Capítulo 1 - Feridas De Amor
Na luminosa tarde de primavera, o mês de Junho estava quase no fim, Reviello jamais parecera tão bonita. Para Allegra era a propriedade mais formosa de toda a Inglaterra.
Parou o carro a beira da estrada e desceu. A brisa suave acariciava seus longos cabelos cor de cobre. Apoiou-se no muro e ficou observando a vegetação exuberante de frente a sua casa.
Tudo parecia estranhamente calmo, até deserto, mas ela sabia que a tranquilidade aparente era só uma fachada. No interior da casa, deveria haver um tumulto de atividades enquanto sua mãe e os empregados terminavam a decoração para a Festa de Verão que aconteceria naquela noite.
"E eu deveria estar ai, ajudando." pensou Allegra, sentindo-se meio culpada, meio divertida. A festa da família Riviello era um dos eventos mais esperados do ano; uma tradição deliciosa estabelecida há várias gerações.
Sentiu uma grande satisfação invadi-la. Propriedades como da família Riviello representavam exatamente isso: continuidade e tradição.
E era o que Allegra pretendia seguir, embora fosse única filha, em vez do tão esperado filho homem.
Um mês inteiro longe de casa era tempo demais, pensou ela, embora tivesse se divertido muito. Tia Geovana era uma perfeita esposa de diplomata e em sua casa havia festas e jantares quase todas as noites. Além disso, participara de partidas de tênis, natação e campeonatos de pólo, assim como visitas a concertos e teatros em companhia de jovens educados e atraentes.
- Mas ninguém que fosse digno da família Reviello na verdade. - Contaria a seu pai dentro em pouco, caçoando.
Era uma brincadeira que vinha de longa data, desde quando Allegra não era mais que uma criança ao saber que perderia o nome quando se casasse, ficara mortificada.
- Neste caso, não me casarei jamais! - Declarara a seus pais, que riram muito na ocasião. - A não ser que encontre alguém com o mesmo sobrenome.
- Mas você poderia se apaixonar por alguém que se chamasse Carter. - Sugeria Emily Reviello, acariciando o rosto da filha.
- Neste caso, ele teria de mudar o nome para Reviello. - Retrucara Allegra. - Se não o fizesse, não seria digno de nosso nome então.
Durante muito tempo, os três divertiram-se com o episódio, mas Allegra percebera que não estava muito longe da verdade. Ela pretendia viver para sempre em Reviello, ver os filhos crescerem ali, carregando orgulhosamente seu próprio nome de família. Mas o homem que deveria se submeter docilmente a seus planos continuava a ser a figura abstrata. Os rapazes que a convidavam para sair com tanta frequência, e que tentavam, em vão, levá-la para cama, estavam longe de ser candidatos que ela considerasse dignos.
Talvez eu jamais me case. Pensava Allegra. Talvez eu só administre a propriedade e fique sendo conhecida como uma solteirona excêntrica.
Quando se preparava para entrar no carro, foi que o viu, um homem, um perfeito desconhecido, cruzando o pátio, onde não tinha o direito de estar.
Allegra franziu o cenho. Ele era alto, com cabelos negros reluzentes e a pele bronzeada pelos raios do sol e ela não precisava se esforçar muito para saber de onde ele vinha. Seu pai, muito desprendido, sempre permitira que ciganos acampassem do outro lado do bosque com a condição de que mantivessem o lugar limpo e que não circulassem pela propriedade.
E, nesse momento, ali estava um deles, passeando como se fosse o proprietário. Bem, ele logo aprenderia sua lição!
Subiu no muro, colocou dois dedos na boca e assobiou.
O estranho voltou-se, mas não fez menção de se aproximar. Geralmente, o mesmo grupo de ciganos ia e vinha a cada ano, mas Allegra jamais havia visto este.
Era ainda mais claro do que Dary Badim, o chefe do clã que havia entrado em negociações com seu pai. Tinha olhos negros, nariz reto e uma boca bem desenhada. Não era exatamente atraente, mas tinha certo ar senhorial, irritantemente arrogante. Talvez fosse algum parente afastado de Dary que estivesse só de passagem, mas isto não lhe dava o direito de desobedecer ao que havia sido estipulado.
- O senhor sabe que esta invadindo uma propriedade privada? - Perguntou-lhe friamente.
Ele permaneceu observando-a em silêncio, as mãos na cintura a, mas não se deu ao trabalho de responder. Vestia calça social escura muito bem cortada e camisa da mesma cor, muito elegante. Era óbvio que suas roupas haviam custado caro. Seria realmente um cigano?
O comércio de ferro-velho deve estar em alta. Pensou Allegra, cínica. Esse, com certeza, não era nenhum parente pobre dos Badim. - Imagino que fale inglês, não?
Houve uma pausa, depois o estranho assentiu com um leve movimento de cabeça, o rosto impassível, sem demonstrar nenhum tipo de emoção.
- Bem já é algo. Então o senhor sabe o que quero dizer com invasão de propriedade privada, não? Meu pai deu permissão ao seu povo para que acampasse nessas terras sob certas condições. Sugiro que retorne de onde veio e descubra quais são essas condições. E não quero mais vê-lo andando por aqui, entendeu?
Desceu do muro e entrou no carro, percebendo, furiosa, que ele nem sequer se movera do lugar. Que audácia a dele! Pelo espelhinho, arriscou uma última olhada para trás e viu que ele estava rindo dela.
"Vou até o acampamento e Dary vai ter de escutar algumas verdades". Pensou, furiosa. Dá-se a mão a esses ciganos e eles querem o braços."
Tentou acalmar-se quando percebeu que estava acelerando demais o carro.
