22 - ABRIL 1865 - parte 2
Talvez para quebrar o clima tenso que estava no complexo, talvez porque fazia tempo que eles não se divertiam, vários dias depois desse encontro incômodo fomos todos comer em um lugar chamado Yokubō. Me vesti de homem, coloquei capuz e tirei a máscara apenas na hora de passar pela entrada por questões de regras do local. Alguns pareciam sentir um certo incômodo de levar uma mulher em um dos bordeis da cidade, incômodo que foi logo esquecido quando estávamos lá.
Chegamos a uma sala grande reservada apenas para nós e nos acomodamos em qualquer lugar.
– Que se dane! – Natsu gritou – Hoje eu vou festejar às custas de Satoru! Estou tão emocionado que acho que vou até chorar. Hoje é a noite do Satoru, pessoal! Bebam o quanto quiserem e esqueçam seus problemas!
– Ei – Satoru falou quase em um rosnado – Você ficou louco?
– Ah! Hoje eu vou beber até cair – Tatsuo falou também bastante animado.
– Nem todo mundo pode beber – Tashiro falou sem tirar o sorriso.
Senti uma pontada de culpa e tristeza por isso e resolvi internamente acompanhá-lo sem a bebida.
– Há mais o que fazer do que beber – Yukio disse tentando animar o amigo – Você sabe... comer, por exemplo.
– Sim – Tashiro respondeu sorrindo – Você está certo. Que se dane, hoje quem está pagando não sou eu mesmo. Então, por que não?
Não precisava ser um gênio para saber do que eles estavam falando, mas gostei da maneira camuflada em que foi dito.
A porta do outro lado da sala se abriu, revelando cinco belas garotas; entre elas, uma se destacava, provavelmente a "anfitriã" (Oiran), ou como quer que se chamem as cortesãs de alto escalão nesses estabelecimentos.
– Boa noite, senhores. Obrigada por terem vindo – ela falou com a voz melosa e animada ao mesmo tempo.
Ela usava um lindo quimono e mantinha um sorriso que era de alguma forma deslumbrante e recatado. Sua pele era branca como porcelana, com suaves reflexos vermelhos nas bochechas. Seus lábios pareciam macios e carnudos, e seu cabelo negro brilhava a luz. Até eu era capaz de ver a beleza oculta por trás de toda a maquiagem dela. Por um momento, olhei com admiração por sua beleza, mas então a característica sensação de que havia alguém mais além de seres humanos ali me despertou do pequeno transe. Ela me olhou e algo cintilou em seus olhos avermelhados, mas sumiu quase imediatamente e vi seu sorriso alargar.
– Meu nome é Keiko e irei entretê-los esta noite – ela seguiu com sua voz sedutora – Por favor, divirtam-se. A comida chegará em breve.
Quando a comida chegou, a festa de fato começou, mas eu não conseguia afastar a sensação que eu havia tido com a chegada das garotas.
– Cara – Tatsuo disse completamente bêbado já – Saquê caro é muito diferente! Ele desce tão suave!
– Você nem tocou na comida, Tatsuo – Natsu disse cutucando-o – Se você continuar bebendo com o estômago vazio, vai ficar mais bêbado antes mesmo de ter a chance de se divertir.
– Tanto faz – Tatsuo disse rindo – Você sabe quantas vezes eu consigo beber tão bem? Nunca! Me encher de comida seria apenas uma perda de espaço no estômago!
– Você parece um vagabundo – Satoru disse rindo – Vamos beber mais então.
– Calma – Tatsuo disse – Só porque você bebe como se houvesse um buraco no seu estômago não significa que o resto de nós consegue fazer o mesmo. A única que consegue bater seu recorde é a Ambar – Tatsuo apontou para mim e eu olhei para os lados para o caso de alguém ter ouvido.
– Verdade – Natsu disse rindo se voltando para mim – Está se divertindo? Não parece que você bebeu essa noite.
