Altruísmo - KNJ
Parceria com amorices
Véspera de Natal – Manhã
O Natal era a pior época de todas. Sem "mas", pontos ou vírgulas. Era o momento em que as pessoas exercitavam a hipocrisia e fingiam ser legais só porque era Natal, e ainda havia pessoas que acreditavam nisso. Puff, melhor acreditar em Papai Noel, e por falar nele, simplesmente uma imagem capitalista para tirar dinheiro de adultos que precisam enganar criancinhas, e ainda falam mal do lobo mau da Chapeuzinho Vermelho. No fim das contas, são todos iguais, muita gente mentindo e muita gente se enganando.
- Ye Jin! – Mamãe chiou do outro lado da linha enquanto eu pensava por que não poderia dormir e acordar após o Ano Novo. – Está me ouvindo?
- Estou quase surda, a propósito. – Reclamei trancando a porta do meu apartamento.
- Então você se lembra exatamente do que precisa comprar, certo? – Insistiu pela milésima vez na mesma ligação.
Revirei os olhos. Odiava épocas festivas e odiava mais ainda a euforia e desespero das pessoas durante a véspera e os últimos momentos. Por que alguém sempre esquecia de comprar açafrão ou outra coisa desprezível? Ninguém sentiria falta mesmo, todos os parentes estariam preocupados em ser o mais hipócrita impossível.
- Mãe, já me enviou uma lista por mensagem, já fez o papai me enviar a mesma lista. Pelo amor de Deus, pare de me pilhar!
Pausa dramática. – Certo, não esqueça de comprar um gorro de Papai Noel para o Malfoy.
- Por que o cachorro precisa de um gorro de Papai Noel? – Resmunguei caminhando em direção do elevador.
- Porque seu irmão pediu. – Ela deu a justificativa de sempre e eu preferi não começar a discussão sobre como meu irmão mais novo era mimado. – Compre também aqueles docinhos americanos que o filho da tia Geum gosta.
Observei o visor indicar que o elevador estava subindo para o meu andar. Odiava a tia Geum, seu filho e a verme que ele tinha na barriga. Deveria comprar um gorro de Papai Noel para a lombriga também?
- Ok. – Respondi entrando no elevador assim que as portas se abriram.
- E não se atrase! – Reclamou e eu nem quis dizer que estava pensando seriamente em não comparecer à reunião da família. – Me ligue se não se lembrar do que precisa comprar!
- Não me ligue se lembrar de mais alguma coisa para comprar, já tem coisa demais nessa lista.
Mamãe resmungou mais um pouco antes de encerrar a ligação, eu revirei os olhos antes de apertar o botão do térreo e esperar o elevador descer. E naquele momento, como se todas as coisas que eu não gostava já pudessem estar unidas, a minha vizinha hipocondríaca surgiu de seu apartamento e correu em direção do elevador, pedindo que eu segurasse a porta. Mantive-me imóvel e respirei fundo quando o elevador começou a descer. Não é que eu não gostasse daquela garota – como se eu gostasse de alguém – o caso era que Sun Hee parecia sempre predisposta a me contar todos os seus problemas, a contar para qualquer um, além de que ela gostava de contato físico e sempre parecia gripada. Então não, eu nunca segurava a porta do elevador para ela, nem para ninguém. Fim. Me julguem. Todos somos pecadores mesmo.
Caminhei até o ponto de ônibus e encarei as pessoas apressadas e eufóricas correndo de um lado a outro. Só queria poder ficar em casa, adiantar algumas coisas do trabalho e viajar para o Caribe no Ano Novo, sem pessoas apressadas, sem neve, sem hipocrisia, sem lista de compras para o Natal. Deixei um suspiro escapar e subi no ônibus quando este parou no ponto.
O shopping estava um inferno, literalmente. Eu até precisei tirar o cachecol quando entrei numa loja que parecia um formigueiro com tantas pessoas circulando e seguindo filas enormes. Odiava filas e formigas.
Torci o nariz ao encarar uma tenda específica para campanha de doação de alimentos e dinheiro para pessoas necessitadas.
- Que absurdo! – Comentei analisando o cartaz de divulgação.
- Você acha? – Alguém perguntou ao meu lado.
Direcionei o olhar para a voz desconhecida e encarei o homem alto, de pele bronzeada e bochechas proeminentes.
- Francamente, acho. – Respondi olhando novamente para o cartaz. – As pessoas poderiam ser caridosas o ano inteiro, mas não são. Daí chega o Natal e todos encarnam a Madre Teresa de Calcutá. Digo e repito, um absurdo.
O homem deixou um sorriso escapar enquanto olhava para baixo, duas covinhas marcaram suas bochechas enquanto eu me perguntava quem era aquele cara esquisito.
- Realmente. – Concordou e afundou as mãos nos bolsos da sobrecasaca. – Mas eu acredito que as pessoas passam o ano todo preocupadas em alcançar metas e objetivos e lidando com problemas que não têm tempo para pensar em coisas assim. Então o Natal chega...
- E todos liberam seus lados hipócritas. – Completei negando com um aceno, sem medo de parecer alguém individualista, de fato eu era.
