Família - MYG
Parceria com amorices
Véspera de Natal – Noite
Me curvei umas três vezes para a garota que me entregou a sacola que eu ia deixando para trás no supermercado. Moça, muito obrigada por salvar meus utensílios de higiene. Me apressei pelas ruas me sentindo pensativa, poxa, talvez qualquer um tivesse ficado com minhas coisas sem se preocupar em procurar o verdadeiro dono. Talvez o mundo não estivesse tão perdido quanto eu achava que estava.
Fiquei pensando naquele momento do meu dia enquanto passava pelas estações no metrô. Já estava desenvolvendo um texto em minha cabeça para postar em meu blog. O metrô estava cheio, a correria de Natal sempre enlouquecia as pessoas.
Peguei meu celular tocando na bolsa e levei ao ouvido naquele espaço apertado. Tinha alguém me cutucando com o cotovelo em minhas costas.
- Vestiu o terno? – Perguntei rindo.
- Que terno? – Yoongi tossiu e eu torci o nariz. – Já calcei meus chinelos.
- Espera, você vai de chinelos? – Gargalhei e fui obrigada a pressionar os lábios quando o senhor ao meu lado fez uma cara feia. – Que rebelde. Gostei.
- Eu não vou. – Respondeu me causando um suspiro. – Vi na previsão do tempo que haverá uma tempestade de neve.
- Sua família está tentando te resgatar, por que está sendo tão relutante? – Falei mais baixo. – Yoongi, precisa parar de se prender ao passado e se abrir a novas oportunidades.
- Ahh, Hoo Joo, você sabe que eu não sou um dos seus pacientes malucos. – Revirei os olhos. – Você é minha amiga, não minha psicóloga.
- Você é pior que eles. – Ouvi sua risada. – Pelo menos eles me pagam em dinheiro.
- Certo, chata. – Continuou rindo. – Onde vai passar o natal?
- Consegui a passagem para a casa dos meus pais em Incheon só para amanhã. – Lamentei. – Conversei com minha mãe hoje pela manhã, e irei cedinho para lá. Essa época é sempre corrida.
- Então vem para cá. Vamos passar juntos.
- Ya! Sua família estará te esperando. – Reclamei. – Seus pais te convidaram depois de tanto tempo, você tem que ir.
- Aish. – Ele resmungou. – Tenho a impressão de que as coisas serão como sempre foram antes.
- Já conversamos sobre isso. Você já é grandinho o suficiente para ser maduro e relevar as imaturidades da sua família. – Falei tentando me afastar do cotovelo em minhas costas.
- Isso é tão redundante, Hoo Joo. – Imaginei Yoongi revirando os olhos.
- Mas família não é bem isso? – Suspirei de alívio quando o metrô chegou numa estação e a maioria das pessoas saíram. Consegui até sentar. – Semana passada me estressei com meu pai, porque ele simplesmente quer que eu me mude para Incheon do nada.
- E então?
- Estamos de bem de novo. – Ajeitei as sacolas do supermercado ao meu lado, porque de repente os bancos ficaram vazios.
- Não, quero dizer, você vai para Incheon?
- Aah, eu não pensei muito sobre isso. – Suspirei. – Mas esse não é o assunto. Hoje, natal, com sua família, sim ou com certeza?
- Estou desligando. – Yoongi disse me causando uma careta de indignação.
- Eu vou passar o natal aí. – Me rendi desanimada. – Melhor ter comida.
- Devo ter salgadinhos em algum lugar por aqui. – Riu e eu pressionei os lábios.
- Eca. – Ele gargalhou. – Não estrague meu Natal, Yoongi.
- Vem logo, chata.
Ele desligou no segundo seguinte e eu chequei as horas. Iria só passar em casa para pelo menos tomar um banho. Eu não queria ter que trabalhar na véspera de Natal, mas meus pacientes ansiosos e depressivos pareciam muito afetados pela época emocionante.
🎄🎄🎄
Peguei um táxi para o apartamento do Yoongi. Eu tinha recebido mensagens de alguns seguidores do meu blog. Andava tão difícil dar conta de tudo.
O prédio estava mais quieto do que de costume. Provavelmente todos estavam indo de encontro as suas famílias, e lá estava o Yoongi sozinho, de novo.
Eu, como amiga de vários anos, deveria ser capaz de fazê-lo mudar de ideia e se resolver com sua família. Respirei fundo enquanto o elevador me levava ao quinto andar. Era difícil aplicar meu conhecimento de 5 anos na faculdade de psicologia no Yoongi, mas eu era persistente.