– Oh – forcei um sorriso – Hoje eu não vou beber. Estou apenas curtindo a comida.
– Então certifique-se de comer muito! – ele disse ainda sorrindo – Estamos aqui para nos divertir, então seria uma pena se você não se divertisse também.
– Obrigada – respondi sorrindo.
Keiko se aproximou e sussurrou algo no ouvido de Natsu, que sorriu feito bobo. Em seguida, ela veio em minha direção, com o rosto tão próximo que pude sentir seus lábios quase tocando os meus, eu estava sem reação. Importante ressaltar que eu estava sem máscara novamente, então a respiração dela era perceptível bem perto de mim. Parecendo querer provocar, ela deslizou a boca pela minha bochecha até alcançar meu ouvido e sussurrou.
– Ótimo disfarce, achei que tinha entrado na sala errada. Tenho um recado da Selina – ela rodou um de seus braços ao redor do meu pescoço e com a outra mão entre nós duas colocou um pequeno pedaço de papel dentro da parte da frente da minha roupa.
Com o coração batendo forte no peito, observei enquanto ela se afastava. Agarrei seu pulso com firmeza e a encarei com os olhos arregalados de surpresa. Todos presenciaram minha reação e ficaram momentaneamente atônitos com a cena, mas ela calmamente passou por cima disso.
– Algum problema, cavalheiro? – ela perguntou com sua voz suave.
Notando o que eu havia feito, sussurrei um pedido de desculpas e a soltei.
Keiko foi até Yukio e eles começaram a conversar enquanto ela se jogava em cima dele.
– Ouvi dizer que os Koasenshi eram como demônios ou monstros, mas você parece mais um ator de tão bonito que é – ela sussurrou em seu ouvido.
– ... obrigado – ele sussurrou também parecendo gostar do que tinha ouvido.
Keiko servia saquê para ele sempre que precisava, era um belo casal para ser sincera. Não sentia nenhuma hostilidade vindo dela e a curiosidade de abrir o papel era grande.
Olhei ao redor da sala e senti um vazio crescer dentro de mim ao ver que uma das moças falava algo para Saito em seu ouvido, notei quando ela aproximou seu corpo para provocá-lo e tremi quando ela levou sua boca para perto da boca dele. O ciúme pareceu me corroer por dentro e me forcei a desviar o olhar.
Satoru seguia me olhando, seu semblante havia ficado sério e ele estava silencioso. Ele ficou assim por um ou dois minutos antes de perguntar:
– Ambar, você tem saído durante a noite? – a pergunta me pegou desprevenida.
– Não, por quê? – perguntei me sentindo estranha – Não saio do complexo a noite, na verdade, eu não saio do complexo desacompanhada nem mesmo durante o dia.
Era verdade, eu não queria cair em outra emboscada e por tanto, preferia sempre ter alguém perto. Alguém que para variar, fosse bom em lutas de espada.
– Você tem certeza? – ele perguntou apertando os olhos – Não saiu em nenhuma dessas noites?
– Tenho certeza – disse com o coração apertando. Ele não parecia estar duvidando de mim, mas havia uma certa confusão em seu olhar que eu não conseguia identificar.
Ele ficou em silêncio novamente com o mesmo rosto sombrio e pensativo de antes.
– Ei – Natsu o chamou – O que há de errado?
Satoru não ergueu os olhos para falar. Sua voz estava baixa.
– Talvez tenha sido um engano, as noites têm sido muitos escuras... Não... não é engano, eu a vi de perto. Não teria como eu errar.
– Satoru, do que você está falando? – perguntei confusa.
Ele levantou os olhos e olhou diretamente nos meus.
– Uma mulher que se parece muito com você – ele começou – matou um senhor em um dos becos, a encontrei coberta de sangue em cima do corpo. Ela deixou que eu chegasse perto e sorriu antes de correr.
– Entendo – falei suspirando.
