Compaixão - KSJ
Parceria com amorices
Véspera de Natal – Tarde
Vai ficar tudo bem, Sun Hee! É verdade que papai e mamãe tinham ganhado duas passagens para Cancun num sorteio da rádio, cujo eu nunca ganhei nada, e tudo bem que eles tivessem ido sem mim com a desculpa de que seria uma segunda lua de mel, talvez uma terceira ou uma quarta, vai saber! E tudo bem que eu tivesse que passar o Natal sozinha. Tudo bem passar minha época favorita do ano sozinha. Tudo. Bem.
Assoei o nariz pela enésima vez depois de chorar mais um bocadinho e depois de ter mais uma de minhas inúmeras e persistentes crises alérgicas. Ah, o inverno de Seul acabava comigo, assim como ficar completamente sozinha no Natal. Admito que liguei para todas as minhas amigas, para meus colegas de trabalho, e eu nem tinha um namorado para ligar, mas todos pareciam já ter seus planos e companhias para o Natal, e consequentemente, para o Ano Novo também. E eu? Ah, eu teria espirros, coriza, sinusite e todas as minhas alergias causadas pelo clima frio e úmido.
Mas algumas coisas ainda tinham esperança, certo? A começar pela minha vizinha que nunca segurava a porta do elevador para mim, e voi lá, ela realmente segurou daquela vez e ainda me desejou feliz Natal! Era ou não era um sinal de Deus, um aviso para que eu não me desanimasse porque tudo pode acontecer no Natal? Era mais capaz que eu fosse assombrada pelos espíritos natalinos.
Caminhei até a farmácia mais próxima para me reabastecer dos meus antialérgicos, anti-inflamatórios, hipoalergênicos, relaxantes musculares, vitamina C, descongestionante nasal, colírios, pacotes de lenço, álcool gel, pastilhas para garganta, e claro, um cup noodles. Meu Natal seria animado, hein?!
O farmacêutico ficou com tanta pena de mim que eu imaginei o momento que ele me ofereceria um abraço e um cafuné e eu me sentia pior ainda por cogitar em aceitar, mas tudo bem. Para que fazer um dilúvio em tampinha de xarope só porque passaria o Natal sozinha, certo? Grande besteira. (lágrimas)
Nem acreditei quando voltei para o prédio e fui avisada que o elevador tinha parado de funcionar. Tá de brincadeira, né? Exigir que uma asmática chorosa subisse quatro andares de escada era o mesmo que pedir minha morte. Então tá, eu comecei a subir porque estava congelando no hall do prédio, mas eu precisei parar e sentar num dos degraus do segundo andar por causa da falta de ar, meu nariz estava entupido e eu já queria começar a chorar por estar sozinha. Quer dizer, quem faria as tradições de Natal comigo? Quem veria O Grinch antes da ceia comigo?
Continuei choramingando na escada sem coragem de continuar o resto dos degraus até chegar no meu andar. Precisei me encolher quando o morador bonitão do terceiro andar surgiu carregando várias sacolas de supermercado. Que músculos... Quer dizer, que força de vontade! Kim Seokjin me cumprimentou cordialmente como sempre fazia quando nos esbarrávamos no elevador ou pelo bairro, limpei meu rosto rapidamente e respondi com a voz fanha. Com certeza ele teria um Natal animado enquanto eu comeria ramyon e assistiria Os Fantasmas de Scrooge.
Uma das sacolas escapou de sua mão e caiu ao meu lado. Jin se abaixou para pegar, mas acabou derrubando outras duas e soltou uma risada nervosa que me fez sorrir também. Funguei um pouco antes de recolher as sacolas caídas.
- Obrigado! – Ele disse tentando encaixá-las em algum espaço em seus dedos.
- Tudo bem, eu posso levar para você. – Ofereci.
- Oh, sério? – Perguntou animado. – Isso seria ótimo!
Dei um sorriso e enxuguei o nariz na manga do casaco enquanto o seguia pela trilha de degraus até o terceiro andar.