- Você acha que eu pareço o Grinch? – Yoongi disse assim que abriu a porta.
Ele estava confortável em casa, com um moletom e o cabelo tão confuso quanto ele.
- Tirando o topete verde, tem uma semelhança. – Respondi entrando.
- Uma colega de trabalho me disse isso hoje de manhã. – Ele reclamou me seguindo até a sala. Eu tirei o casaco e sacudi um pouco o cabelo.
- Vocês trabalharam hoje? – Me virei para ele. – No Natal?
- Tínhamos uma animação para hoje. – Contou depois de bocejar. – Mas foi rápido.
- Parece que os designers gráficos estão muito importantes hoje em dia. – Debochei e acabei rindo quando ele começou a bagunçar meu cabelo.
- Por que veio tão arrumada? – Yoongi se afastou.
Olhei para baixo me avaliando. Tinha vestido apenas um jeans preto e uma t-shirt vermelha. Dei de ombros e puxei seu capuz.
- Sabe, será mesmo que você não sente nenhum pouquinho assim de falta da sua família? – Perguntei e Yoongi virou o rosto se afastando de mim. – Poxa, pensa só. – O segui até a cozinha. – Aquele arroz com passas, que eu sei que você odeia. Seu pai com chapéu de papai Noel que é super brega. Sua mãe com aquele brinco dourado enorme que ela espera o ano inteiro para só usar no Natal. – Yoongi estreitou os olhos para mim segurando a porta da geladeira. – Suas tias perguntando quando você vai se casar. Seus tios com aquelas piadas ridículas que ninguém ri. Seu cachorro fantasiado roubando comida por debaixo da mesa...
- Hoo Joo... Eu não quero. – Suspirou.
- Sua irmã mais velha vai te dar aqueles conselhos desnecessários, porque ela esquece que você só é mais novo 3 anos. – Continuei tentando tocar pelo menos um cantinho do seu coração. – Todos lá ainda te amam.
- Eu nunca serei tão bom quanto minha irmã.
Yoongi deixou sua mão cair sem abrir a geladeira e encostou-se no balcão parecendo irritado. Era uma história comum, onde o irmão mais novo se torna refém do sucesso do irmão mais velho. Eu entendia o quanto ele havia se cansado e se magoado, mas eu era fã do recomeço e das segundas chances.
- E vocês são adultos o suficiente para acabarem de vez com essa rivalidade boba. – Cruzei os braços. – Você vai mesmo resolver virar as costas para sua família? Você vai desistir deles por um erro, em vez de perdoar por todos os acertos?
- Sou rancoroso. – Virou o rosto depois de um suspiro.
- Você lembra quando bateu o carro deles? – Cutuquei seu ombro. – Eles nem tinham dinheiro para pagar o conserto. – Yoongi tentou desviar, mas eu fiquei em sua frente. – Eles te perdoaram. Virou motivo para dar risada.
- Por que eu te chamei? – Resmungou e eu sorri começando a me sentir vitoriosa.
- Porque eu vou melhorar seu Natal. – Estalei os dedos. – Agora, vamos escolher uma roupa.
Comecei a andar para seu quarto.
- Eu não disse que ia. – Yoongi correu barrando a porta. – E você não pode entrar no meu quarto assim.
- Meu Deus, o que tem aí? – Coloquei a mão no peito fingindo estar preocupada. – Ah, dá uma chance. Por favor. Eu fiz esse discurso todo e você tem que ir.
Yoongi encostou a cabeça na porta e fechou os olhos os pressionando forte. Mordi o lábio inferior ansiosa.
Nós dois nos tornamos amigos improváveis. Quem imaginaria que a garota alegre e tagarela seria melhor amiga do garoto mal humorado solitário? Só aconteceu assim, e de repente tínhamos um ao outro. Eu não ficava pensando muito no início da nossa amizade, mas as coisas ficaram tão fortes que parecia uma vida toda.
- Vá, por favor. – Sussurrei juntando as mãos.
Yoongi abriu os olhos e depois de um longo suspiro, ele me encarou parecendo perdido.
- Você iria comigo? – Perguntou com os olhos de cachorrinho cansado.
🎄🎄🎄
Yoongi ajeitou um cachecol em mim numa loja, depois eu fiz outro discurso maior ainda sobre ele dever levar alguma coisa para sua casa, nem que fosse um queijo cuia.