A sala inteira ficou em silêncio. Satoru mal havia falado acima de um sussurro, mas cada um deles podia ouvir com perfeição. Uma garota que se parecia comigo. Não tinha como eu estar errada.
– Bem – Natsu exclamou de maneira animada para cortar o clima pesado – Merda... essas coisas acontecem. Só que essa noite temos que aproveitar, vamos beber até o sol nascer!
– Isso aí! – Tatsuo gritou – É hora de descobrir quanto dessas coisas eu posso aguentar!
Em apenas alguns minutos Natsu e Tatsuo trouxeram a festa novamente a todo vapor, mas eu não conseguia tirar duas coisas da cabeça: o bilhete e o transmorfo. Para ser sincera eu não sabia como me sentir com essa nova informação. O transmorfo estava trabalhando para Kai, então teria sentido ele usar a minha aparência para buscar novas vítimas. Muitas pessoas já haviam desaparecido desde a chegada dele.
– Você está preocupada com o que Satoru disse? – Tashiro me tirou do transe e se sentou ao meu lado.
– Para ser sincera, sim – respondi baixo
– Talvez você tenha sido possuída e não se lembre de nada – ele brincou e riu – sempre que você dorme, esse espírito traiçoeiro toma o seu corpo e você vagueia pelas ruas buscando sua próxima vítima em potencial.
– Talvez – eu dei de ombros entrando na brincadeira – Meu corpo normalmente fica vazio durante a noite, já que eu saio como espírito para possuir algum de vocês.
– Você sabe mesmo como deixar as coisas mais assustadoras. Imagino você no corpo de Yukio, sua voz segue a mesma ou você falaria com a voz dele? – ele explodiu em gargalhada – Depois me fala qual a sensação de me possuir, ok? Só não faça nada estranho com o meu corpo.
Eu sorri para ele e ele continuou rindo ainda mais alto.
– Agora, sério – ele disse enxugando uma pequena lágrima no canto do olho – Não precisei pensar muito após o que Satoru disse. Você acha que é ela?
– Sim – respondi ficando séria novamente – Acho que sim.
– O que ela é? – ele perguntou olhando para os rapazes que se divertiam à vontade.
– Um transmorfo – falei apertando os punhos ao me lembrar do que ela havia feito com Tashiro – eles conseguem copiar com perfeição as feições de qualquer ser vivo.
– Ou seja, você poderia ser um transmorfo sem que soubéssemos.
– Essa parecia ser a ideia inicial de Kai – minha mente já não estava ali e minha raiva crescia dentro de mim – Talvez tenha mudado de ideia. Ele é sádico, sofrimento causa diversão para ele. Para a minha tristeza, ele gostou de vocês.
– E como descobriríamos um desses? Quero dizer, se algum dia um deles aparecer, como saberemos?
– Não tenho uma resposta específica para essa pergunta, mas se for alguém que você conhece, basta perguntar coisas pessoais. Eles roubam a aparência e não a memória. De qualquer jeito, não há como saber ao certo do que um transmorfo é capaz. Cada um deles é um ser extremamente único.
– Não preciso saber o que ele quer ou não. Se eu o encontrar, o matarei – ele falou com sua voz calorosa, mas afiada.
Ficamos ali por um momento até que eu finalmente me levantei, sorri para ele e pedi licença.
– Preciso ham..., de um pouco de ar – falei sem conseguir uma desculpa apropriada.
Ficar ali estava me tirando do sério. O recado seguia na minha roupa. O transmorfo seguia com a minha aparência e as mulheres seguiam divertindo os rapazes, incluindo Saito.
O ambiente externo do local era bastante acolhedor, com uma iluminação suave e, surpreendentemente, algumas almofadas dispostas para quem quisesse relaxar ali mesmo.
