24 - MAIO 1865 - parte 2
Parecia que a manhã havia chegado muito cedo. Suspirei, lavei o rosto com água fria e me dirigi para o salão.
Os capitães e vários outros homens já estavam lá.
– Bom dia – falei baixo e sem muita vontade.
Eles acenaram com a cabeça ou murmuraram saudações de retorno, mas seus rostos estavam sombrios após os eventos da noite.
Ouvia murmúrios sobre como a mulher do chefe havia morrido e de como Tanaka estava. Sem saber ao certo para quem me dirigir, fui ao encontro de Takashi, que tinha o semblante cansado e triste.
– Como está o Tanaka? – perguntei em voz baixa.
– O golpe o nocauteou, mas tirando alguns hematomas ele parece estar bem. Ele estará de volta ao trabalho em breve.
Quis dizer que eu não estava nem aí para o trabalho, que nesse momento isso não era importante, mas sabia que seria um desrespeito então guardei silêncio. Eu estava aliviada em saber que ele não havia se machucado seriamente enquanto me protegia, mesmo assim me sentia responsável por isso.
– Ele queria se desculpar com você – Takashi continuou com sua voz triste – Se desculpar por não ter feito um trabalho melhor.
– O que?! – falei um pouco indignada – Eu que deveria estar me desculpando com ele. Se eu não tivesse insistido em sair do meu quarto talvez nada disso tivesse acontecido.
Senti todo o peso dos meus mortos novamente e deixei os ombros caírem. A conversa da sala começou a diminuir e me virei para ver o senhor Tanizake entrando pela porta. Ele normalmente estava calmo e controlado, mas hoje seu rosto estava cansado, triste e ao mesmo tempo severo.
– Você já tem o rosto assustador o suficiente para começar, Tanizake. Agora você está simplesmente aterrorizante – Takashi disse dando um tapinha no ombro no amigo – Se precisar de algo, sabe que estarei aqui.
– Desculpa por isso – Tanizake falou baixo.
– Por que está se desculpando, homem? – Takashi disse levando-o até onde eu estava.
Tanizake me deu um sorriso tenso, mas depois olhou para baixo com seu semblante mais sombrio do que o de qualquer outro ali.
– Eu sinto muito – solucei a frase enquanto sentia a garganta apertar.
– Não sinta – ele falou baixo e sorriu tristemente – Ela era uma mulher incrível, assim como você. Não acho que ela se arrependa do que fez e por conta disso, não iremos deixar que a tristeza nos abata.
– Isso é minha culpa – sussurrei ainda sentindo aquele aperto.
– Não é verdade – Tanizake me abraçou fraternalmente – Você é a nossa menina, eu teria feito o mesmo por você.
Eu quis chorar, mas me segurei. Não seria conveniente chorar nos braços de quem tinha acabado de perder muito mais do que eu.
O senhor Tanizake foi passar uns dias com a família de sua esposa. Yukio, Natsu e Satoru o acompanharam.
Eu sentia o complexo vazio quando algum deles não estava por perto, mas tentei ao máximo me manter ocupada nesses dois últimos dias e tentava manter todo o trabalho que a senhora Tanizake fazia em ordem, mas tenho que admitir que não tivemos tempo suficiente para nos recuperar.
– Todos para o salão principal! – Tatsuo gritou – Rápido!
O salão estava barulhento apesar de não ter tantos homens assim por lá.
– Tashiro está descansando – Takashi falou para Tatsuo – Decidi deixá-lo em seu quarto, tudo bem?
– Sim, tudo bem – ele falou com uma seriedade nada típica dele – Tudo bem, não posso esperar mais. Nós iremos começar sem Saito.
Olhei em volta e não o via, senti o coração apertar.
– Aconteceu alguma coisa? – perguntei séria.
Tatsuo nunca ficava tão sério, o que significa que algo realmente grave havia acontecido.
– Você está me deixando nervoso, Tatsuo, o que aconteceu? – Takashi falou apressado.
– Nossos homens foram atacados por agmas em uma das patrulhas. Nossos homens estão em menor número, mas temos a vantagem em habilidade. Mesmo assim, não tenho certeza de quanto tempo eles serão capazes de conter uma força tão esmagadora...
– Então precisamos enviar reforços imediatamente – Takashi falou nervoso – Posso levar meus homens e...
Antes que ele pudesse terminar de falar, escutamos fortes ruídos vindo da parte da frente do complexo. Nos levantamos e em seguida houve um barulho de explosão do lado de fora. Trocamos olhares chocados antes que um soldado raso entrasse pela porta, com a angústia estampada em seu rosto.
