23 - MAIO 1865 - parte 1
– Eu deveria dormir – falei para mim mesma como se me repreender ajudasse a conciliar o sono, mas minha mente estava bem acordada. Eu não iria adormecer tão cedo.
Já fazia muito tempo que eu não conseguia dormir bem, aquilo já não era novidade para mim. Eu precisava dormir logo, ou dormiria demais pela manhã e isso seria constrangedor, já que todos ali levantavam muito cedo. Quando forcei meus olhos a fecharem pela milésima vez, ouvi alguém se aproximar da minha porta.
– Você está acordada? – Yukio perguntou firme.
– Sim, pode entrar – falei me sentando – Aconteceu alguma coisa?
– Você tem uma visita – ele respondeu tranquilamente – Apresse-se.
Ele me esperou na porta do quarto enquanto eu colocava uma roupa um pouco mais decente e me arrastei até o salão atrás dele.
Todos os capitães estavam lá. Olhei estranhada para toda aquela comoção.
– Olá, Ambar – escutei a voz animada de Selina que veio me abraçar – Como você está?
– Selina? – a afastei com cuidado do abraço e a olhei realmente surpresa por vê-la ali – O que você está fazendo aqui?
Me virei e levantei uma sobrancelha ao notar uma bela mulher vestida de ninja ao seu lado. Reconheci-a, mesmo com um traje totalmente diferente. Era Keiko, a mesma que me passou a mensagem no bordel. Selina percebeu minha expressão e se apressou em explicar.
– Oh, sim. Ela está comigo – ela falou em tom de desculpas – Minha guarda-costas, pode-se dizer.
– Escolta, Selina? – falei cruzando os braços – Sério?
Ela deu de ombros. Os capitães ficaram em silêncio, satisfeitos em simplesmente observar nossa conversa.
– Eu vim para te levar, princesa – ela falou sorrindo.
Isso não estava na pequena lista que eu comecei a compilar de motivos pelas quais Selina havia me procurado. Olhei ao redor da sala e notei que ninguém mais ali esperava por isso.
– Desculpa... acho que não entendi direito – falei estranhada.
– Não, o que você não entende é a situação delicada em que você está. Você confia em mim, certo? – ela falou ainda sorrindo.
– Não há tempo – Keiko falou ao lado de Selina – Devemos partir imediatamente. Vamos logo, princesa.
– Não me interprete mal, Selina – falei com um tom de irritação na voz – mas por que eu deveria ir com você?
– Sim – Natsu falou interferindo – essa é uma pergunta muito boa. Você acabou de entrar aqui pedindo para vê-la e agora quer tirá-la de nós? Acho que é hora de você nos contar o que diabos está acontecendo aqui.
Eu olhei friamente para Selina. Eu não tinha nada contra ela, mas pedir para confiar as cegas em uma pessoa que eu não via há anos era pedir muito. Eu não deixava meus olhos desviarem nem por um segundo dos seus.
– ... Sim – ela falou se dando por vencida – suponho que você tenha razão. Muito bem.
Ela olhou ao redor da sala antes de continuar.
– Ouvi dizer que vocês cruzaram espadas contra a família Saikhan uma ou duas vezes – ela falou.
– Como você sabe disso? – Yukio perguntou severamente.
– Ah, eu ouço muitas coisas que acontecem por aqui. Coloco ouvidos em todos os lugares – ela falou em tom de desculpas – Mas você está ciente de que ele está perseguindo sua amiga aqui, certo?
– Sim, mas de qualquer jeito, ele é um inimigo em comum para nós.
Selina fixou-me com o olhar.
– Independente disso – Isao falou – devemos considerar isso. Eles demonstraram várias vezes que têm força e habilidade além de qualquer um aqui.
– Acho que você sabe bem disso não é, Isao? – Tashiro disse com uma pequena risada.
O clima estava desconfortável, e o comentário de Tashiro apenas aumentou a sensação. Não achei que Tashiro quisesse ofender com os seus comentários, mas realmente foi fora de hora.
– Eu venho de uma família que serve a família Krasa há gerações também – Keiko disse reverenciando, mas algo em seu tom não me agradou – venho da família Ortiz senhora e tenho que dizer que concordo com a Selina, você deveria vir com a gente.