Fui para um canto, me sentei sobre os calcanhares e abri o bilhete "Sinto muito pelo seu pai, tentamos salvá-lo, mas já era tarde, ele está sem total controle". Senti os olhos encherem de água. Eu já esperava por aquilo, mas ter a certeza de que eu não o havia ajudado era um sofrimento muito grande. Amassei o papel com as duas mãos e fiquei olhando fixamente para lugar nenhum.
– Aí está você – escutei a voz de Yukio se aproximando – Estava me perguntando para onde você tinha ido. Algo errado? A comida não está boa?
– A comida está maravilhosa – disse com um sorriso um pouco torto e vi que Saito também se aproximava – É... outra coisa.
Apertei com mais força o papel e tentei a todo custo não chorar.
– Está preocupada com a garota que Satoru viu – ele não perguntou, ele afirmou aquilo – Sim, mas ainda há mais coisas.
Saito se encostou e ficou me olhando sem dizer uma única palavra. Eu era pelo visto, um livro aberto ali.
– Não se preocupe em relação a garota – Yukio seguiu tentando me animar – Qualquer um que mexa com a gente, incluindo você, eu vou garantir que pague de um jeito ou outro.
Quando a máscara de "homem sem coração" de Yukio havia caído? Eu realmente não conseguia me lembrar, mas conseguia sentir uma certa bondade por trás do que ele falava.
Yukio e Saito se sentaram ao meu lado, um de cada lado e sem conseguir mais segurar as lágrimas, eu chorei, chorei por meu pai perdido, pela sentença de morte lenta de Tashiro, chorei porque me sentia incapaz de fazer algo e chorei porque eu me sentia culpada por tudo aquilo e ainda chorando eu afrouxei as mãos. Saito pegou o bilhete e leu, não estava assinado, mas ele não perguntou de quem era, ele apenas aproximou o papel em um pequeno fogo ali próximo e esperou que se queimasse por inteiro. Os dois, pacientemente ficaram ao meu lado até que as lágrimas deixassem de cair. Eu podia ouvir o barulho dos rapazes na parte de dentro e apesar da tristeza, eu pude sorrir.
– ... Cara. Me leva de volta... – Yukio sussurrou.
Olhei primeiro para ele e logo para Saito, os dois escutavam a bagunça e tinham uma expressão triste e ao mesmo tempo nostálgica.
– O quê? – perguntei curiosa.
– Comandávamos uma pequena escola de espadas. Bebíamos assim todas as noites – Yukio disse com um sorriso melancólico – Essa bagunça me lembra esse tempo.
– Não tínhamos muito dinheiro e nem muitos alunos, mas ainda assim era divertido – Saito disse com sua voz solene de sempre.
– Verdade – Yukio seguiu – Muitos diziam que um canhoto não poderia lutar e por tanto, não ficavam na escola. Nenhum deles nunca te derrotou no fim das contas, não é, Saito?
Fiquei observando boquiaberta o rosto dos dois, pareciam calorosos e gentis. Não era o tipo de coisa que eu esperaria de nenhum deles, nem do comandante sem coração Yukio e nem do capitão impiedoso Saito. Acho que dei muito na cara, porque Yukio de repente ficou sério e perguntou:
– Aconteceu alguma coisa?
– Fiquei surpresa que vocês costumavam fazer essas coisas – falei abrindo um sorriso. Eles haviam conseguido diminuir minha dor.
– O que você quer dizer? – Yukio disse com um tom indignado e riu um pouco – Você acha que eu passei a minha vida inteira sendo um bastardo de coração frio?
Eu ri, pois era exatamente o que eu pensava.
– Comandante – Saito falou – Você sempre foi um pouco sem coração na verdade.
O comentário veio sério, mas eu sabia que ele estava brincando e de repente eu ri mais. E em vez da carranca irritada que eu esperava, a expressão de Yukio seguiu tranquila e calorosa.