Afinal, era só um incidente sem importância, e era ridículo sentir que poderia estragar sua volta a casa. Pois nada faria com que isso acontecesse. Nem agora, nem nunca.
Reviello seria dela um dia, e ela cuidaria da propriedade com o carinho que seu pai, uma pessoa encantadora, mas desprovida de responsabilidade, jamais o fizera. Ele insistia em chamá-la de "A Maldição da família Riviello! e ria da fúria de Allegra. O mês que passara com tia Gio havia sido um breve intervalo de descanso antes que começasse a trabalhar nos escritórios da família Riviello para aprender a administrar a propriedade. Era isso o que sempre almejara, embora Thayronny Reviello acreditasse que ela mudaria de ideia quando tivesse idade para assumir tal responsabilidade.
- Veremos como você se sentirá a respeito quando completar vinte e um anos. - Dissera-lhe.
Mas, para surpresa dele, aos vinte e três, ela continuava firme em seus propósitos.
E começaria desde já, tratando desse problema dos ciganos, direta e pessoalmente. Se Dary imaginava que seria fácil tratar com ela pelo fato de ser uma mulher, ia ter uma grande surpresa!
Estacionou o carro e atravessou o bosque a pé. Os trailers estavam estacionados um ao lado do outro, mas parecia não haver ninguém no acampamento, exceto um cão que ladrava insistentemente para Allegra.
- Quieto, Tiger. Sou eu!... - Acalmou-o, batendo a porta do trailer principal.
A porta se abriu imediatamente, revelando uma senhora de pequena estatura, os cabelos totalmente brancos, vestida com um avental de cores vistosas. Os olhos escuros e grandes estavam fixos em Allegra.
- Bem, srta. Allegra Reviello, eu estava a sua espera.
A Vó Badim era conhecida por ter poderes extraordinários e fazia um bom dinheiro lendo a sorte nas festas e feiras da região, mas Allegra jamais acreditara nisso; para ela os dotes daquela senhora consistiam em um bom faro para as novidades e uma memória fenomenal. Além disso, todos sabiam que, onde quer que Allegra estivesse, estaria de volta para a Festa de Verão.
- Como vai, Vó Badim. O Dary está ai?
- Não, ele saiu para tratar de algum negócio. Entre srta. Allegra. A chaleira está no fogo e eu tenho as cartas na mesa para a senhorita.
Allegra hesitou. Gostaria de uma xícara de chá, mas a última coisa que desejava era que a Vó Badim colocasse as cartas do tarô para ela.
- Realmente, penso que não... - Começou, mas logo foi interrompida.
- A senhorita pode não acreditar, mas há uma mensagem endereçada a você. Eu estava esperando que chegasse, para transmiti-la.
"E, sem dúvida, receber algum dinheiro por isso. Pensou Allegra cética. Entre aborrecida e divertida, seguiu a velha senhora para dentro do trailer e sentou-se de frente a ela. O chá estava demasiado quente e quase negro; ela sorvia goles com cuidado enquanto Vó Badim abria as cartas.
- Há muitas mudanças em sua vida e uma viagem para fora do país.
- Acabo de voltar dessa viagem. - Comentou Allegra, com certa impaciência.
- Esta é outra viagem.
- Não creio. Dessa vez eu vim para ficar.
- Vê o que está sobre você? - Disse, abrindo uma carta. O Rei de Espadas chegou e está diante de você! Ele veio para afastá-la de tudo e de todos. Ele é terrivelmente poderoso, o Rei de Espadas. Você não pode lutar contra ele, embora possa tentar. Mas o destino o favoreceu diante do mal que lhe fizeram no passado. É apenas a lei do retorno agindo minha jovem!...
- Pode estar certa de que o farei. - Disse Allegra, seca. - A senhora pode me dizer como ele e para que eu possa evitá-lo?
- Ele está tão perto que quase pode tocá-lo com suas mãos se assim o quisesse. - Sussurrou a velhinha. - E você não pode fugir do seu destino.
Sem querer, Allegra sentiu um frio percorrer-lhe a espinha, enquanto Vó Badim virava a última carta.
- Veja! A Torre atingida por um raio! Seu mundo virado de cabeça para baixo, sem dúvida. Você precisa pagar uma divida que pertence a seus pais.
Allegra não despregava os olhos das cartas. Desejava nesse momenta deixar o problema do intruso para que seu pai resolvesse. Mas foi só por um momento. Ela jamais se deixara levar pelas bobagens da Vó Badim e não seria agora que iria começar.
Bebeu o restante do chá de um só gole e levantou-se.
- Bem, a previsão do tempo nada disse sobre tempestades. Vou me arriscar e enfrentar o destino. - Comentou com certa rispidez.
Começou a abrir a bolsa, mas a velhinha a impediu.
- Entre nós não há necessidade de dinheiro, srta. Allegra. Já lhe transmiti o aviso; não há mais nada que eu possa fazer. Você e uma moça orgulhosa, e sem dúvida muito decida. Mas seu orgulho será derrotado. Esta tudo nas cartas. Agora, fuja para casa e dance em sua festa, enquanto ainda puder. Pois o seu destino já está selado.
Allegra quase tropeçou nos degraus do trailer e parou, o coração em disparada.
Deveria haver alguma lei contra as previsões sombrias de Vó Badim. Havia sido muito diferente das previsões que ela costumava fazer sobre maridos atraentes e números premiados da loteria.
Sentou-se no carro, esperando que seu pulso se normalizasse e censurando-se por ter sido tão tola. Ela nem ao menos deixara um recado para Dary sobre o intruso. Bem, isso teria de esperar, pois de modo algum pretendia voltar.
1761 Palavras
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