– Já vejo – falei sem nenhum tom de surpresa – soldados nobres.
– Eu me perguntei por que você estava sendo tão amigável – Yukio falou sem mostrar surpresa também – Você estava na verdade coletando informações.
– Eu não tenho ideia do que você quer dizer – ela disse com a voz sedutora e um sorriso o mais próximo da inocência que ela conseguiu.
– Você a conhece? – Natsu perguntou para Yukio
– Natsu, observe com mais atenção – falei suspirando – Esta é a Keiko... ela está apenas vestida... de uma forma um pouco diferente de quando a encontramos em Yokubō; ela é a oiran.
– Quê? – ele arregalou os olhos quase caindo pelo choque.
Ela retribuiu com um sorriso tão idêntico ao que oferecera a Yukio. Contudo, Natsu começou a se aproximar dela, exibindo um ar... distinto, por assim dizer. Desembainhei a espada de Yukio antes que ele pudesse reagir e apontei a lâmina para o pescoço da moça, que manteve o mesmo sorriso ao me fitar.
– Ouse encostar em um deles – falei com os olhos fixos nela, molhei a boca com a língua e sorri – e eu garantirei que você se arrependa pelo resto da sua miserável vida e vale lembrar que ela é bem longa. Você irá desejar todos os dias uma morte que não chegará.
Natsu pareceu acordar do transe, ela fez um biquinho mas minha expressão não mudou.
– Chega disso, Keiko. Ambar, o ar pesou aqui, é melhor se controlar. Tenho entendido que estamos em uma zona residencial – Selina disse suspirando. Keiko deu de ombros e retornou ao seu lugar. Eu baixei a espada, mas decidi mantê-la por perto – Ambar, ouça-me atentamente. Eu sinto um poder imenso emanando de você, sei o quanto é difícil e doloroso esconder tamanha quantidade de ruah e entendo que, se o soltar, muitos aqui perecerão, por isso você contém seu poder e permanece enfraquecida.
O significado de suas palavras impôs um silêncio glacial na sala. Ela estava certa, mas eu não tinha escolhido estar ali desde o início e não os deixaria à mercê do destino agora. Kai deixou claro que os atacaria, mesmo que eu fosse embora.
– Ele deseja o sangue de Erebus – ela falou seriamente – o sangue que corre em você e precisa que você o dê com a intenção de transformação.
– Talvez você queira nos explicar, Ambar – Yukio falou em tom de quem pede algo. Sua voz não era arrogante e eu soube que a decisão era minha.
– Eu mantenho meus poderes ocultos – falei para que todos ouvissem – Ruah é o nome que damos ao poder que temos em nosso espírito. Todos nós temos, inclusive vocês, mas alguns são tão fortes que podem fazer com que outros seres sofram ou até morram. Eu liberei uma quantidade razoável de ruah na minha luta contra Saito e vocês aguentaram, meu irmão explicou isso quando disse que eu não poderia lutar, pessoas comuns não aguentariam.
– Aquilo que sentimos... – Satoru estava tentando encontrar as palavras – bem, no dia de Mikah...
– Sim – respondi mantendo o tom de voz – o que vocês sentiram foi a liberação repentina de ruah, naquele caso, um ruah mais perigoso que um liberado normalmente, já que ele foi liberado através da raiva, mas mesmo naquele dia, uma parte minha seguia sã e conseguia reter a maior parte.
– Lembro da sensação esmagadora até agora – Tashiro falou em um arrepio.
– Sangue com intenção – segui – é como chamamos o sangue que oferecemos na intenção de transformar alguém. Ou seja, não basta que alguém roube o meu sangue, isso não transformaria ninguém. Eu tenho que colocar minha intenção de transformar a pessoa no sangue que ela bebe para que funcione.
– A questão – Selina seguiu – É que ele deseja o poder de Erebus. Ele tinha certeza de que você salvaria o seu pai e por isso o levou e o transformou. Devo admitir que foi uma surpresa para muitos que você não tenha ido... Ele não te quer morta, você não servirá morta, mas isso não se aplica a outras pessoas. Você sabe que ele está se divertindo com todo esse jogo.