- Comprei coisas demais. – Contou-me. – Minha família virá passar o Natal aqui esse ano, então tenho que fazer bonito, certo?
Acenei me sentindo ainda mais desanimada e continuei seguindo-o.
- E você? Vai encontrar com sua família? – Ele perguntou sem tirar o sorriso do rosto.
- Não. – Admiti cabisbaixa e funguei não querendo recomeçar a chorar, não queria que ele me achasse depressiva.
- Ah. – Cochichou baixinho. – Mas vejo que também comprou algumas coisas. – Apontou para minha sacola magrinha comparada às suas.
- São remédios, minha saúde é facilmente afetada pelo clima.
Ah não, agora ele também vai achar que sou hipocondríaca.
- Mas é só por precaução mesmo. – Corrigi-me imediatamente.
Ele apenas concordou. – Mas veja bem, um músico chegou na farmácia e perguntou se tinha um lá menor, o farmacêutico disse que não. O músico então pediu um ré médio.
Estreitei os olhos em sua direção e ele arregalou o olhar ansioso, então eu ri, era uma de suas piadas sem graça, mas que me faziam rir quando eu as entendia.
Chegamos em frente ao seu apartamento e Jin se atrapalhou todo para pegar a chave da porta no bolso do seu casaco.
- Pode pegar a minha chave, por favor? – Pediu sem jeito. – Está no bolso interno.
Pisquei algumas vezes e passei a mão por dentro do seu casaco, alcançando o bolso e sentindo o calor do seu corpo. Retirei a chave rapidamente para que ele não pensasse que eu estava apalpando-o e tirando proveito do momento. Destranquei a porta do seu apartamento e abri espaço para que ele entrasse. Esperei do lado de fora enquanto ele colocava as sacolas na bancada da cozinha e retornava.
- Aqui. – Entreguei-lhe as outras sacolas e o molho de chaves.
- Muito obrigado mesmo, Sun Hee! – Disse e eu me sentir um pouco melhor. – Teria sido terrível subir até aqui sem você.
- Não precisa agradecer. – Dei de ombros. – Bom, eu já vou. Feliz Natal, Jin!
E obrigada pelo diálogo e breve companhia, eu quase jurei que a única pessoa que conversaria comigo no Natal seria o farmacêutico me dando dicas para usar um umidificador de ar. Jin me analisou por um momento antes de me responder.
- Feliz Na... Hey, você quer entrar um pouco? – Convidou-me com o cotovelo apoiado na porta. – Se não estiver ocupada, é claro. Posso fazer um chá descongestionante que é milagroso.
Fiquei parada na porta sem saber o que dizer. Papai Noel existe sim!
- Claro. – Respondi tentando esconder a minha empolgação.
Jin sorriu e me deu espaço para entrar em seu apartamento que era maior do que o meu, mas com certeza o meu tinha mais quadros pendurados nas paredes e bibelôs por todas as partes.
- Então, por que vai passar o Natal sozinha? – Ele perguntou se posicionando atrás do balcão da cozinha e retirando os vários ingredientes recém comprados das sacolas.
Eu me aproximei sentando numa das banquetas defronte ao balcão e observando suas mãos hábeis colocarem as coisas em seus devidos lugares e selecionar o que seria preparado.
- Meus pais viajaram para o México, então... – Contei me esforçando para parecer indiferente, mas no outro momento eu já estava lacrimejando em sua cozinha e contando todo meu desânimo para celebrar minha data preferida completamente sozinha.
O homem colocou uma xícara de chá em minha frente enquanto prestava atenção no que eu dizia. Então eu engoli o choro e limpei meu rosto me sentindo envergonhada.
- Desculpe por isso.
- Tudo bem, pode falar! – Sorriu-me. – Beba o chá, é de gengibre com mel e limão, é gostosinho.
Assoprei o vapor antes de bebericar o líquido com sabor pitoresco, tinha gosto de infância.
- Obrigada. – Sussurrei me sentindo tão idiota, mas tão bem por estar ali. – Mas vamos falar sobre outra coisa.
