3 - MARÇO DE 1864 (GARIG - UNIVERSO TAVILAN) - parte 3
Acho que já ficou claro para todos que as casas em que estávamos eram ao estilo japonês, com Fusuma, Shoji, Tatami, Engawa etc., aqui me referirei com os nomes populares do ocidente, já que estou mais familiarizada.
Fui levada sem as amarras por Saito até uma acomodação vazia. Ficou claro desde aquele momento que eu não teria qualquer tipo de liberdade ali, mas pelo menos por enquanto, eu estava viva. O local em que fiquei era tecnicamente grande, mas não tinha nada, a única coisa que me foi dada foram futons para colocar no chão e para me cobrir.
– Ficarei aqui caso necessite de algo – a voz de Saito era controlada, um tanto fria, mas ele havia sido educado. Disse isso, fechou a porta e se pôs em guarda. Ele faria o primeiro turno.
– Eles podiam ter pelo menos a droga de uma televisão para eu me distrair – resmunguei emburrada enquanto me deitava e me cobria.
Fiquei me questionando se eu havia tomado a decisão certa de não lutar, mas soube no mesmo momento em que tive esse pensamento, que eu não havia tido escolhas. Mesmo sendo somente Saito, Tashiro e Yukio, eu não teria a menor chance, não sem minha manipulação. Me sentindo extremamente cansada com os acontecimentos do dia, eu me deitei e caí em um sono profundo.
O sol mal havia saído quando me trouxeram roupas limpas, eu olhei para aquele emaranhado de tecidos sem saber ao certo como vesti-las. Queria ficar com as minhas próprias roupas, mas isso seria impossível, eu chamaria muito a atenção. Ficou decidido que sempre que houvesse outras pessoas além dos capitães, eu poderia usar a máscara e apenas ela, a touca não era necessária desde que eu prendesse o cabelo. Olhei novamente o que eu acreditava que fosse o quimono e tive que admitir a Takashi que não fazia ideia de como usar aquilo. Ele suspirou alto, mas riu.
– Se quiser eu posso chamar um dos rapazes para ajudá-la – eu fiquei de boca aberta com a resposta enquanto sentia o rosto esquentar e vendo a minha reação ele emendou – Não se preocupe, estou brincando. Imaginávamos que não saberia usar, a Senhora Tanizake, mulher do chefe, logo chegará para te ajudar.
Ele terminou de falar e em uma curta reverencia se despediu e saiu. Poucos minutos depois a Senhora Tanizake chegou. Era uma mulher muito mais jovem do que eu esperava e exalava simpatia, seus cabelos eram lisos, longos e negros. Estavam presos em um meio rabo de cavalo para trás, não usava maquiagens, ou pelo menos, não naquela ocasião. Seus olhos eram tão escuros quanto o cabelo e tinha a voz doce e simpática.
– Oh, minha menina. Sinto muito com o que aconteceu com você – ela chegou me dando um pequeno abraço.
De alguma maneira, esse pequeno gesto me fez feliz, principalmente depois dos acontecimentos da noite anterior. Algo no gesto dela havia me lembrado a minha mãe Kaira.
– Vamos, irei te ajudar a se vestir. Mais tarde, prepararei um banho para você. Normalmente ninguém de fora visita o complexo. Parece que você está proibida de sair sem companhia e só terá contato com os capitães, com meu marido e comigo, mas pelo menos pude convencer Tanizake a deixá-la comer com a gente. Vou adorar ter mais uma mulher por aqui.
– Só tem a senhora de mulher aqui? – perguntei curiosa.
– Sim, apenas eu e tenho que admitir que as vezes é difícil lidar com tantos homens. Às vezes saio para tomar chá com outras mulheres, mas sabe..., ser a mulher do chefe dos Koasenshi..., bom, são ótimos guerreiros, mas possuem uma fama um tanto sanguinária quando o assunto é defender nossas terras. São só rumores sabe, mas tem muita gente que acredita e...
– Koasenshi? – perguntei interrompendo o monólogo da senhora.
– Ah, sim, bom, são ótimos rapazes. Lutam pelo bem do povo, mas as vezes passam um pouco dos limites...