Forcei os punhos ao redor da espada, não porque eu fosse atacar alguém, mas pela simples menção de um ocorrido que me remoía a alma. Selina seguiu:
– Ele retornará para te buscar. Está formando um exército de agmas e planeja atacar esta cidade. Infelizmente, ele não cessará, mesmo se você o acompanhar. A cidade está condenada; por favor, princesa, protegê-la é meu dever – ela se virou para todos – Até o momento, ele se divertiu com vocês, mas não consigo prever por quanto tempo isso continuará. Se ele empregar todas as suas habilidades formidáveis nessa empreitada, duvido que consigam defendê-la. Por mais incríveis que sejam como humanos, não têm como resistir ao poder verdadeiro de um nefilim de sua classe.
– Ei, senhorita – Natsu chamou a atenção dela – Você não acha que isso já está indo longe demais?
– Natsu está certo – Satoru falou claramente incomodado – Você não está nos dando crédito suficiente.
– A única razão pela qual você ainda está vivo – Selina falou irritada – é porque Saikhan e seus companheiros não voltaram todas as suas forças contra vocês.
– Então deixe-os usar – Isao falou com um sorriso maldoso no rosto – Eu gostaria muito de ver o poder verdadeiro de um nefilim.
– Isso não é brincadeira, Isao – o repreendi
Suspirei e coloquei a mão livre na cintura. Kai já havia demonstrado uma força incrível e eu sabia que não era nem metade do que ele tinha e apenas com aquela pequena demonstração os capitães foram facilmente postos de lado.
– Deixe-me ser claro, senhora – Yukio disse em seu tom solene – Nós somos os Koasenshi. Não vamos nos mijar por causa de dois ou três nefilins.
– Verdade – Tashiro complementou – Além disso, temos o próprio Demônio no comando, não é?
– Sempre tem que ter a última palavra, não é? – Yukio disse colocando uma de suas mãos no quadril.
– Eu entendo como você se sente, mas você deve perceber que esses homens são diferentes de qualquer outro inimigo que vocês já enfrentaram antes – Selina tinha a voz um pouco mais baixa – É por isso que devo pedir que deixe Ambar conosco, sob nossos cuidados, as chances de sobrevivência dela serão muito maiores.
– Ei, nos dê uma chance certo? – Natsu não se conformava com aquilo tudo – Você está tentando dizer que não podemos protegê-la?
– Além disso – disse Satoru com indignação na voz – o que você quer dizer com 'chances'? Se não pode assegurar a segurança dela, não entendo por que deveríamos confiá-la a você.
Olhei para Saito e Tatsuo que estavam completamente mudos desde o início de tudo. Saito me olhava fixamente sem demonstrar qualquer sentimento que fosse, Tatsuo parecia um tanto abatido. A maioria já havia deixado claro que não estavam interessados na oferta de Selina. Eu não podia negar a sensação calorosa de fazer parte de uma família que não queria me deixar ir.
– E você, Yukio? – Keiko perguntou em tom provocativo – Você conhece a força de Kai. Certamente você deve pelo menos considerar a nossa oferta de deixar a princesa com a gente.
– Isso é diferente – Yukio disse com sua voz arrogante, fazendo o sorriso de Keiko congelar – Não sei a força do inimigo, mas isso não altera o fato de que a protegeremos em nome dos Koasenshi. Além disso, você também é um nefilim, por que deveríamos confiar em você?
– Você sabe com quem está falando, humano inferior? – Keiko rosnou, mostrando os dentes – Somos descendentes de puro sangue...
– Esse é o último aviso – deixei novamente a ponta da espada em seu pescoço com a raiva transparecendo na voz, vi um pequeno fio de sangue escorrendo pelo pequeno corte que eu acabei fazendo – Puro sangue para mim é raça de cavalo. Não se esqueça que sua rainha é mestiça.
– Você é filha de Erebus – ela disse também com raiva – Tem o sangue nobre.
– Não estou falando de mim. Nossa rainha Ceci é mestiça, ou já esqueceu disso? – sorri nervosamente, mas não tirei a espada de seu pescoço.