- Sabe o que estava pensando aqui? – Perguntou distraído em cortar algumas verduras. – Por que a velhinha não usa relógio?
- Hum? Que velhinha?
- Porque ela é uma senhora (sem hora). – Respondeu me lançando um olhar dramático e eu quase derramei o chá quando comecei a rir. – Agora falando sério, é uma pena que seus pais tenham viajado, mas isso não significa que tenha deixado de ser Natal, até porque você continua aqui.
- Eu sei. – Encolhi os ombros. – Mas não me sinto animada para comemorar sozinha.
- Veja bem, essa é uma oportunidade que você nunca teve, digo, de passar esse dia com você mesma, não é? Por que não tenta fazer coisas que nunca fez antes no Natal, planos com seu eu natalino?
- Não pensei dessa forma. – Confessei pensando que eu finalmente poderia beber mais de duas taças de champanhe e maratonar alguma série favorita.
- Você pode tentar e se quiser, pode dar uma passadinha aqui mais tarde. Serão só meus pais e os parentes mais próximos.
- Não posso aceitar. – Respondi envergonhada pensando que eu nem tinha separado uma roupa decente para aquilo. – Mas obrigada.
Jin concordou parecendo um pouco condoído, mas eu fiquei feliz que ainda existissem pessoas como ele que se compadeciam das pessoas, significava que nem tudo no mundo estava perdido.
Eu demorei em seu apartamento mais do que deveria. Depois do chá ele deu-me um café com biscoitos que sua mãe tinha feito, quando me preparei para sair, ele pediu que eu experimentasse o molho que tinha acabado de preparar, daí eu tardei mais um pouco mexendo um creme de nome difícil enquanto ele colocava o peru no forno. No fim das contas eu tinha ajudado-o a preparar sua ceia e foi divertido.
- Obrigado por me ajudar! – Ele agradeceu quando coloquei meu casaco.
- Eu que agradeço pela companhia e pela compaixão. – Respondi recolhendo minha sacola de remédios.
Jin pôs em minhas mãos uma vasilha quentinha. – Se quiser aparecer mais tarde, é só descer um andar.
Sorri e acenei. Queria aparecer, mas já tinha outros planos.
- Tudo bem. – Assenti saindo do calor do seu apartamento.
– Mas hey, o que a caixinha de fósforo disse para o fósforo? – Perguntou antes que eu fosse embora.
- Não sei, o que? – Falei já segurando um sorriso.
- Relaxa cara, não esquenta a cabeça. – Sorrimos ao mesmo tempo. – Feliz Natal, Sun Hee!
- Feliz Natal, Jin!
Voltei para casa me sentindo bem melhor e contemplei minha casa totalmente arrumada para o Natal, que desperdício não comemorar uma data tão especial! Olhei o relógio e ainda dava tempo de comprar mais algumas coisinhas para passar aquela noite.
O clima estava incrivelmente frio, o noticiário avisou que nevaria logo mais. Passei no supermercado e comprei comidas aleatórias e gostosas, inclusive uma garrafa de vinho. Já tinha voltado para o clima de Natal, ah, aquela data só era comemorada uma vez no ano, como eu poderia simplesmente ignorá-la? Ainda mais depois de todos os sinais de persistência e bondade do dia, primeiramente a minha vizinha individualista tinha se mostrado altruísta, e então o Jin, o coração mais compreensivo e caloroso que poderia existir. Eu queria estar bem também.
E eu me senti feliz quando percebi que a moça que estava na minha frente na fila do supermercado tinha esquecido uma de suas sacolas. Corri atrás dela antes que atravessasse a rua e devolvi o que lhe pertencia e ela me sorriu agradecida.
- Feliz Natal para você! – Disse-me.
- Igualmente. – Sorri e voltei à minha rotina.
"A nossa compaixão humana liga-nos uns aos outros – não na pena e na condescendência, mas como seres humanos que aprenderam a forma de transformar o sofrimento partilhado em esperança para o futuro." (Nelson Mandela)
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