Ela seguia falando, mas parou ao ver um corvo celta tatuado nas minhas costas, símbolo da minha família em Himura. A escutei segurar a respiração, eu não sabia o que se passava pela cabeça dela, mas preferi ajudá-la a voltar ao mundo real.
– Então, eles são a força especial que protege a cidade?
Ela pareceu aliviada ao ser tirada de seus pensamentos.
– Mais ou menos isso, na verdade, eles não são bem reconhecidos e...
– A senhora já falou demais, senhora Tanizake, ela não é nossa convidada e sim nossa prisioneira – um rapaz disse ao aparecer na porta e apesar de suas palavras, ele vestia um sorriso que iluminava o local – Perdão, senhorita. Não sabia que ainda não estava pronta, mas precisamos nos apressar, todos estão loucos de fome já.
– Já iremos em um minuto Satoru – a senhora Tanizake disse devolvendo o sorriso ao rapaz.
– Muito bem, esperarei aqui na frente.
Satoru era alto, mais ou menos 1,80 de altura. Tinha o cabelo em um castanho acobreado, longo e usava um rabo de cavalo baixo, mas tinha mais fios soltos que presos, usava uma faixa branca na cabeça e seus olhos eram de um castanho quase dourado. Até aquele momento, pareceu ser o mais receptível além de Takashi, mas ainda era muito cedo para definir isso.
Meu quimono era simples, liso e azul claro, e ainda bem que sem aquele monte de estampas floridas. Eu me sentia extremamente incomodada com aquela roupa, mas não reclamei. Com mãos ágeis e dóceis, em menos de 5 minutos a senhora Tanizake havia feito o coque mais perfeito que eu já havia visto, a única parte solta do meu cabelo era minha franja repicada que era impossível prender, já que era mais ou menos na altura do queixo.
Não fui amarrada, isso só demonstrava o quanto eles tinham confiança na força que possuíam, ou talvez, isso fosse um ato cavalheiresco por ser uma prisioneira mulher. Também existia, é claro, a possibilidade de eles pensarem que eu não oferecia nenhum risco. Passamos por um corredor externo (Engawa) e chegamos a um grande salão revestido de tatame, tiramos os sapatos na entrada, um tipo de sandália de corda de palha, que a senhora Tanizake disse que se chamava Waraja. Era um sapato simples e na minha mais humilde opinião, peço desculpas a quem gosta dessas coisas, era tão desconfortável que eu preferia andar descalça. A senhora Tanikaze veio pedindo mil desculpas pelos sapatos, e disse que logo providenciaria Geta para mim. Me dava um pouco de medo saber o que era e esperava que não fosse tão desconfortável quanto esse.
Satoru não falou nada no meio do caminho, apenas pediu para que o seguíssemos. O primeiro a nos receber no grande salão foi Takashi, com o mesmo sorriso que havia me dado aquela manhã.
– Seja bem-vinda, senhorita – disse me levando um pouco mais para dentro do salão enquanto eu lhe dirigia um sorriso fraco e lhe oferecia um aceno com a cabeça.
– Bom dia, espero que a senhorita tenha dormido bem – Tashiro me cumprimentou em um tom brincalhão.
Lembrava bem dele e de todas as comemorações que havia feito por minha captura, não posso dizer que foi reconfortante vê-lo, mesmo porque, também me lembrava que havia sido o primeiro a se oferecer a me matar.
– Não posso dizer que tenha sido confortável – respondi dando de ombros.
– Oh, sério? – ele parecia se divertir com a minha resposta, e pude ver seu largo sorriso de lado – Mas fui até lá e você parecia dormir como pedra, cheguei até a cutucar você, mas você nem se moveu, achei até que estava morta, só soube que não estava morta pela quantidade de baba que saía da sua boca.
Se ele havia tentado me pegar em uma brincadeira, havia falhado miseravelmente, sei que havia dormido pesado, mas também sei que não baixaria minha guarda a ponto de nem acordar com o cutucão de alguém, mesmo assim senti meu rosto ficando quente com a simples possibilidade. Olhei para Saito, e o vi revirando os olhos com a brincadeira de Tashiro.
– Ele está apenas brincando com você. Tashiro não chegou nem perto do quarto da senhorita – Saito disse como se a brincadeira o deixasse cansado.