- E todos se reúnem e lembram da importância de agradecer por cada dia que viveram. – Ele disse com a voz grave e eu me concentrei em seu rosto. – O Natal une todas as coisas que precisamos todos os dias, mas não temos tempo de perceber.
Dei de ombros. - Que tipo de coisas? – Perguntei arqueando uma das sobrancelhas.
Ele sorriu mais uma vez e mirou seu olhar em mim. – As melhores coisas que uma pessoa pode ter. – Insistiu me fazendo olhar para seus lábios enquanto as palavras saíam. – Como compaixão, família, perdão, amor, alegria, oportunidades, e claro, altruísmo. Mesmo que esqueçamos todo o ano e só lembremos de ajudar os outros no último minuto do dia, já é um avanço. O mundo só precisa de um pouco de esperança, não acha?
Abri a boca para contestar, mas não havia o que contestar. Ele estava certo. Droga! Aquele estranho tinha toda razão. O que ele era? A encarnação do Papai Noel? A versão gostosa do bom velhinho. Soltei um suspiro frustrada com meus próprios pensamentos. Ele, em contrapartida, continuava me olhando com um sorriso cínico, como se soubesse que eu não tinha uma resposta negativa para sua reflexão.
- Olá, bom dia! – Uma moça se aproximou de nós dois que continuávamos parados encarando o outro. – Vocês querem doar alguma coisa e ajudar a alegrar o Natal dos moradores de rua?
Pisquei algumas vezes e encarei a garota jovem que vestia uma blusa com o mesmo logotipo do cartaz.
- Eu quero ajudar. – O rapaz ao meu lado, disse fazendo a garota sorrir de orelha a orelha.
- Que bom, senhor! – Ela respondeu entregando-lhe uma prancheta com uma espécie de formulário. – Qualquer quantia ou quilo de alimento já ajuda uma família.
Observei de soslaio o homem preencher um espaço com seu nome. Kim Namjoon. Hum.
- A senhora também vai querer ajudar? – Perguntou-me, tirando meus olhos da ficha do outro, que ergueu o olhar em minha direção.
Limpei a garganta e neguei, afastando-me com dificuldade de desfazer o contato visual com aquele estranho. Saí dos meus devaneios e peguei meu celular para visualizar a quantidade exorbitante de coisas que eu precisava comprar até o entardecer.
Comprei todas as coisas inúteis que havia na lista de compras da mamãe, comprei cachecóis e meias para todos os meus primos, tios, tias, e o bendito gorro de Papai Noel do cachorro. Quando percebi estava lotada de sacolas e correndo apressada como todas as outras pessoas. Que máximo, hein Ye Jin?! Eu poderia ter um carro pelo menos, porque foi um sufoco entrar no ônibus com tudo aquilo, ainda mais com tantas pessoas na mesma situação que a minha.
Meu celular começou a vibrar em minha bolsa enquanto eu me equilibrava para segurar várias sacolas e ainda segurar numa das barras para não cair. Tentei pegar o celular, mas acabei derrubando algumas sacolas e minhas maçãs rolaram pelos pequenos espaços que havia no chão. Algumas pessoas olharam o espetáculo que minhas sacolas estavam fazendo, uma criança sentada no colo da mãe riu de mim, outros nem notaram o que estava acontecendo. Época de ajudar o próximo? Tá ruim, hein!
- Sente-se aqui. – Alguém disse e eu o olhei novamente. Kim Namjoon.
Ele levantou de seu assento e abriu espaço para que eu sentasse. Sua expressão não era de surpresa por estar me vendo novamente ou de diversão por me encontrar numa situação tão cômica. Namjoon apenas estava fazendo seu papel de fritar meu psicológico com suas boas ações. Sentei-me em silêncio, conseguindo descansar os braços e observando a chamada não atendida de mamãe.
Como se não pudesse ficar pior, Namjoon esperou o ônibus parar num ponto e juntou as minhas maçãs fugitivas, entregando-as para mim.
- Obrigada. – Sibilei sem conseguir encará-lo.
O ônibus foi esvaziando à medida que minha parada se aproximava. Evitei ao máximo encarar Kim Namjoon e ser estapeada por sua índole. Ah, como ele era capaz de me fazer sentir tão cruel mesmo que nem nos conhecêssemos?
Apressei-me em pegar minhas sacolas e descer do ônibus sem mais algum tipo de escândalo. Caminhei em direção do meu prédio pensando sobre o que eu achava sobre o Natal. Será que estava fazendo errado? Será que as pequenas ações eram mais suficientes do que ter que se provar prestativo e altruísta?
Tentei empurrar a porta de vidro de prédio com o ombro, mas não consegui. Ia esperar o porteiro me avistar e abrir a porta, mas alguém atrás de mim abriu-a primeiro e eu entrei. Quando me preparei para agradecer, murchei automaticamente ao dar de cara com Namjoon.
- Você de novo? – Falei instintivamente e ele deu um sorriso sem graça.
- Nos encontramos muito hoje, não é? – Disse me seguindo até o elevador.
- Parece que o universo tá me testando, isso sim! – Resmunguei um pouco mais alto do que deveria.