– Eu ainda penso nisso de vez em quando – ele falou tranquilamente – Não faz muito tempo e eu ainda era um pequeno comerciante tentando ajudar a minha família. Às vezes me pergunto se isso é apenas um sonho longo e, eventualmente, tenho medo de acordar.
Olhei para a lua que brilhava bastante naquela noite e ficamos assim por um longo tempo.
A festa durou até de manhã e eu voltei para dentro com os rapazes me sentindo muito melhor. Eu realmente tinha muitas coisas que pensar, mas era difícil ficar para baixo quando todos ao meu redor estavam se divertindo.
Cheguei cansada ao meu quarto, querendo apenas me jogar para dormir, mas antes que eu pudesse fazê-lo, minha porta se abriu e Isao entrou. Isao não havia ido com a gente, havia ficado dando uma desculpa qualquer.
– Olá, Isao. Posso ajudar você em alguma coisa? – perguntei, surpresa por ele ter entrado sem se anunciar.
– A transformação é incrível. Consigo fazer muitas coisas..., mas... por que seu sangue tem um cheiro tão bom? – seus olhos mostravam um certo tipo de insanidade.
O rosto de Isao parecia diferente. Pouco a pouco ele estava se transformando em alguém completamente distinto. Seus olhos brilhavam de uma maneira assustadora. Não sei em que ele estava se transformando, mas estava saindo rapidamente do controle. Ele se aproximou.
– Isao... eu – gaguejei sem conseguir responder direito.
Sua mão esquerda envolveu meu pulso com firmeza e ele puxou meu braço fazendo com que eu me aproximasse. Tentei me soltar, mas ele era muito mais forte que eu.
– Isao, você está me machucando. Pare! – tentei ser firme.
A horrível loucura contorcida em seus olhos era demais para eu suportar. Senti tristeza ao imaginar que se eu não tivesse aparecido, isso não teria acontecido e apesar disso, eu já não me sentia responsável pelos atos dele. Ele levou meu pulso até perto do nariz e fungou.
– Isao! Pare! – gritei.
– Por que você está agarrando-a Isao? – Tashiro segurou com força Isao pelo braço – Não é assim que se impressiona uma mulher. Vê? Ela está apavorada.
Tashiro sorria, mas sua mão no braço de Isao não vacilou e tenho a sensação de que inclusive ele segurou com ainda mais força.
Atrás dele pude ver Saito e Tatsuo.
– Oh – Isao soltou meu pulso – Perdi o controle. Peço desculpas.
Isao voltou ao seu eu normal, fazendo desaparecer a aparente loucura anterior.
– Há algo errado? – Saito me perguntou – Você parece infeliz.
– Não é nada – tentei dar um sorriso convincente a ele.
– Imagino que você esteja cansada – ele seguiu certamente sem acreditar na minha desculpa – Talvez devêssemos ir embora.
Suas últimas palavras foram dirigidas a Isao, que encolheu os ombros e suspirou.
– Acho que sim – Isao disse parecendo de repente muito cansado – Conversaremos em outra hora, então.
– Você deveria descansar um pouco – Saito falou diretamente para mim enquanto todos saíam do meu quarto.
– Eu irei. Obrigada.
Ele parou na porta e observou todos partirem, seu rosto era ilegível e severo. Ele permaneceu por alguns momentos antes de finalmente fechar a minha porta e ir embora.
O dia seguinte transcorreu normalmente, ajudei a senhora Tanizake, treinei um pouco. Saí de patrulha com Tashiro que teve que parar diversas vezes por conta da tosse.
Mesmo com um dia tranquilo naquela noite, eu não podia dormir. Tinha muita coisa na cabeça e a imagem de Isao já havia praticamente se apagado. Tentei manter os olhos fechados para que o sono chegasse, mas escutei um ruído estranho. Rolei para fora da minha "cama" e escutei o estrondo da porta se rompendo em vários pedaços. Em pé havia um homem que eu nunca tinha visto. Apertei os olhos para enxergar melhor e senti o frio percorrer minha espinha.