– Keiko – Selina falou em um tom calmo e amigável, mas não deixava espaço para argumentos – Já basta. E espero não escutar algo assim novamente.
– Acho que a maioria daqui está de acordo – Yukio disse se posicionando – Ela deveria ficar aqui.
– E vocês dois? – Selina perguntou olhando para Tatsuo e Saito.
– Independente do que decidam, irei aceitar o que meus superiores decidirem – Saito falou vagamente.
– Ah – Tatsuo disse com uma pontada de incerteza na voz – Vocês estão tratando-a como se fosse um objeto, sem voz ou autonomia para decidir. Creio que devemos deixar essa escolha a ela. Se ela optar por ficar, a defenderei com minha própria vida se preciso; e se ela decidir partir, minha admiração por ela permanecerá inalterada.
Keiko olhou feio para Tatsuo mas não falou nada.
– Entendo – Selina disse soltando o ar – Isso é um problema. Então, não há como te convencer do contrário princesa?
O senhor Tanizake permaneceu calado durante a maior parte da discussão, de braços cruzados e com uma expressão pensativa, mas acabou por intervir.
– Ambar, o que você tem a dizer sobre isso?
– Eu... – gaguejei na hora, não pela dúvida do que eu queria, mas pela dúvida do que eu deveria.
– Entendo – ele falou com um pequeno sorriso – Deve ser difícil discutir algo assim em público. Sugiro que você e a senhorita Selina falem a sós.
– Mas, que inferno Tanizake – Yukio pareceu chocado com a sugestão.
Yukio não foi o único a objetar, a maior parte da sala chegou mais próximo a ele em protesto.
– Deve haver pelo menos uma testemunha – Isao falou em um rosnado – Selina estará com Keiko também, é claro.
– Não, isso não é necessário – o senhor Tanizake falou e passou seu olhar pela sala – As moças têm se mostrado razoáveis e a única que apontou uma espada até agora foi Ambar, mas confio de que nenhuma delas fará nada estúpido. Estou certo, Ambar?
– Claro – falei lhe devolvendo o sorriso que ele me deu – Eu jamais trairia nenhum de vocês.
– Bem – Tashiro disse se dando por vencido e suas palavras falaram por todos os outros – Se o senhor Tanizake diz...
Eles podiam não gostar da decisão, mas o senhor Tanizake seguia sendo o chefe.
– Você não vai roubá-la quando vocês duas estiverem sozinhas, vai? – Isao perguntou estreitando os olhos.
– Você não precisa se preocupar – Selina respondeu com um sorriso – Ela é a princesa, não sou como Saikhan, minha obediência sempre foi e sempre será da família Krasa.
– Vou ficar bem – falei para tranquilizá-lo também – Selina não é uma pessoa má.
– Ora – Selina alargou seu sorriso e se curvou em uma reverencia – Muito obrigada, princesa.
Alguns momentos depois e estávamos sozinhas no meu quarto.
– Eu sei que dei uma quantidade terrível de coisas para você pensar esta noite – ela começou – e eu sinto muitíssimo.
Quando ficamos a sós, ela se tornou menos formal e essa era a Selina que eu conhecia.
– Tudo bem – respondi tranquilizando-a – eu teria que pensar nisso tudo mais cedo ou mais tarde. E sinto muito se a maneira como eles falaram afetaram você.
– Isso era de se esperar. Cheguei com um pedido assustadoramente grande e repentinamente. Poucos humanos aceitam a existência de outros seres tão rápido.
– Eles já estão há algum tempo digerindo essa informação – respondi dando de ombros.
– Ambar, o que você acha da minha proposta? Já pensou nisso? Eles parecem acreditar que podem te proteger. Embora eu não duvide de sua dedicação, confesso que duvido da capacidade deles.
– Entendo, mas por favor, Selina, você os subestima. Sei que resistir aos nefilins não é uma façanha fácil. Eles são poderosos e habilidosos. Eu os vi enfrentar probabilidades esmagadoras e sair delas vitoriosos. Sei que foram probabilidades humanas e a força de um único nefilin é algo grande e terrível para um ser humano. Eles viram isso em primeira mão, e infelizmente alguns até perderam as vidas devido a essa força. Até mesmo os capitães quase caíram diante de Kai...