- O que você disse? – Olhou-me diretamente enquanto entrávamos no elevador.
- Nada. – Respondi respirando fundo e apertei o botão do meu andar, ele apertou outro botão logo em seguida. – Você mora aqui?
- Não, vim visitar um amigo. – Contou.
Acenei sem conseguir continuar a conversa. Encarei as portas se fechando e um senhor correndo e pedindo para segurarmos a porta do elevador. Eu nem pestanejei, mas Kim Namjoon apertou o botão do térreo fazendo as portas se abrir novamente, e o pequeno e enrugado senhor entrou segurando um buquê de rosas vermelhas e sorrindo para nós dois.
- Muito obrigado, meu jovem! – Agradeceu ao Namjoon, que deixou seu rosto se iluminar com um sorriso bonito.
Encarei a porta de metal enquanto subíamos para o segundo andar.
– Hoje é o aniversário da minha esposa. – O senhor comentou e se direcionou para mim. – Acha que ela gostará dessas rosas?
Namjoon me encarou também, como se esperasse minha resposta, pronto para amenizar a dor que eu causaria com minhas observações realistas demais.
- Creio que sim. – Respondi e recebi o maior sorriso do idoso, e foi inevitável não sorrir de volta. Talvez o primeiro sorriso que devo ter dado naquele dia.
O elevador parou e o velhinho saiu nos desejando um feliz Natal. Meu coração se aqueceu um pouquinho, como se eu tivesse feito alguma coisa realmente boa, mas eu não tinha feito nada demais.
Preparei-me para admitir que Kim Namjoon estava certo, para quem sabe parar de encontrá-lo em todos os lugares como se estivesse me fazendo aprender uma lição, mas o elevador parou no próximo andar e ele saiu.
- Feliz Natal! – Disse-me com um sorriso inocente que fazia seus olhos se fecharem e as covinhas aparecerem.
- Feliz Natal. – Respondi sozinha depois que a porta se fechou e eu contemplei o vazio de sempre, que nunca machucou, e então pareceu tão ensurdecedor.
Meu celular vibrou loucamente quando saí do banho.
- Você comprou tudo? – Mamãe perguntou quando eu finalmente atendi.
- Comprei. – Respondi olhando a janela e vendo de longe o estranho Kim Namjoon se afastar do meu prédio. – Vou levar para aí daqui a pouco.
- Tudo bem, eu irei te buscar, querida! – Disse. – Estará pronta em meia hora?
- Acho que sim. – Mordi o lábio inferior temendo repensar todas as minhas ações desde o início da manhã. – Podemos passar no shopping?
- Esqueceu de comprar alguma coisa?
- Não... – Suspirei. – Eu só queria fazer uma doação para a caridade... Sei lá. Quero fazer alguma boa ação e me sentir menos indiferente com o Natal.
Mamãe soltou uma risadinha do outro lado da linha. – Querida, está tudo bem? Sabe que não precisa fazer doações para fazer uma boa ação, certo? Existem várias formas de fazer isso, até mesmo um "bom dia" pode ajudar a alegrar o dia de alguém.
- Tá. – Mudei de assunto. – Eu vou me arrumar agora.
Encerrei a ligação e tentei não me concentrar em todas reflexões que Kim Namjoon deixou presas em minha mente. Ele nem me conhecia, mas como tinha conseguido mexer tanto comigo? Será que eu estava de TPM?
Tranquei meu apartamento quando terminei de me arrumar e pegar todas as sacolas com as coisas talvez não tão inúteis. Entrei no elevador e apertei o botão do térreo depois de ajeitar o cabelo no espelho. Eu pude visualizar minha vizinha pedir para que alguém segurasse a porta e sua expressão murchou quando viu que eu que estava no elevador, ela parou de correr já desistente. Eu segurei a porta.
A garota me analisou rapidamente antes de entrar no elevador e agradecer timidamente. Eu apenas acenei e esperei que ela começasse a falar sobre alguma coisa sem noção, mas ela se manteve quieta e tranquila, fazendo com que eu me sentisse mal por ter sido tão ruim e individualista o tempo todo.
Quando o elevador parou no térreo, a porta se abriu cessando aquele momento de silêncio constrangedor, cujo eu só conseguia me sentir cada vez pior. Mas a garota com o nariz avermelhado, virou-se em minha direção.
- Feliz Natal, Ye Jin! – Disse simplesmente.
- Feliz Natal, Sun Hee! – Eu consegui responder a tempo e ela sorriu surpresa e eu me esforcei para dar meu melhor sorriso antes de cruzar o hall do prédio sem mais cerimônias, sentindo o meu coração aquecido como se este descansasse congelado até então.
Talvez o Natal não fosse tão fútil. Talvez as boas ações não precisassem ser grandes ações. Tudo pode começar com segurar a porta do elevador para alguém e ser gentil. Nada disso vai te garantir um pedaço do céu, mas te trará sorrisos singelos e é quase a mesma coisa.
"Cada homem deve decidir se deseja caminhar na luz do altruísmo criativo ou na escuridão do egoísmo destrutivo. A questão é: O que você está fazendo pelos outros?" ( Martin Luther King)
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