– Droga! – gritei procurando minha espada, mas já era tarde demais. Ele já a havia alcançado.
– Mm – ele gemeu – você parece deliciosa!
Seu rosto estava torcido pela loucura e seus olhos brilhavam como fogo. Era um agma e estava totalmente louco. Ele avançou para cima de mim e colocando as mãos no chão o acertei com os dois pés. Ele cambaleou para trás e logo depois avançou novamente me forçando a desviar. De novo tentei ir de encontro com a minha espada, mas ele foi mais rápido e a agarrou com vários minutos de antecipação.
A espada atravessou o ar e senti o metal de sua lâmina queimar a carne do meu braço. O corte foi fundo e eu não conseguia regenerar. Segurei o braço com força tentando parar a quantidade de sangue que saía. Eu tinha que chegar até a porta.
– Maldição – resmunguei para mim mesma – é incrivelmente frustrante não poder fazer nada.
Sentia o líquido espesso derramando entre meus dedos. Tentei correr até a porta, mas como em todas as outras vezes, ele foi mais rápido e esbarrou com tanta força em mim que eu voei até a parede do fundo do quarto, tentei abrir os olhos atordoada e o vi se arrastando.
– Assim fica mais divertido – o brilho lunático de seus olhos me fez tremer. Ele passou a língua entre os lábios.
Eu estava caída e tonta. Tentei me arrastar, mas senti os pés dele batendo com força nas minhas costas.
Gritei. Comecei senti-la querendo sair. "Não! Nem que eu morra, não vou te deixar sair. A senhora Tanizake está aqui, ela não vai aguentar minha manipulação... Vou usar só o mínimo para o jogar longe."
Usei a manipulação o mínimo que pude para jogá-lo para longe de mim. Me levantei ainda segurando o braço e novamente tentei correr até a porta. Cada segundo ali parecia horas. "Por favor, alguém apareça!", pensei enquanto era novamente jogada pelo homem até a parede. O homem ria enquanto eu me contorcia. Minha roupa já estava encharcada com o sangue de um corte que havia sido aberto na minha cabeça com um dos golpes e do corte do meu braço. Senti que seus olhos cravaram na minha ferida com uma fome feroz.
– A brincadeira está gostosa – ele riu – mas tenho que aproveitar enquanto o sangue ainda está fresco.
Me sentia um pouco tonta pela perda de sangue, mas tive força suficiente para dar uma rasteira nele. Ouvi o barulho dele caindo, mas em poucos segundos ele estava de pé novamente.
– Que inferno! – eu estava realmente irritada. Se eu pudesse usar a manipulação acabaria com isso rapidamente, mas eu era apenas um peso morto ali.
– Ei – escutei a voz de Yukio – Você está viva?
– Sim – respondi alto para que ele ouvisse.
Yukio tinha aparecido na porta com sua espada já em mãos. Ele atacou a primeira vez e o homem desviou, mas na segunda vez Yukio o acertou. Escutei o grito do homem, mas logo sua ferida já havia curado. Me levantei sentindo o corpo dolorido. Enquanto tentava curar pelo menos as pancadas do corpo, ouvi outros passos apressados no corredor e em poucos momentos apareceram os outros capitães.
– Merda – Natsu disse com o olho arregalado – Acho que ele nem nos entende.
– Sim – Satoru disse suspirando – Ele parece ter a cabeça em outro lugar. Teremos que matá-lo.
E como se fosse em um coro, todas as lâminas deslizaram de suas bainhas.
– Não estraguem a diversão seus velhotes – Tatsuo disse logo ao lado deles.
– Quem diabos você pensa que somos? – Satoru disse com um pequeno sorriso.
– Se um capitão não pode matar um desses então tudo o que ele teria que fazer seria renunciar – Natsu completou.
Saito correu para o meu lado após um breve aceno de Yukio.