– Então você virá conosco? – ela perguntou, visivelmente mais animada. – É perigoso ficar aqui...
– Selina – a interrompi – Obrigada por vir, mas eu vou ficar aqui.
– Existe uma razão pela qual você deseja ficar? – ela perguntou ficando séria, mas sem deixar seu tom caloroso.
– Existe sim...
– Oh – ela sorriu e fechou um pouco os olhos – Um desses cavalheiros, talvez?
– O... o quê? – gaguejei, corando – Não... não é isso... ah... Saikhan disse que não os deixaria, você mesma falou que a cidade estava condenada e eu não posso simplesmente deixá-los para morrer sozinhos – disse apressadamente, tropeçando nas palavras.
– Entendo – ela riu baixinho – Bem, eu não vou perguntar quem, mas eu certamente posso entender o seu dilema. Sendo esse o caso, eu não poderia dizer para você ir embora.
– É... não... espera – eu me peguei gaguejando de novo.
– Não se preocupe, Ambar. Voltemos, sim?
Eu acenei com a cabeça sem conseguir dizer nada.
– Obrigada por esperarem – ela voltou para a sala com seu sorriso radiante.
Todos estavam exatamente nos mesmos lugares em que havíamos deixado, e todas as cabeças giraram para olhar para mim e Selina quando entramos. Não parecia que eles haviam tentado se matar na nossa ausência, o que foi um alívio.
– Você já tomou uma decisão? – o senhor Tanizake perguntou sorrindo e antes que eu pudesse falar, Selina deu um passo à frente.
– Depois de alguma discussão, decidimos deixar as coisas como estão.
Ela curvou-se para todos os capitães.
– Tem certeza, alteza? – Keiko parecia angustiada ao me perguntar isso.
– Keiko – Selina continuou, sorrindo – Por ora, considero extremamente importante dar prioridade aos desejos da princesa.
– Muito bem – o senhor Tanizake disse com um sorriso triunfante – Nós aceitamos a responsabilidade por seu bem-estar.
Assim que as palavras saíram de sua boca, todos os capitães, com exceção de Saito que me sorriu a distância e Isao que ficou em seu canto pensativo, correram em minha direção.
– Apenas relaxe e deixe tudo comigo – Natsu falou com um sorriso encantador.
– Tenho certeza de que Natsu te dará todo o tipo de coisas para se preocupar – Satoru disse também sorrindo – Ainda assim, estou feliz por ter você por perto.
– Você é estranha – Tashiro disse sorrindo e dando de ombros – Que tipo de garota gostaria de ficar aqui?
– Ei – Tatsuo falou agora mais animado – Nós somos legais. Deixa que eu te protejo, Ambar.
– Isso não faz de você algum tipo de convidada especial – Yukio disse com a voz aliviada – Você receberá o mesmo tratamento de sempre.
– Certo – minha felicidade pela recepção era clara – Obrigada a todos vocês, por me deixarem ficar.
Selina pegou minhas mãos nas dela e deixou seus olhos pousarem nos meus.
– Tenha cuidado. E lembre-se, estou do seu lado.
– Obrigada, Selina.
Selina me deu um último sorriso caloroso, e então elas se foram.
Retornei ao meu quarto, mas o sono insistia em não chegar. Minha mente trabalhava furiosamente, repassando cada palavra que Selina dissera, analisando-as sob todas as perspectivas. Eu optei por ficar, mas será que tinha feito a escolha certa? Será que deveria ter partido? Talvez Kai mudasse de ideia se eu partisse... não, ele não era de mudar tão facilmente, especialmente depois de encontrar algo que o divertia. Eu queria ficar, claro, naquele momento não me pareceu sensato partir, mas e se foi um erro? Essa não era uma questão simples de responder.
O fluxo implacável de pensamentos finalmente começou a diminuir quando ouvi barulhos vindo de fora. Rugidos e gritos de batalha, acompanhados pelo som de aço contra aço, ecoaram pela noite.
– Sinto muito por incomodá-la tão tarde – a voz de Tanaka vinha de trás de minha porta – Mas esta é uma emergência!