– Obrigada pelo esclarecimento e pela atenção... mmm... Saito, certo? – respondi realmente agradecida por ele haver interferido. Fiz que tentava lembrar seu nome, apesar de lembrar perfeitamente – Mas sei que ele não o fez, mantenho uma boa vigília quando me sinto ameaçada.
Ao dizer a última frase, voltei meus olhos novamente para Tashiro que não havia perdido o sorriso brincalhão enquanto se virava para Saito.
– Nada gentil da sua parte, Hayato, acabar assim com a minha brincadeira. E você – se voltou novamente para mim fazendo cara de ofendido – me impressiona dizendo tal coisa, não confia em nós?
– Na verdade Saito foi muito gentil, bem diferente de você – respondi ainda no jogo que ele havia iniciado – E espero não precisar responder sinceramente a sua pergunta, talvez você não goste da resposta.
– Cale-se, Tashiro, deixe de molestar a jovem. Parece criança – a voz áspera de Yukio atravessou nossa pequena disputa. Mesmo me defendendo o olhar que ele me lançou foi tudo, menos gentil – Vamos nos apresentar rápido para comermos. Seria falta de educação comer na companhia de quem não se sabe o nome.
– Oh, capitão, mas eu sei o nome dela – Tashiro o cutucou.
– Ela não sabe os nossos, idiota! – a voz Satoru chegou alta até nós.
– Ah, nesse caso, Ogawa Tashiro, a seu dispor – ele disse fazendo teatralmente uma reverência.
– Sou Takahashi Yukio – ele continuou sério, sua voz sem emoção cortou o ar e qualquer possibilidade de uma relação amigável.
– Yamanami Isao. Peço desculpas pelo comportamento assustador deles, não deixe isso assustar você – Isao sorriu docilmente, como se fossemos velhos amigos. Sua voz era calma e tive durante um pequeno momento a ideia de relaxar.
– Mas você é o mais assustador de todos, Isao – Yukio disse com um leve sorriso malicioso enquanto todos caíam na risada.
– Ei, bela dama, sou Sakai Natsu – olhei para o homem que se apresentava, ele estava sentado em um canto com Satoru e um outro rapaz muito jovem. Apesar de sentado eu pude notar que ele tinha mais ou menos 1,75 de altura, a roupa era igual a de todos os outros, mas ele mantinha a parte de cima um pouco mais aberta, deixando a mostra um peitoral bem definido. Usava uma faixa na cabeça como muitos ali e um colar de coco ou madeira que parecia ter sido feito por um hippie. Seus olhos eram galanteadores e castanhos. Seu penteado, de um curto bagunçado, me deu a mesma sensação de quando vi Tanizake pela primeira vez, me parecia algo fora de contexto. Era um rapaz muito bonito e aparentava ser bem festeiro.
– Sou Hayashi Satoru. Peço desculpas por não haver me apresentado antes, mas tínhamos um pouco de pressa, e parar a Senhora Tanizake no meio de uma conversa não é muito aconselhável – Satoru disse gentilmente enquanto ria baixo junto com seus outros dois colegas – E esse pirralho aqui é Harada Tatsuo – disse enquanto bagunçava o cabelo do rapaz mais jovem do grupo.
– Ei, sou só dois anos mais novo que você velhote – ele parecia zangado. Dois anos? Realmente ele parecia bem mais novo, tinha por volta de 1,65 de altura, cabelos longos e presos em um rabo de cavalo. Aparentemente era comum ter o cabelo longo e preso em rabos de cavalo aqui. Os cabelos longos eram castanhos e pareciam mais ralos que o dos outros, tinha uma franja bem repicada que parecia bastante com a minha, seus olhos eram de um cinza médio da cor de olhos de muitos recém-nascidos e parecia bem mais magro do que era perto de Natsu e Satoru.
– Sou Saito Hayato, mas acho que você já sabe disso – Saito disse apertando um pouco os olhos enquanto provavelmente estudava minha reação. Seus olhos particulares me prenderam em uma pequena fascinação novamente por alguns segundos antes de ser interrompida.
– Sobrenome e nome – sussurrei já me sentindo cansada – deveria ter estudado um pouco mais os costumes orientais no fim das contas, não sei nem como chamar cada um deles agora...
– Ah, que bom, vejo que já conheceu os rapazes – Tanizake entrou no salão com um humor muito diferente ao do dia anterior. Estava sorridente e muito mais receptivo.