- Eu te odeio. – Ele disse entre dentes.
- Sei, sei. – Sorri satisfeita.
Eu nem levei em consideração o fato de ele ter se vestido de preto, ninguém reclamaria, até porque no quesito beleza e estilo, o Yoongi tirava nota alta.
Pegamos algumas coisas, inclusive o cachecol.
O taxista ficou confuso com nossa discussão. Ele até sugeriu uma segunda lua de mel para ver se nos acertávamos. Era comum nos confundir com um casal, mas Yoongi nunca reclamou e eu não era do tipo que se incomodava. De qualquer forma, eu me livrava de caras chatos enquanto eles pensassem que o mal humorado era meu namorado.
A casa dos Min estava bem iluminada e eu ajeitei meu cabelo enquanto Yoongi pagava o táxi. Eu me dava relativamente bem com a família Min, embora sempre houvesse uma confusão ainda maior sobre minha relação com o Yoongi, e depois de um dia pilhado ele respondeu que estávamos juntos para calar todos e eu fiquei com uma fama diferente do que a melhor amiga.
- Doces ou travessuras? – Falei o observando hesitar apertar a campainha. Yoongi me lançou um olhar confuso e eu limpei a garganta. – Quero dizer, arroz com passas ou panetone?
Sorri quando ele riu.
- Eu ainda te odeio. – Ele sussurrou e finalmente apertou a campainha.
A cada suspiro do Yoongi se formava uma zona de vapor perto da sua boca. O clima estava extremamente frio, e talvez a previsão de uma tempestade de neve estivesse certa.
A Srª Min abriu a porta e seus olhos brilharam, pode até ser romântico da minha parte narrar dessa forma, talvez tenha exagerado, mas seus olhos realmente se arregalaram.
- Já estava perdendo as esperanças de você vir. – Ela disse abrindo mais a porta. – Entrem.
Ela ficou o encarando enquanto ele tirava seu casaco. Enquanto eles passavam por esse momento dei uma olhadinha para dentro e não parecia tão cheio. Havia uma enorme árvore de Natal piscando no meio da sala, e uma mesa repleta de comida.
- Eu acabei vindo. – Yoongi respondeu finalmente sem muita cerimônia.
- Você está tão bonito. – Ela se aproximou alisando seus ombros. – Seu pai e sua irmã ficarão felizes em te ver.
Yoongi sorriu só um pouco. Se a mãe dele não estivesse tão perto eu pisaria em seu pé.
- Oh, Hoo Joo. – Ela veio para mim. – Vocês ainda estão juntos? – Sorriu me abraçando.
Eu estava ficando confusa com aquele significado de "juntos", mas assenti sem querer deixar tudo meio esquisito.
Fiquei um pouco distante observando Yoongi receber abraços do seu pai e da sua irmã. Suas tias se aproximaram também elogiando sua aparência e eu sorri vitoriosa. Finalmente, Natal.
- Floquinho. – Falei vendo o cachorro, um beagle fantasiado, andando pela casa. Ele nem me deu atenção.
O arroz com passas estava lá, e depois de ouvir as novidades o Yoongi pareceu perder a tensão de mais cedo. Os Min tinham um novo carro, uma nova churrasqueira no quintal, o tapete da sala era novinho, e um novo neto a caminho.
- Você é terrível. – Yoongi cruzou os braços no sofá quando sua irmã, Yoo Na, contou que teria um bebê.
Eu estava sentada ao seu lado e dei um tapa em sua coxa. Ele levantou o canto da boca para mim e nós dois trocamos caretas de repreensão por um segundo.
Yoo Na riu e quando olhei as pessoas estavam nos observando.
- Quando é que o casamento vai sair? – Uma das tias perguntou. Eu sorri sem graça.
As outras tias se interessaram mais ainda e a Srª Min quase derrubou a garrafa de vinho que estava carregando.
- Hoo Joo nem seria louca de casar com ele. – Yoo Na falou rindo.
Yoongi me encarou parecendo entediado e eu estava pensando em formas de fugir daquela conversa. A atenção saiu de nós quando Sr. Min chegou com o peru, e foi uma cena fofa dele com as luvas.
Yoongi parecia estar se divertindo em discutir com sua irmã, e eu fingi não ter visto seu sorriso bobo quando sua mãe o defendeu quando falaram sobre gosto musical. Talvez ele não quisesse lembrar de todas as vezes que ele tinha sido escolhido.