Não tive tempo de responder e a porta se abriu. Tanaka entrou e olhou por todo o quarto, seus olhos dispararam para frente e para trás nervosamente, e seu corpo estava tenso.
– O que aconteceu? – perguntei em um pulo já procurando a minha espada.
– Os nefilins nos atacaram – ele falou seriamente – eles estão aqui.
– O quê?!
Tentei passar rapidamente pela porta, mas ele estendeu o braço para me impedir e seus olhos encontraram os meus.
– Eles estão atrás de você – ele falou sem me deixar passar – o que significa que você precisa ficar aqui.
Eu era a razão de eles terem vindo. Como eu poderia ficar sentada enquanto outros lutavam batalhas por mim?
– Eu tenho que ir – falei com firmeza enquanto tentava forçar minha passagem.
– Eu não posso deixar você fazer isso – ele me segurou com força.
– Esses demônios estão aqui por mim – falei desesperada – Se alguém se machucar... Não posso ficar aqui esperando que algo aconteça. Por favor, estou te implorando. Me solta!
A testa de Tanaka se franziu e sua boca se formou em uma linha tensa, mas por fim ele suspirou e balançou a cabeça.
– Está bem – ele se deu por vencido – Disseram-me para te proteger, então, se você vai, eu vou também!
Acenei e corremos para fora em direção ao som. Assim que chegamos à frente da casa, Tanaka voou pelo ar por vários metros, aterrissou com força no chão e permaneceu imóvel. Observei a cena com o coração batendo acelerado.
– Tanaka! – gritei e tentei correr na direção dele.
Ao dar os primeiros passos, parei, sentindo um arrepio na espinha. Girei para tentar desferir um golpe em Kai, mas ele se esquivou facilmente.
– Onde você pensa que está indo? – ele falou com a voz monótona e fria.
No mesmo instante em que ele falou, senti seu braço serpentear em volta do meu pescoço, puxando-me para ele enquanto com a outra mão, ele segurava a mão com que eu empunhava a espada.
Eu lutei, mas seu aperto era tão firme quanto o aço. Não poderia me libertar sem liberar minha manipulação.
– Me solta! – gritei.
– Hum. Que tipo de negócio você tem com aquele agma e seus outros vermes, hein?
Sua voz era como uma respiração fria em meu ouvido, e eu quase pude ouvir uma zombaria em seu tom.
– Não importa o quanto você dê a esses humanos, eles vão te trair. Você não vê a abominação que foi criada?
– Solte-a – a senhora Tanizake chegou segurando uma espada.
– Não! – eu gritei tentando fazê-la parar – Fuja daqui!
Mas foi tarde demais, ele forçou minha mão e usou a minha espada para estacá-la fazendo-a cair para frente em um baque surdo. Depois disso ele a perfurou outra vez pelas costas. Ela estava imóvel.
– Não! – senti as lágrimas brotando dos meus olhos – Para!
– O que você pode esperar ganhar com eles? – ele perguntou como se não tivesse feito nada – Vamos fazer o seguinte, fique em silêncio e talvez ninguém mais se machuque. Meu objetivo é você e não a morte de seus... hum, companheiros – ele falou a última palavra com um certo escárnio na voz.
Vi o corpo mole da senhora Tanizake ali caído e mordi meu lábio. Se eu resistisse, eles poderiam sofrer mais, então... tudo o que eu precisava fazer era ficar quieta para que eles ficassem seguros. Eu estremeci. Por enquanto, provavelmente era melhor eu ficar em silêncio.
Ele correu alguns passos comigo praticamente suspensa e parou de repente.
– Senti que se continuasse ocorrendo minhas pernas seriam cortadas do corpo – Kai falou com um pequeno riso olhando para um ponto escuro do complexo – Por que você não se mostra?
Depois de um momento, vi uma forma se mover nas sombras. Ele pisou para a frente na luz e pude ver o semblante calmo de Saito.
– Você vai me deixar passar? – Kai perguntou tranquilamente – Estou com pressa.
– Você atacou o quartel general e agora raptou alguém que estava sob nossa proteção. Infelizmente, não posso deixá-lo passar. E eu de alguma forma, duvido que ela esteja te acompanhando por vontade própria.