Com sua chegada, senti um pequeno frio no início da espinha e olhei instintivamente para todos os lados me sentindo de repente ameaçada de novo.
– Wow!!! Que linda! – um menino correu na minha direção. Me surpreendeu vê-lo, pois, diferente de todos, ele era loiro... dos olhos vermelhos? Senti um pequeno suor frio percorrer o canto do meu rosto, mas me controlei. Ele parecia ter por volta de 7 anos. Tentei lembrar a mim mesma que muitos ali tinham olhos diferentes. O fato dos dele serem vermelhos não significava nada, certo?
– Mikah, vamos comer agora, depois você se apresenta para ela, está bem? – a senhora Tanikaze disse enquanto o levava pelas mãos e eu o seguia com os olhos admirada, isso para não dizer que algo assustada, por finalmente ver alguma variedade racial no local.
Sentamo-nos em nossos tornozelos em uma roda e comemos em silêncio, era um silêncio incômodo e eu podia notar que não era algo comum entre eles.
– Me diga Ambar – Yukio chamou minha atenção – Sabemos o seu nome, mas qual é o nome da sua família?
– Sou da família Krasa, senhor – respondi normalmente.
– Wow! É sério? Você é de Himura, não é? Eu também sou! Meu irmão fala muito da sua família – Mikah falou alto e estridentemente.
Olhei para Mikah com os olhos arregalados, sentindo um misto de surpresa e espanto. Bocuda e incapaz de guardar segredos, eu não havia pensado em mentir sobre meu sobrenome. Senti um suor frio escorrendo pela minha espinha e um tremor nervoso tomou conta do meu corpo.
Mikah parecia não ter notado nada, pois acabou de comer rapidamente e correu na minha direção.
– Espera aqui, quero te mostrar um desenho – ele disse dando um pulinho e saiu. Voltou poucos minutos depois com um bloco de folhas e um lápis bastante rústico e desigual.
Ele me mostrou um desenho de uma casa, uma casa ocidental comum. Aqueles desenhos típicos de criança. Mas havia um símbolo que me chamou muito a atenção. Talvez pela minha reação, pude notar que Saito me observava. Acima da casa, havia um desenho de um pentagrama malfeito de uma águia. Segurei a respiração.
– Esse aqui – Mikah apontou o pentagrama orgulhosamente – é o símbolo da minha família.
Eu me levantei em um salto e senti a cor sumir do meu rosto e, a atenção que haviam cansado de me dar, havia voltado à tona.
– O que... você disse? – eu gaguejei tentando não tremer.
– O da sua é o corvo, né? – ele tinha um sorriso imenso – Meu irmão falou que a sua é uma das famílias mais importantes de Himura.
Desviei o olhar, tentando respirar normalmente antes de falar. "Não a deixe sair", contava minha respiração para manter a calma.
– Me diz uma coisa Mikah, de que família você é? – perguntei torcendo para que minha suspeita estivesse errada, isso tinha que ser uma coincidência.
– Da família Saikhan, sou um nefilim de Himura igual você! – ele pareceu ainda mais animado – sabe, eles não acreditam que eu seja um nefilim, disseram para eu parar de inventar essas histórias.
– O que te faz pensar que eu seja de Himura, Mikah? E certamente, não é legal sair falando por aí que você é um nefilim.
– Eu sei que você é porque estamos falando na língua Gaélica, e só os nefilins de Himura falam essa língua além de algumas raras pessoas. Sabe, eu aprendi a diferenciar quando estamos falando outra língua. Minha mãe me ensinou durante muito tempo, ela me contou antes de morrer que esse é um dom muito raro. Por que não podemos falar que somos nefilins? – ele perguntou inocentemente e eu senti a tensão piorar.
Tentei ignorar todos os olhares voltados para nós e ele seguiu.
– Já sei quem você é! – ele explodiu em felicidades – Você é a princesa! Ah, meu irmão vai ficar tão feliz em te encontrar.
Levei a mão trêmula até a boca e senti minhas pernas falhando.
– Mikah, me diz uma coisa – Natsu, que agora estava sério, levemente agachado, em uma posição perfeita para levantar-se com rapidez se fosse necessário, falou – Você parece familiarizado com a língua que ela está falando, ela é do mesmo lugar que você?