Me aproximei da janela vendo a neve caindo do lado de fora. Peguei meu celular e fiz o login no blog querendo deixar ao menos uma mensagem de feliz natal. Passando pelas notificações vi uma mensagem de socorro.
@ChaeRin: Eu pensei que quando acabasse fosse mais fácil esquecer e deixar para trás. Mas ainda hoje, depois de alguns meses, me vejo pensando e sofrendo pelo meu término. Naquele momento impulsivo do adeus, eu estava tão eufórica que virei as costas achando que me sentiria diferente. Agora não consigo parar de pensar, o problema é que não entendo mais o porquê de tudo ter acabado. Eu queria saber se tem algum remédio para isso. Como faço para esquecer meu ex namorado? Ou eu deveria abdicar do meu orgulho só dessa vez e perdoar a nós dois? Por favor, me ajude com mais um de seus conselhos mágicos! Estou desesperada! Estou completamente perdida em mim mesma.
Olhei para trás vendo finalmente uma família rindo de discussões necessárias no Natal e sorri vendo que o Yoongi parecia feliz, embora eu soubesse que ele nunca admitiria aquilo com todas as palavras.
Mamãe havia me enviado algumas mensagens perguntando se eu estava bem, e que esperava que eu não estivesse sozinha.
Na verdade, tinha tido um dia ótimo. Um dos meus pacientes até me presenteou com uma caixa de sabonetes. Uma pessoa totalmente desconhecida foi atrás de mim para entregar minha sacola de compras esquecida. Consegui fazer meu amigo ranzinza sair da sua bolha.
Comecei a digitar uma resposta para a @ChaeRin me sentindo inspirada.
- O que está fazendo? – Yoongi me deu um susto.
- Respondendo uma seguidora do blog. – Falei voltando a me concentrar. – Espera um minuto.
Ele ficou de pé ao meu lado esperando que eu terminasse. Me distraí só um pouco quando Yoongi abaixou pegando Floquinho no colo. Sorri no inconsciente digitando minha mensagem, enquanto ele brincava com o cachorro.
- Certo, fiz uma boa ação no dia. – Bloqueei a tela do celular.
- Você é boba. – Ele levantou a patinha do Floquinho apontando para mim. – Vem com discursos clichês todos os dias, e sinceramente fica bem pior no Natal.
- Algumas coisas devem acontecer nem que seja pelo menos uma vez no ano. – Apertei a patinha. – Como passar um tempo com a família.
- Você sabe que eu te odeio, não é? – Ele puxou o cachorro e o colocou no chão. Concordei rindo. Era muito ódio para uma amizade só. – Meus pais me deram um relógio. – Mostrou o pulso.
- Essa é a hora que você me agradece por eu ter te arrastado para o shopping antes de vir aqui. – Empurrei seu ombro e ele fez um bico.
Yoongi tirou seu celular do bolso e fiquei observando o fone de ouvido que veio junto.
- Tenho um presente para você. – Falou concentrado.
- Presente? – Senti uma pontada no coração. – Como assim? Ah, não, Yoongi.
Ele sorriu torto enquanto ainda mexia no aparelho, e eu me senti chateada, porque de repente percebi que não tinha comprado nada para ele.
- Quieta. – Disse esticando o braço e não reagi quando ele encaixou um dos fones no meu ouvido. Ele se aproximou de mim para poder compartilhar do outro fone. – Lembra do dia que fomos naquele café, ano passado, e estava tocando uma música que gostamos tanto, mas não fazíamos ideia de onde era?
- A atendente não sabia, porque estava tocando diretamente da rádio. – Respondi concentrada em seu rosto.
Ele sorriu concordando e de repente comecei a escutar uma música. Aquela música. Acabei sorrindo me sentindo boba.
- Feliz Natal, Hoo Joo. – Yoongi falou e eu nem havia me tocado no quanto nossos rostos estavam próximos.
- Feliz Natal. – Sibilei em meio a nossa trilha sonora.
Passei o Natal longe da minha família pela primeira vez em muito tempo, mas ainda sim me sentia em casa.
E bem que Jane Howard disse "Chame de bonde, chame de rede, chame de tribo, chame de família: o que quer que você chame, quem quer que seja, você precisa de um". Se faz sentido para o seu coração, então já é família.
(Keane - Somewere only we know) - Legendado
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