Os olhos frios de Saito se voltaram para mim. O que quer que ele estivesse pensando se perdeu ali, mas eu vi um vislumbre em algum lugar dentro de seus olhos que me deu coragem.
– Isso é verdade – Kai deu de ombros – Qual a sua intenção?
– Não está claro? – a voz de Saito continuou controlada – Isso!
A palavra final de Saito se tornou um grito repentino, e Saito se lançou em direção a Kai, sua espalda saltou de sua bainha e o impulso de sua carga levou a lâmina a um golpe lateral. Eu ouvi o silvo da espada passando a centímetros de meu ouvido.
– Você é rápido – ele falou assoviando – Uma pena que você seja apenas humano.
– Você pretende lutar enquanto a segura? – Saito falou sem tirar a mão de sua espada – Eu tive a impressão de que você queria tomá-la viva. Tome a sua decisão, a morte dela não significa nada para mim.
Ele atacou Kai, provavelmente para me resgatar, mas então alegou que não lhe dizia respeito se eu vivia ou morria. Eu sabia que sua declaração de desinteresse pela minha vida era mentira, mas e Kai? Ele arriscaria?
– Invadindo novamente o nosso quartel general, hein? – a voz conhecida de Yukio ecoou aos meus ouvidos – Vejo que tem coragem, mas essa diversão acaba agora, amigo.
– Ei, solte-a! – Satoru chegou gritando.
Não conseguia falar nada, estava com medo de descobrir que a senhora Tanizake havia morrido para me salvar e sentia que a voz me falharia se tentasse dizer algo. Olhei atrás de Yukio e Satoru e pude ver vários outros soldados e capitães. Alguns homens estavam faltando e não pude deixar de pensar no pior.
– Vocês, idiotas, não têm ideia do valor dela – Kai falou sorrindo atrás de mim – Ela é mais valiosa quando usada por alguém adequado.
– Se você gosta tanto dela – Satoru disse enojado – basta trazer flores e outras coisas como um cara normal. Isso que você está falando é simplesmente assustador.
Kai estava cercado, mas seu controle sobre mim não vacilou nem por um momento.
– Ela não vale nada para você como refém – Yukio disse friamente – Já sabemos que você não a quer morta.
– Não tenho intenção de usá-la como tal. Ela é meu objetivo aqui, não uma refém. O resto de vocês são simplesmente obstáculos – ele respondeu monotonamente.
Eu podia sentir a tensão aumentar, como uma corda sendo esticada. Em breve atingiria seu ponto de ruptura e arrebentaria. Kai me segurava com força e meus movimentos eram nulos. Talvez ele não tenha pensado que eu pudesse fazer algo ou que eu não me atreveria a usar minha manipulação com tantos soldados rasos por perto. Ou talvez ele pensasse que mesmo se eu fizesse, ele não teria dificuldades em lidar com o meu ataque. Eu não era tola o suficiente para pensar que poderia realmente vencê-lo suprimindo tanto a minha manipulação, mas pelo menos eu poderia abrir qualquer brecha para algum deles atacar. Respirei fundo, fechei os olhos e concentrei uma quantidade mínima de manipulação na mão livre, fiz uma pequena bola de fogo e o coloquei em seu braço que me segurava pelo pescoço. Senti a surpresa dele, mas ele nem mesmo se moveu com a queimadura. Senti ele forçar meu braço que estava com a espada até a minha mão oposta que seguia em seu braço, logo ele forçou meu pescoço para que eu não soltasse seu braço e de uma maneira desengonçada e rápida ele forçou a ponta da espada, senti a espada entrar pela lateral da minha mão com facilidade e gritei enquanto ele puxava de novo fazendo o sangue escorrer.
– Inútil. Você realmente achou que iria me ferir?
– Não, mas eu vou – a voz de Saito chegou repentinamente.
– O quê? – Kai respondeu, ainda mais surpreso do que antes.
Meu ataque o distraiu por apenas uma fração de segundos, mas foi todo o tempo que Saito precisava. No espaço de uma respiração, ele fechou a distância entre ele e meu captor, a ponta de sua lâmina saltando em direção a garganta de Kai. Quase rápido demais para ver, ele se inclinou para fora do caminho enquanto a lâmina de Saito sibilava no ar a centímetros de seu pescoço. Foi tempo suficiente para que eu me libertasse.