– Claro! Eu particularmente nunca tinha visto ninguém da família dela, na verdade ela é a única sobrevivente pelo que dizem. Todos diziam que ela era uma das mulheres mais lindas do mundo e sabe, eles tinham razão! – ele falou – Ela é a princesa! Dizem que logo ela será rainha, mas poucos são autorizados a ver a aparência das rainhas, acho que sou sortudo – Mikah cochichou essa última frase.
Vi um sorriso malicioso surgindo no rosto de Tashiro.
– Princesa, não? – ele agarrou o cabo de sua espada, se levantou e apoiou o corpo na perna direita.
Tentei ignorar o fato de que eu estava encrencada com aquele pequeno comentário e preferi seguir minhas perguntas, precisava saber o máximo possível.
– Ei, Mikah, será que você pode me dizer como você veio parar aqui?
Ele novamente se virou para mim sorridente antes de responder.
– Passamos por um lugar cheio de monstros, também passamos por outro lugar que tinha vários prédios e aviões. Quando viemos até aqui eu me perdi do meu irmão e aí eles me acharam enquanto eu fugia do wendigo. Mas sabe, eles estão tentando encontrar meu irmão para mim.
Eu olhei em volta, poucos continuavam sentados e mesmo quem estava sentado estava atento a todos os meus movimentos.
Mikah finalmente pareceu notar a tensão que crescia, porque deixou de sorrir e se encolheu.
– Eu falei o que não podia, princesa? – vi seus olhos enchendo de lágrimas.
Abracei Mikah sentindo o coração acelerado e falei baixinho:
– Mikah, promete para mim que irá se cuidar e que aconteça o que acontecer, você pedirá a minha ajuda se estiver em perigo? Eu vou te proteger e você vai voltar logo para sua casa. Você me promete?
– Prometo – senti seu pequeno corpo tremendo e soube que o havia assustado, mas a situação dele era extremamente delicada no momento, afinal, a família dele era minha inimiga.
Senti as mãos adormecerem e notei que forçava os punhos, soltei os dedos devagar e fui em direção a porta, mas antes que pudesse chegar, a espada de Satoru ficou entre mim e a saída.
Me virei lentamente para todos. Isao havia pegado o desenho de Mika e o deixou virado para mim.
– Parece que você realmente não é daqui. Disso acho que ninguém mais tem dúvidas – sua voz continuava calma, mas de alguma maneira algo ameaçadora – Então diga, o que acabou de acontecer aqui?
O olhei e estreitei os olhos, eu continuava apertando o maxilar e já o sentia dolorido.
– Mesmo se eu contasse, nenhum de vocês acreditariam. De qualquer jeito, eu não posso dizer.
– Tanto você quanto o garoto nominaram o mostro que apareceu ontem – ele seguiu notando meu silêncio – Talvez esses monstros sejam comuns nas suas terras. Aparentemente você conhece a família do garoto. Por alguma estranha razão, a sua chegada aqui não é coincidência. Suponho que tenha algo a ver com os monstros, mas você não pode simplesmente dizer a verdade. Suponho que você e o garoto não deveriam ter se encontrado e que esse encontro poderá gerar problemas. Claro que isso tudo é uma suposição baseado nas suas reações.
Eu apertei os punhos. Ele estava certo, eu havia sido um livro aberto aquele tempo todo e esse homem era capaz de ler a reação das pessoas como ninguém mais seria.
– Suponho que você tem um propósito para estar aqui, algo que você teve o cuidado de não expor até agora, mas você acaba de encontrar um grande obstáculo no caminho e não quer colocar a criança em risco, por isso prometeu protegê-la. A surpresa e o medo em seu semblante ao ouvir algo que o garoto falava era algo palpável. Mas, tem algo que eu não consigo decifrar: Isso nos coloca em risco? Nosso povo está seguro? Deveríamos levar você perante a autoridade nacional ou podemos ver até onde isso nos leva?
Eu o olhei e o estudei, eu achava que eles podiam me matar a qualquer momento, mas eu não ganhava nada escondendo esse dado deles.
