai fazer tudo o que a minha mãe fez!...
— Não farei nada disso! Você ficou louco? Sou sua mulher, não algum tipo de escrava domestica e...
— Não, você não é minha mulher. Ainda não. É só a mulher com quem me casei. Mas você não tem seu lugar nem na minha cama, nem em meu coração ainda.
Allegra mal podia falar.
— Eu era uma pessoa tão fácil de impressionar, né? Ou ao menos era o que você imaginara.Um bastardo grego vulgar, o usurpador de fortuna da família. Todos os nomes que você me chamou, mostrando desprezo por mim. Mas quando descobriu que eu compraria sua casa, tudo mudou. Você decidiu se sacrificar, a inglesa aristocrata e o grego grosseiro. Não é a historia da Bela e a Fera? Era como você me via, não, Allegra? Como uma fera que você pudesse domesticar ou até mesmo dominar? Sente desprezo por mim, mas pensou que poderia me manipular e usufruir do meu dinheiro para viver como bem lhe aprouvesse. E depois o que faria? Talvez me traísse com o primeiro que aparecesse ou pior me envenaria aos poucos?
—Não! — Exclamou Allegra, chocada. — Não, não é verdade ...
— Você se casou comigo em troca de uma casa e um monte de terra! — Continuou Christos, cruel. — Pois muito bem, agapitós, eu vou lhe presentear com esta casa. Não e tão... luxuosa como a mansão Reviello, mas servira, até que você aprenda seu lugar. E como não a quero como esposa, você será, para usar sua própria expressão, uma escrava doméstica.
— Christos... você não pode estar falando sério! — Horrorizou-se ela. — É a nossa lua-de-mel. Eu sei que não deveria ter dito todas aquelas coisas e sinto tê-lo feito, mas foi há tanto tempo e no calor do momento. Estava aborrecida por perder a minha propriedade, você não compreende? Mas agora tudo mudou, estamos casados. E... eu preciso de você, não percebe?
— Precisa de mim? — Riu ele, ameaçador. — Neste caso, como você mesma me disse em certa ocasião, terá de se conformar.
Christos levantou-se e apontou para a cômoda.
— Você encontrará roupas nas gavetas. Vista-se e desça; vou explicar suas obrigações a partir de agora. Se quiser comer vai precisar trabalhar com as suas próprias mãos. Aqui não irá ter empregados para fazerem as suas estúpidas vontades!
— Christos, por favor, não pode ser verdade! Será que você não sente nada por mim?
— Claro que sim! — Respondeu, frio. — Acho você até bastante desejável. Não posso negar isso afinal! Mas não existe respeito entre nós, Allegra, e sem respeito não pode haver união. Você é mimada, orgulhosa e não há nenhuma beleza nisso. Se sente vergonha do que sou, ou do que fui, então, isso é problema seu. Durante sua estadia aqui, você terá de aprender a resolvê-lo.
— E se eu não o fizer? — Perguntou Allegra, mal acreditando em seus ouvidos.
— Então, o casamento devera ser anulado. Não ficarei com uma mulher que me despreza ou que pensa poder usar-me para atingir seus próprios objetivos egoístas. Então, vista-se ou não se vista, como queira. Para mim, não faz diferença.
Desceu as escadas e desapareceu pelo alçapão.
Christos encostou as costas na porta, fechou os olhos e segurou suas lágrimas. Havia sido difícil dizer tudo aquilo a ela. Mas era necessário, Allegra teria que aprender não nunc amais brincar com os seus sentimentos. E ele iria fazê-la amadurecer de qualquer maneira. Mesmo que ele tivesse que se tornar um tirano.
Allegra desmoronou na cama outra vez, enrolando-se no cobertor velho. Apesar do calor, sentia-se gelada.
Não podia estar acontecendo. Deveria ser algum desses horríveis pesadelos e logo despertaria a bordo do Poseidon, os braços de Christos envolvendo-a. Mas a aspereza dos lençóis pobres, simples de algodão em sua pele e a lembrança da voz de Christos eram demasiadamente reais para serem um sonho ruim.
Allegra repassou mentalmente as palavras duras que dirigiu a Christos. Ele tinha toda a razão para se sentir ofendido; ainda mais com o comportamento dos pais dela em relação a ele nas ultimas semanas. Ele havia aguentado todo tipo de humilhação tanto de sua família como de alguns conhecidos de sua família. E ela não o havia defendido uma única vez sequer, na verdade em alguns momentos havia ajudado nas criticas ruins sobre a sua origem.
Mas isso não queria dizer que ela se submeteria de bom grado a tratamento tão humilhante.
"Vou falar com ele", pensou Allegra. "Vou convencê-lo de que eu errei, mas que ele esta equivocado sobre mim. Que eu o quero e que sinto orgulho de ser sua esposa."
Nem ela ao mesmo sabia por que sentia o seu partido ao ver o sofrimento em seus olhos durante aquelas semanas. Aos poucos os seus sentimentos haviam mudado e quando Dináh havia lhe dito tudo aquilo, pela primeira vez Allegra se sentiu um lixo como pessoa. Ela não era melhor que Christos, mas a sua família lhe havia criado acreditando que ela era superior aos demais.
Levantou-se, determinada, e foi abrir as gavetas em busca de suas roupas.
Queria vestir calça jeans e uma camiseta.
Quando abriu a cômoda ficou completamente imóvel por um momento; não havia nada de seu ali; na verdade, somente dois vestidos velhos, um bege desbotado e outro cor de vermelho, ambos limpos; um lenço para cobrir a cabeça e um par de sandálias de couro rústico, baratas. Nada mais.