– Estamos sob ataque!
Senti o frio percorrer a espinha e falei baixo para os dois capitães que estavam a minha frente.
– É um nefilim.
– Duvido que seja uma coincidência que estejam aqui logo agora que três de nossos capitães não estão – Takashi falou sério – Você pode nos dar mais detalhes, soldado? Há quantas pessoas atacando?
– Apenas um homem – o soldado falou um tanto envergonhado e se desculpou – Mas é um espadachim muito habilidoso.
– Kai – falei forçando a mandíbula.
Corri até a parte da frente do complexo junto com outros homens e parei repentinamente, congelada pela cena diante de nós. Em todos os lugares havia corpos e o ar estava denso com o fedor de sangue, tão forte que não faltava muito para me enlouquecer.
– Todos esses homens... – Tatsuo falou forçando o punho – Saikhan fez isso sozinho...?
– Esse são os homens que estavam patrulhando com Isao – Takashi falou forçando os olhos – Onde ele está?
Rodamos o olhar pelos lados e o encontramos lutando com Kai.
– Que patético – Kai falou com sua voz monótona – Morra como o cachorro que você é.
Um homem pulou para atacar Kai, mas caiu muito rápido com um gemido.
– Maldito! – Isao falou com a fúria visível em seus olhos.
– Você é melhor que essa imundície toda – Kai falou olhando os corpos caídos – mas ainda não é nada mais do que um pálido reflexo do verdadeiro poder.
Isao era o único homem de pé, o único que poderia começar a resistir um ataque de Kai, mas mesmo ele não era páreo.
Kai veio em nossa direção, deixando Isao furioso para trás. Ele chutou casualmente um dos homens jogados para longe e continuou sua caminhada lentamente.
Forcei o punho e antes que eu fizesse qualquer coisa, escutei Tatsuo falando ao meu lado.
– Não seja imprudente. Há diversas casas residenciais por perto. Fique atrás. Nós cuidaremos dele.
– Tenham cuidado homens – Takashi falou para seus homens – Kai é perigoso, não deem as costas para ele sob nenhuma hipótese.
Os homens acenaram com a cabeça um para o outro e correram para o ataque.
Eu não sabia por que Kai escolheu aquele momento para atacar. Talvez por pura diversão. Ele não parecia estar preocupado em me encontrar e nem tentou chegar próximo a mim. Mesmo que eu quisesse eu não poderia enfrentá-lo, havia muitas casas residenciais próxima assim como Tatsuo me lembrou. Eu era uma completa inútil ali.
Entrei com pressa. Não podia chamar Tashiro, ele havia piorado nesses últimos dias. Eu tinha que encontrar Saito, ele poderia ajudar. Corri quase sem enxergar e parei ao colidir com alguém. O homem que eu bati era um agma, e havia perdido a cabeça. Recuei quando uma voz gritou através da escuridão atrás de mim.
– Abaixe! – abaixei obedecendo a reconfortante voz de Saito.
Quando me virei, ele estava estudando o homem caído em sua frente. Ele apertava a boca deixando-a em uma linha fina.
– Outro que perdeu o controle, então? – sua voz era baixa e não passava emoção nenhuma.
– Saito – chamei com pressa, não havia tempo – Kai está aqui. Takashi e Tatsuo estão lutando com ele, há outros homens lá, mas...
– Entendi. Aonde? – ele não me deixou terminar.
Eu estava tremendo. Não estava com medo de Kai me levar. Meu medo era de perdê-los, tentei mover as pernas, mas elas não me obedeciam.
– Você não precisa se preocupar – Saito falou com a voz calma e fria – Enquanto eu tiver ordens para protegê-la, farei isso independente das circunstâncias.
Ele não entendia. Eu agradecia sua proteção e isso me alegrava, mas meu medo não era esse. Forcei o corpo para que ele me obedecesse e corri para o local da luta.
Saito era de poucas palavras e, quando falava, raramente era algo desnecessário, mas dedicou-se a me consolar. "Isso significa que ele... Não, hora errada para pensamentos errados", tentei espantar qualquer pensamento que me tirasse o foco do momento e segui até chegar na entrada.
Quando chegamos Kai ainda estava engajado em sua luta.
– Takashi, fique na posição – Tatsuo falou com cansaço na voz – Se um de nós for morto, a formação estará arruinada.