– Você está bem? – ele perguntou me ajudando a levantar.
– Estou bem, só acho que perdi muito sangue. Me sinto um pouco tonta – falei tentando me manter tranquila.
Saito se colocou na minha frente e os outros rapidamente se espalharam, cercando o homem.
– Acertem o coração – gritei – ou cortem a cabeça.
Eles entenderam. Todos atacaram de uma vez e o homem morreu instantaneamente através de diversos golpes no coração. A excitação da luta acabou, fiquei ali olhando o homem caído no meu quarto, apoiada na parede, mas a calma durou pouco. Em pouco segundos Isao apareceu, seu rosto estava empapado de suor e torcido de dor, ele não respondia ninguém.
– Isao, qual o problema – Natsu perguntou parecendo preocupado.
– Sangue, que cheiro bom – ele falou como se alucinasse.
– Tirem a Ambar daqui, agora! – escutei a voz alarmada de Yukio.
Saito era o mais próximo a mim, mesmo assim ele não foi rápido o suficiente. Isao disparou como uma cobra furiosa e suas mãos fecharam no meu pulso com força. A força de seu punho era inacreditável e me curvei ao sentir a pressão sobre meus ossos. Sem pensar duas vezes ele levou a boca até onde estava o corte e sugou meu sangue com força.
– Isao, pare – Satoru parecia tão perplexo quanto qualquer um ali. Eu gritei de dor.
Cada homem ali ainda tinha a espada em mãos, mas eu podia ver a hesitação em seus olhos.
– Segurem-no – Yukio ordenou – Se precisar usem a força.
– Droga – Natsu e todos estavam descontentes com a situação – Acho que não temos escolha.
– Desculpa, Isao – Satoru disse apertando sua espada.
Saito não disse uma palavra, mas puxou a sua espada e cortou uma parte das costas de Isao que cambaleou para trás.
– Eu não vou deixar que você machuque a Ambar – Tatsuo se colocou na minha frente.
O golpe de Saito não era fatal, foi fechado bem rápido, mas deu a todos a oportunidade de cercá-lo. Eles se moveram em círculo ao redor de Isao, todos com as espadas apontadas para ele.
– Isao, não queremos lutar contra você! – Tatsuo tentou chamá-lo – Droga, Isao sempre foi muito forte, agora ele está... bem, muito mais.
Isao agachou gritando e segurando a cabeça e pouco a pouco foi tomando controle do próprio corpo.
– Isao? – o chamei com cuidado.
– Ambar... O que eu estou fazendo aqui? – ele parecia extremamente confuso, como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo.
– Está tudo bem, Isao – falei tentando tranquilizá-lo enquanto chegava até a porta e falei para Saito antes de sair – Se eu ficar, ele pode perder o controle de novo.
Saito acenou com a cabeça e eu fui até a sala comum. Com a ajuda da Senhora Tanizake, limpei a cabeça, fizemos pontos falsos no meu braço e passamos ataduras.
Quando todos foram até o salão eles pareciam confusos. Haviam deixado Isao em seus aposentos, Saito ficou com o trabalho de se livrar do corpo do homem que haviam matado e todos os outros vieram ver como eu estava.
– Ambar, por que você não regenerou? – Yukio perguntou parecendo cansado.
– Quando lutamos entre demônios, usamos uma espada especial – suspirei – o homem estava com a minha. Não sou capaz de regenerar feridas abertas por essa espada.
– E o que aconteceu com Isao exatamente?
– Não sei dizer com exatidão, mas parece que algo no meu sangue o deixa daquele jeito. Em muitos casos, um agma anseia por mais sangue de quem o transformou. Apesar de não ter sido eu, suspeito que ele anseia do mesmo modo por eu ser a filha de seu criador.
– Entendo – ele passou a mão no queixo – Acho que o ideal é você descansar agora. Já que obviamente não pode usar o seu quarto você pode ficar no meu, esta noite.