– Se, e apenas se, a família do garoto está envolvida nas aparições dos wendigos, vocês estão em um perigo na qual vocês nunca imaginaram – eu respondi mantendo fixos meus olhos no dele – Agora se, como o garoto disse, o irmão está por perto, nem toda a distância que você imaginar será o suficiente para se salvarem, a não ser que vocês escolham me deixar ir junto com o garoto, afinal, eles estão atrás de mim e não de vocês.
– O que a família dele tem a ver com você? – Isao seguiu suas perguntas.
– São meus inimigos. Farão de tudo para me terem, seja viva ou morta.
– Inimigos? – Mikah disse abraçando a perna da senhora Tanizake.
Eu o olhei com o semblante duro.
– O melhor Mikah, é que eles jamais me encontrem, mas se esse dia chegar, cumpra a sua promessa e fique a salvo.
– Acho que já dá para acabar com a brincadeira – ouvi alguém comentar com um pouco de nervosismo na voz, mas não vi quem era.
– Acreditem no que quiser – dei de ombros – Vocês podem até me matar agora, talvez vocês tenham alguma vantagem de tempo com isso, mas saibam que isso não vai tirá-los do perigo enquanto manterem o pequeno lorde por perto e se cogitarem a ideia de encostarem nele, eu que vou trazer o inferno até aqui.
Isao assobiou baixinho.
– Lorde? Suponho que depois de tudo isso, ainda existe muitas coisas ocultas na qual não temos conhecimento e que isso tudo pode nos causar uma grande confusão. Não queremos brigas entre nações.
O que ele diria se soubesse que uma briga entre nações seria algo pequeno se comparado com briga entre universos?
– Te matar não nos levaria a lugar nenhum, e talvez até piorasse a situação – Isao falou calmamente – Você seguirá como nossa prisioneira. Se tentar fugir, te matamos, se cumprir sua promessa, terá a nossa proteção até resolvermos toda a situação. Depois disso, não posso prometer mais nada.
Eu o olhei, estudando seu rosto que seguia sereno, como se tudo aquilo realmente não passasse de uma brincadeira. Me virei em uma última tentativa desesperada para Tanizake.
– Por favor, senhor. Reconsidere. Deixe-me seguir meu caminho, vocês não têm motivos para comprar essa briga.
– Isso está fora de questão agora. Esses monstros apareceram na nossa cidade, mataram as pessoas que deveríamos proteger e agora apareceu alguém que se diz princesa com um objetivo e uma briga oculta, eu estaria sendo um tolo se a deixasse ir agora – o senhor Tanizake disse dando um ponto final a minha súplica.
Novamente foi Saito quem me acompanhou até meu quarto, silencioso. Eu sabia que ele estudava cada movimento que eu fazia, eu teria que tomar muito cuidado com ele e Isao.
Era uma coincidência que Mikah estivesse aqui? Wendigos fora de seu universo era algo normal, mas será que a família Saikhan tinha algo a ver com os desaparecimentos das pessoas?
Incapaz de me manter quieta fui até a janela e vi Natsu e Saito conversando próximos dali, me encostei no batente apoiando a cabeça também. Se eu quisesse poderia fugir, ou tentar pelo menos. Mas para onde eu iria? Eu não queria admitir, mas estava de certa maneira aliviada por não estar sozinha.
Vi Yukio se aproximando.
– Yukio – eu o chamei, queria confirmar que ele sabia quem eu era. Algo na sua reação na noite anterior me fez ter essa certeza.
– Sim? – ele disse virando-se.
– Não tem como reconsiderar mesmo o meu pedido? – perguntei a ele com certa expectativa.
– Isso não depende de mim, senhorita – ele falou franzindo a testa – Era somente isso?
– Vem aqui um minuto – dei um sorriso travesso para esconder meu nervosismo.
Ele se aproximou com a mão na espada. Sem dúvidas ele não confiava em mim. Peguei-o pelo braço e o senti tenso enquanto eu o puxava para perto até quase me tocar. Coloquei a boca perto do seu ouvido, pude ver a expressão de surpresa de Saito e Natsu, que agora nos observava.
– Como nos conhece, Yukio?
– Não sei do que você está falando.
– Ah, qual é? Sei que você sabe o que eu sou.
– Se eu te respondesse, teria que te matar – pude ver um início de um sorriso se formando em seu rosto. Ele inclinou a cabeça e retomou o seu caminho.
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