Senti um braço forte envolver meu corpo, me pegando e protegendo ao mesmo tempo.
– Você deveria ficar no seu quarto – Saito falou ainda enquanto apontava sua espada para Kai – você é uma verdadeira dor de cabeça.
– Sinto muito – falei baixo ao lembrar da senhora Tanizake. Se eu não tivesse saído, talvez ela estivesse viva ainda.
– Ainda assim, você fez bem – sua voz era baixa, mas não tinha raiva nela – Não teria conseguido essa abertura sem você. Bom trabalho.
– A garota é minha – a voz de Kai era quase um rosnado – Não vou entregá-la a um mero humano!
Kai se recuperou rapidamente do ataque e seus olhos arderam com fúria.
– Desculpe – Saito falou um pouco mais alto – Mas não posso entregá-la a você. Nós estamos responsáveis por ela agora, demos a nossa palavra. Não há como voltar na nossa promessa.
Eu senti seu aperto aumentar ao redor do meu corpo enquanto ele falava.
– Ambar, você sabe que é superior a eles, sim? – Kai falou sem indícios de que iria lutar – Então venha, junte-se a mim e aos seus.
– Eu jamais iria com você, Kai – minhas palavras saíram baixas, mas firmes.
– Você escolheria ficar com um simples humano, então? – ele fez uma careta de raiva.
– Que pena, Kai – Kyo apareceu repentinamente enquanto ria – Parece que você foi dispensado.
Atrás dos dois, observei que havia ainda mais homens preparados para a batalha, e à frente deles estava Isao.
– Aí está você – Isao falou sorrindo ironicamente – Eu serei seu oponente. Esta é uma excelente oportunidade para você testemunhar minha tremenda força.
– Parece que ele está pronto para lutar, Kai – Kiyoshi falou aparecendo repentinamente também – O que você fará?
– Então? – Kyo riu com diversão – Mesmo que tivessem um exército inteiro de tolos como esse, ainda assim não seriam adversários à nossa altura. Eu digo que devemos simplesmente destruí-los – seu sorriso tremulou sobre seus lábios de maneira predatória.
– Sim! – Isao riu freneticamente e disse ironicamente – Sim! Me mostre o quão superior você é!
– Isso é patético – Kai falou de repente parecendo se cansar – Não passa de uma farsa. O jogo ficou monótono. Vamos embora.
Sem mais deliberação, eles pularam o muro para a rua e se foram. Meu corpo cedeu de alívio quando a energia aterrorizada dos últimos minutos sumiu, mas durou apenas até o segundo seguinte quando olhei para onde a senhora Tanizake seguia caída. Me soltei rapidamente dos braços de Saito e ainda sentindo seu calor corri até onde ela estava.
– Não, não, não.... – eu falei aos soluços.
Yukio voltou para onde eu estava. Seu rosto era duro e frio, o rosto do comandante "demônio" que todos conheciam. Quando o calor de Saito deixou o meu corpo, estremeci com o ar da noite, mas não entrei. Segui segurando o corpo frágil da senhora Tanizake nos braços enquanto mantinha os olhos baixo em seu rosto.
– Ela estava me protegendo – falei baixo enquanto lágrimas caíam em seu rosto sem vida – É minha culpa.
– Levem ela de volta para o quarto – Yukio ordenou e eu senti Satoru e Saito me segurando pelo braço. Permiti que me guiassem sem oferecer resistência.
– Como está sua mão? – Saito perguntou na porta do meu quarto.
Observei minha mão, atravessada pelo furo da espada; eu tremia, porém, não havia dor. Rapidamente, ele buscou uma bandagem e água, limpou o ferimento e enfaixou minha mão.
– Por que você me protegeu daquele jeito? – minha voz era quase um sussurro.
– Não entenda mal, jurei protegê-la e irei fazer isso.
A expressão de Saito não era a que eu costumava ver. Em outra pessoa, eu poderia ter chamado de surpresa e com o rosto sereno ele disse antes de passar pela porta:
– Agora, você deve descansar.
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