– O quê? – falei surpresa – Não... e você?
– E eu tenho escolha? – ele falou juntando as sobrancelhas – Vai logo. Senhora Tanizake, posso pedir para que você se certifique de que ela ficará deitada?
– Claro! – a senhora Tanizake me pegou pelas mãos como se eu fosse uma criança e me colocou na cama para dormir.
Na manhã seguinte, a ferida que havia sido profunda, já não passava de uma pequena linha. Movi o braço em círculos e como eu já esperava, não doía nada.
– Saito – perguntei um pouco relutante – Você realmente teria matado Isao ontem?
– Se o dever exige que eu mate um amigo – ele falou com indiferença – Então eu o mato. Não pode haver hesitação. É preciso dominar suas emoções, ou ser dominado por elas. Deixar as emoções guiar meu julgamento é o começo do fim.
– Mas você pode ignorar seus sentimentos tão facilmente? Acho que nunca conseguiria entender isso – suspirei e olhei para baixo – Tive que escolher entre uma população e meu pai. Nunca me perdoarei pelo que ocorreu com ele. O dever é importante, eu sei, mas... O dever é minha única função acho. Eu aprendi durante a minha vida que devo excluir todo o resto. Você faz isso parecer tão fácil, mas para mim isso de escolher entre o dever e o que sentimos é um destino terrivelmente triste.
Não sabia se o que eu sentia fazia diferença para ele. Saito muitas vezes se mostrou atencioso e outras tantas vezes apenas foi frio me mostrando que eu não passava de alguém que ele suportava por seguir ordens. Meus sentimentos estavam confusos, era difícil saber como ele realmente me via.
Saito não disse nada. Ficamos em silêncio por um momento até que ele se moveu em direção a uma das muitas cerejeiras que cobriam o complexo.
– Quantas dessas flores eu vi desde que me juntei a eles, eu me pergunto... – ele falou olhando as muitas flores das árvores.
Não sei dizer se era a minha imaginação, mas eu poderia jurar que o rosto de Saito, enquanto olhava para as flores acima dele, era... triste. Sem olhar para mim ele seguiu.
– Conforme o tempo passa, as coisas mudam. O mundo, as ideias das pessoas e até nós mesmos.
Ele estendeu a mão suavemente e deixou uma única pétala cair em sua palma. Por vários segundos ele simplesmente a olhou.
– Estamos... mudando também – afirmei sem querer admitir isso.
Ele me olhou e nossos olhos se encontraram, mas logo ele voltou a olhar em silencio para as flores.
– Mesmo assim – ele deu um pequeno sorriso triste – isso não significa que tudo deve mudar. Conforme os tempos mudam e a vida muda, existem algumas coisas que não irão mudar e eu acredito nas coisas que não mudam.
– Coisas que não mudam... – pensei para mim mesma.
– Sim – ele olhou para mim ainda com seu sorriso triste.
Coisas que não mudam, eu não tinha todas as respostas, mas de certa forma, podia entender o que ele estava dizendo. Olhei para ele e sorri "Contanto que você não mude, contanto que você siga sendo o homem que pode olhar para as flores de cerejeira e sorrir, então, talvez esteja tudo bem", pensei para mim mesma.
Talvez, mesmo no dia em que teríamos que nos separar eu poderia seguir sentindo a força que ele havia me dado naquele momento. Era triste pensar que em algum momento ele não estaria perto, mas... existem coisas que não precisam mudar.
– Saito... você pode me dar essa pétala?
– Claro. O que você pretende fazer com isso?
– Não vou fazer nada – falei sorrindo para mim mesma – Eu só quero guardá-la dentro do amuleto que você me deu.
Uma lembrança de todo o tempo em que passei com ele.
– Isso é... estranho – seu sorriso se alargou um pouco mais e ele me entregou a pétala – Aqui está.
– Obrigada – fechei levemente a mão para não a perder.
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