O suor brilhava na testa de Tatsuo e Takashi, seus peitos se elevavam conforme respiravam. Kai não parecia nada cansado, parecia um homem desfrutando de um passeio tranquilo.
Ele havia matado incontáveis homens, lutou contra Isao que estava caído e não sofreu nem um arranhão.
– Ambar – Takashi falou aliviado – Você trouxe Saito, que bom.
– Se alguém se machucar – Saito falou se preparando para a luta – Diga a eles para recuarem. Eu vou lidar com isso.
– Interessante – Kai disse passando a língua pelo lábio e fixando seus olhos em mim e Saito – Então vocês estão aqui.
– Sim – Saito respondeu franzindo a testa – Vim parar sua violência...
Saito agachou um pouco e sua mão alcançou a sua espada. Ele estava preparado para sua técnica IAI. Mas, em vez de assumir uma postura própria, Kai olhou para Saito por um momento, então embainhou sua própria espada e lentamente recuou.
– Você está correndo? – pude ouvir, ainda que de leve, uma certa irritação na voz de Saito.
– Estava aqui apenas para me divertir um pouco e para testar alguns agmas, mas foram todos inúteis, como podem ver – Kai respondeu com um sorriso irônico – nunca tive a intenção de ficar muito tempo.
Seus olhos deslizaram para mim e ele sorriu.
– Lembre-se princesa, que este é o destino de todos eles – seu olhar frio pousou sobre os cadáveres – Mesmo em massa eles não podem derrotar nem um único nefilim. Eles são criaturas patéticas, destinadas a morrerem como cães. Você realmente deseja viver cercada por essa sujeira? Melhor você vir comigo.
– Você diz que estou no meio da sujeira, não? Mas sabe, seria patético sair da sujeira para entrar no esgoto, Kai – falei com os olhos apertados.
Kai mostrou os dentes em um sorriso diabólico e em um piscar de olhos agarrou a espada de um dos soldados que estavam caídos e atravessou Tatsuo.
– Não! – gritei, mas ele já havia sumido.
Tentei correr para onde Tatsuo estava, mas Saito me segurou.
– Ele está vivo... – Saito falou olhando para o amigo caído no chão.
Tatsuo foi socorrido e levado para dentro do complexo.
– Você está bem? – Saito me perguntou.
– Estou... estou bem porque você me protegeu – falei soltando a frase sem pensar duas vezes.
– Que bom – Saito deu um pequeno sorriso triste antes de começar a entrar para ver seu amigo.
Eu não podia evitar a carnificina de Kai, mas uma parte minha estava um pouco aliviada por conseguir dar a Saito um pequeno sorriso.
– Saito – Takashi disse chegando próximo a nós – alguns agmas invadiram o prédio.
– Entendo – Saito falou pensativo – quais os danos.
– Não muitos – Takashi falou tranquilamente – foram todos mortos.
– Por quem? Não há ninguém capaz de lutar dentro do complexo.
– Por Tashiro. Encontraram o chão dele coberto de sangue e diversos homens mortos.
– Mas ele não estava bem para lutar – falei sentindo uma sensação amarga na boca.
– Ele está caído em sua cama, os homens não sabem o que fazer. Nunca lidamos com algo assim antes.
– Chame o Rael em seus aposentos – falei firme – Ele não sai do quarto quando tem alguma comoção no local. Ele com certeza está lá.... Maldita divindade inútil...
– Farei isso – Takashi disse entrando com rapidez no complexo.
Tatsuo não iria aguentar a ferida, havia perfurado alguns órgãos e eventualmente morreria.
– Ambar – ele me chamou com a voz fraca – Me deixa usar o sangue.
Senti o corpo tensionar.
– Tatsuo, eu... – eu não queria perdê-lo, mas não queria vê-lo passar por isso também.
– Por favor – sua voz estava fraca – me deixa seguir lutando por você e pelos meus companheiros.
Segurei as lágrimas.
– Essa decisão precisa ser sua – falei baixo.
– Eu estou pronto para isso – ele falou com um sorriso fraco.
Peguei um dos frascos com o sangue do meu pai e apertei entre as mãos antes de levar até ele. Sua transformação foi muito mais rápida que a de Isao. Fiquei ao lado dele e pude ver suas feridas se curando rapidamente enquanto ele se contorcia de dor. Esperei ali no quarto dele e quando ele dormiu fui até o salão, só para descobrir que quase nenhum soldado havia sobrevivido na ronda também.
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