Allegra retirou tudo da gaveta, buscando suas roupas finas de seda e de linho; nada. Nem mesmo um par de sapatos decentes, nem seus sutiãs e calcinhas rendadas.
— Ainda não esta pronta? — Rugiu ele.
Allegra não havia escutado passos e voltou-se assustada.
— Não estou e nunca vou estar!... — Reclamou ela, furiosa, apontando para a cômoda. — Estas não são minhas roupas.
— Considere-as como um empréstimo.
— Não usaria isso nem para limpar o chão. Gostaria de ter minhas roupas de volta, por favor.
— Ainda tão arrogante e mal agradecida! — Comentou ele, calmo. — Mas vai aprender.
— Duvido. Onde estão minhas roupas?
— A bordo do Poseidon, que, nesse momento, deve estar a muitas milhas de distância daqui.
— Você esta querendo dizer que o iate foi embora deixando-nos aqui? Não acredito.
— Veja por você mesma então.
— Eu sem roupas? Como eu poderia?
— Estas são as suas roupas agora. Devo admitir que não são do tipo com as quais você está acostumada, agapitós, ou do tipo que você esperava que eu comprasse para minha adorada esposa, mas são perfeitamente adequadas para este lugar e para o tipo de vida que teremos aqui.
— Se não fosse por um insignificante detalhe. Você se esqueceu de incluir a roupa íntima e outros por menores que uma mulher precisa.
— O tempo está quente e o vestido a cobrirá suficientemente. — Disse ele, dando de ombros.
Allegra encarou-o.
— Você realmente crê que vou andar na frente das pessoas usando só um vestido e um par de sandálias imundas? Pois está completamente louco!
— Calma... — Disse Christos, sem levantar a voz, mas com uma nota de ameaça. — Não há ninguém aqui, exceto nós.
— Ninguém? E por quê? Que tipo de lugar é esse?
— É uma ilha chamada Argolo. Ninguém mais vive aqui. Estamos completamente, totalmente a sós, agapitós. Exatamente como você ansiava.
— Eu disse isso? Deveria estar louca. E ainda não acredito em nada disso.
Allegra foi até a janela, tropeçando no lençol; observou as redondezas.
— Vejo uma rua, diversas casas e mais adiante uma pequena igreja...
— Todas desertas. Os habitantes dessa ilha mudaram-se para o continente, há cinco anos atrás. Um dia, espero poder fazer algo para retornarem, mas, por enquanto, a ausência deles serve perfeitamente aos meus propósitos.
Do outro lado, Allegra podia ver o mar de um azul intenso, mas sabia que o Poseidon não estaria ancorado lá. Parecia que ela estava condenada a permanecer ali sofrendo todos os caprichos daquele homem, como vingança por tudo o que dissera e sua família lhe havia feito.
— Vista-se e desça. — Disse Christos, seco. — Você vai preparar a refeição.
— Eu não sei cozinhar. — Protestou ela.
Não era exatamente verdade. Sabia preparar omelete e outros pratos leves, mas viver em uma casa onde a governanta era a sra. Weenny reinando como uma rainha na cozinha na propriedade Reviello não incentivava ninguém a desenvolver habilidades culinárias.
— Então vai aprender, a não ser que queira morrer de fome.
— E como vou descer essa escada? Se eu cair e quebrar o pescoço, existe algum hospital por aqui?
— Se você cair e quebrar o pescoço Allegra, duvido que algum hospital pudesse fazer algo para salva-la. Aconselho-a a tomar bastante cuidado ao descer.
Allegra vestiu-se sentindo vontade de chorar quando se viu dentro do vestido.
Desceu as escadas e deparou-se com uma sala tão simples quanto o quarto. Em canto estava um antigo fogão a lenha, escurecido pelas cinzas, aparentemente ali deixadas havia muitos anos. No meio, uma mesa quadrada recoberta por restos de fórmica e duas cadeiras de madeira envelhecidas pelo tempo. No outro canto, uma cama de armar, onde, provavelmente, Christos passara a noite. Havia também uma pia velha e encardida, que tinha um cano de drenagem atravessando a parede. Era a única concessão ao conforto em todo o casebre.
Allegra engoliu seco.
— Não ha torneiras e nem encanamento aqui? — Conseguiu perguntar incrédula e sem acreditar que pessoas pudessem viver com tão pouco.
— Para que torneiras, se não ha água corrente? — Comentou Christos.
— Mas então, como se...
— Existe um balde... — Explicou Christos. — Com o qual, você pode trazer água do poço da rua. Atrás da casa existe uma nascente; é de lá que você deve trazer a água para ser bebida.
— E isso é tudo? — Perguntou Allegra, sem poder acreditar em seus olhos.
— Exato.
— Mas é impossível. Uma piada! — Comentou Allegra, sentando-se em uma das
cadeiras.
— Espero que você continue rindo no fim do dia. Sugiro que comece suas obrigações acendendo o fogão.
— Essa coisa? Ainda funciona?
— Espero que sim. Os japoneses gostam de peixe cru. Não creio que você apreciaria muito.
— Nem você! — Retorquiu Allegra. — Então, se o fogão não for acesso, nós deveremos declarar uma trégua e retornar à civilização.
— Oh, não, agapitós... — Sorriu ele. — Porque o fogão acenderá perfeitamente bem, com boa vontade. Então, não tente qualquer tipo de truque, ou você se arrependerá amargamente.
Allegra não conseguiu sustentar o olhar dele e, envergonhada, baixou a cabeça.
2457 Palavras
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