PRÓLOGO
- Vai pular?
Uma voz grave me tirou dos meus devaneios me fazendo olhar para trás. Encostado no meu carro, um desconhecido me olhava parecendo me analisar.
Por conta da escuridão da floresta, eu não conseguia enxergar com clareza seus traços. Mas sua altura e seus braços fortes me deixavam convicta que se tratava de alguém com uma boa aparência.
Sem falar que ninguém com uma voz tão bonita podia ser feio.
- Por que? Vai tentar me impedir? - joguei de volta e voltei a encarar o penhasco na minha frente.
Lá em baixo a força da água era assustadora e me deixava com um frio na barriga.
- Te salvar só estaria prolongando o inevitável... se futuramente você ainda quisesse pular. - ele disse, em um tom calmo.
Sorri com sua indiferença com o assunto.
- Isso não é bem o tipo de coisa que você devia falar para uma possível suicida.
E não, eu não estou pensando em pular.
A expectativa de saber que apenas o fato de dar dois passos para frente estaria colocando um fim em tudo, me intrigava.
Um segundo, um impulso, e então... acabou.
- Se eu tentasse te salvar... - voltou a falar. - Por que você daria ouvidos a um desconhecido?
Dei de ombros ainda observando as ondas.
Elas estavam descontroladas e o vento só piorava tudo tornando a água um predador perigoso.
Pronto para te atacar e te arrastar para o fundo.
- Isso não importa. - respondi, enquanto meu cabelo balançava ao meu redor. - É esperado de qualquer pessoa com humidade que ela tenha compaixão o suficiente para salvar uma pessoa da morte. Mesmo que essa pessoa não lhe dê ouvidos. Vai me dizer que você ficaria parado se eu começasse a andar para frente?
Ele ficou quase um minuto calado como se tivesse refletindo o que eu disse, bom, pelo menos foi o que pensei.
- Quando eu era mais novo, costumava vir aqui com meus amigos. Um dia, fiquei nessa mesma posição que você e joguei a garrafa que estava segurando para saber em quantos segundos ela demorava para chegar lá em baixo. Contei 3 segundos. - murmurou, quebrando o silêncio da noite. - Depois disso... comecei a me perguntar em quantos segundos um corpo demorava para cair em comparação com a garrafa.
Jesus.
- Ok, ok, com todas essas palavras acolhedoras você me convenceu a não pular. - falei, me afastando da beira do penhasco. - Você é bom nisso. Devia trabalhar em ajudar as pessoas que estão no corredor da morte.
Sabendo que eu estava debochando, ouvi sua risada.
Um som discreto e totalmente masculino que enviou um arrepio pelo meu corpo.
Pelo movimento de sua cabeça, percebi que ele estava olhando meu corpo. Começou com minhas pernas nuas, subiu para minha saia preta e finalmente voltou sua atenção para o meu rosto.
Sua análise tão descarada me fez engolir em seco.
Como se tivesse uma linha invisível me puxando, comecei a andar em sua direção querendo saber sua aparência. Quando cheguei em uma boa distância, o desconhecido voltou a falar.
- Qual é seu nome? - ele quis saber. - Você não é daqui.
Eu não era.
Minha mãe finalmente resolveu se casar depois de 5 anos solteira, e agora, nós duas nos mudamos para uma pequena cidade no fim do mundo que eu podia jurar que todo mundo se conhecia.
O problema é que ela largou tudo para trás. Se caso esse casamento não desse certo, não teríamos nada.
Ela vendeu nossa casa e investiu o dinheiro na empresa do seu mais novo marido.
Muitos podiam falar que ela estava apaixonada, mas eu afirmo que é só burrice mesmo.
- Meu nome é Aria. - respondi. - Sabe, acho meio injusto você conseguir me ver enquanto você está escondido nas sombras.
- Você quer me ver? Venha aqui.
Mesmo que borboletas voassem na minha barriga, me dei conta que eu estava no meio da noite sozinha com um cara que eu não conhecia.
- Ou você pode se aproximar. - retruquei.
Ele riu novamente e se desencostou do carro.
Me preparando para sua aproximação, cruzei os braços atrás das costas querendo esconder meu nervosismo.
- Aria? Assim como o Ar?
- O que posso fazer, minha mãe queria um nome com um bom significado.
Ele parou na minha frente me obrigando a erguer a cabeça para continuar a olhar em seus olhos. E, caramba, eu não estava esperando aquilo.
Ele parecia mais velho, mas só o suficiente para você saber que não estava mais no ensino médio.
Seus olhos eram escuros como a noite, o que combinava com seu cabelo preto feito carvão. Bonito talvez nem chegasse perto da palavra que eu usaria para descrever o homem na minha frente.
Sem falar na sua altura.
Na minha antiga cidade eu nunca esbarrei com um cara como aquele, então fiquei surpresa por encontrar alguém com essa aparência nesse fim de mundo.
- Você está em silêncio a muito tempo, devo me preocupar que você não gostou de mim?
Desviei os olhos e encarei seu peito que estava coberto por uma blusa azul escura. Estava envergonhada por estar agindo feito uma estranha.
- Você não é tão ruim. - brinquei.
- Não sou?
- Não. - afirmei. - Agora me fala seu nome.
A expectativa de encontrar ele de novo estava me consumindo.
Nesse momento, seu celular começou a tocar e ele pegou o aparelho no bolso da calça. Seus dedos deslizaram pela tela e tentei não ficar encarando suas mãos. Seus braços, seu rosto. Ele todo.
- Problemas? - não quis dar uma de intrometida, mas notei sua expressão tensa.
- É só meu pai. - respondeu, e guardou de volta seu celular. - Se você quiser alguém para te ajudar a conhecer a cidade, estou mais do que disposto a ajudar.
- Talvez, mas ainda estou esperando pelo seu nome.
No fundo, vozes começaram a se aproximar me fazendo olhar em direção a floresta. Parecia um grupo de pessoas e odiei elas por arruinarem o momento.
- Eu tenho que ir. Você está bem para voltar? - ele perguntou, dando alguns passos para trás.
- Vou voltar dirigindo, esse carro é da minha mãe. - falei, e apertei meus dedos ficando inquieta. - Você quer uma carona?
Me odiei no segundo que essa pergunta saiu. Pareceu mais desesperada do que interessada.
Ele sorriu.
- Eu estou com alguns amigos. A gente se vê Aria.
Ele me deu as costas e começou a andar em direção as vozes na escuridão.
Enquanto observava ele se afastar, me dei conta que talvez, só talvez, essa mudança não fosse tão ruim.
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