---
Sebastian, assim que chegou em seu apartamento, colocou a caixa em um canto na sala e sentou-se no sofá. Continuava pensativo e decepcionado consigo mesmo. O jornalista fechou os olhos e passou a pensar um pouco em sua vida, em tudo o que vinha lhe acontecendo nos últimos meses e no quão desgastante o trabalho atual estava sendo. No mesmo instante, ele começou a sentir alguns pingos de água caírem em sua cabeça. Assim que olhou para o teto, compreendeu do que se tratava.
— Ótimo, uma goteira nova. Seja bem vinda. — disse, ironicamente.
Só naquele momento é que ele foi perceber que chovia lá fora. Levantando-se, Sebastian foi até a cozinha, pegou um balde e, logo depois, o colocou debaixo da goteira. O sofá não era dos melhores, mas era o único que tinha, não queria estragá-lo. Pela manhã trocaria o móvel de lugar, afinal não consertaria aquela goteira tão cedo. O jovem agora dirigiu-se à sua geladeira pegou uma garrafa de cerveja e a tomou em um só gole. Após, foi para o seu quarto, precisava urgentemente de um banho, para esfriar o corpo e a mente.
Quase uma hora depois, o jornalista saiu do banho. Havia dormido na banheira, mas assustou-se com as batidas na porta de sua casa. Já era tarde, o que tornou tudo ainda mais estranho e preocupante. Assim que abriu a porta, Sebastian arregalou os olhos, espantado.
— Agnes? O que faz aqui a uma hora dessas?
— Posso entrar? — indagou a moça, entrando na casa em seguida.
— Pode... pode sim. — confirmou Sebastian, ironicamente.
— Eu preciso muito conversar com você sobre algumas coisas que andei pesquisando e lendo e...
— Você está com a mesma roupa e... Espera, você ainda estava no jornal?
— Isso realmente importa? — indagou Agnes, revirando a geladeira. — Não tem nada melhor que cerveja?
— Tem água. — Sebastian respondeu sorrindo. — Agora me conta, o que é tão importante que você não pôde esperar até amanhã para conversar?
— Primeiro vá vestir uma roupa, por favor. — bradou Agnes, um tanto constrangida.
Só agora é que Sebastian se deu conta de que estava apenas enrolado em uma toalha e seu rosto ficou visivelmente corado. Constrangido, o jovem jornalista foi para o quarto quase correndo. Minutos depois, ele voltou e encontrou Agnes mexendo em seu notebook.
— Ainda estou me perguntando em que momento da minha vida eu te dei toda essa liberdade. — disse, fitando a colega de trabalho.
— A gente trabalha junto há tempos, intimidade se constrói com a vivencia e a liberdade que você fala é apenas um resultado de todas essas coisas.
— Eu vou fingir que compreendi o que você disse, mas só porque eu realmente não quero dar corda para este assunto. — Sebastian, mais uma vez, agiu com ironia. — Agora me fala, o que você quer conversar?
— Espera ai... Espera ai... Aqui. — bradou Agnes, apontando pra tela do notebook.
Sebastian olhou atentamente para a imagem apontada por Agnes. Tratava-se de uma moça, bem apresentada.
— Doutora Letícia Saldanha... psi... — Sebastian deu uma pausa, olhando para Agnes. — Espera, por um acaso está me indicando uma psiquiatra? Acha que preciso de tratamento?
— Sebastian, meu caro amigo, não seja um completo idiota, continua lendo, a matéria, por favor.
O jovem jornalista arqueou a sobrancelha, encarando a colega de trabalho por alguns segundos. Em seguida, voltou os olhos para a tela do notebook outra vez.
— A Doutora Letícia Saldanha Lins, psiquiatra recém-contratada pelo Manicômio Coxbury, acordou nesta manhã, após dois dias em coma. Letícia voltou para casa e permanecerá de repouso por alguns dias, até retornar ao trabalho. A psiquiatra alegou, em conversa com um de nossos jornalistas, que, de início, não pretende retornar ao atendimento com os pacientes, apenas dedicar-se ao atendimento de funcionários. — Sebastian leu tudo em voz alta e assim que concluiu, lançou um olhar de curiosidade sobre Agnes. — Por que você me fez ler tudo isso? O que há demais nessa matéria?
Agnes sorriu para o colega, como se estivesse zombando dele. Em seguida, apontou mais uma vez para a tela do computador, mais especificamente em uma área.
— Adivinha só quem foi o último paciente da doutora? — indagou, com o dedo fixo em cima de um nome.
— Luís Gustavo... Malter... — Sebastian agora sentiu seu corpo tremer por completo. — Esse paciente... é... É o...
— Guto. — afirmou Agnes, encarando o colega de trabalho. — O único sobrevivente do massacre na fazenda Malter. — concluiu.
— Agnes, eu achei que...
— Calma, tem mais coisa. — disse a jornalista, pegando alguns papéis em sua mochila. Após entregá-los a Sebastian, ela continuou. — A doutora Letícia não foi a primeira psiquiatra a visitar Guto. Antes dela, mais três outros psiquiatras tentaram diálogo, mas nenhum deles, antes da doutora, obteve sucesso. — Agnes agora remexia nos papéis que acabara de entregar ao colega e, ainda mantendo-os nas mãos de Sebastian, a moça colocou um dos papéis em destaque. — Dá uma olhada nisso aqui. Está vendo? Todos os psiquiatras, logo após terem contato com Guto, foram parar no hospital. O curioso é que nenhum dos casos teve agressão física. Aparentemente, a presença do paciente é muito impactante e pesada, para não dizer outra coisa. Guto não fala absolutamente nada, mal se move quando alguém tenta conversar com ele. Ainda assim, é temido, prova disso é que os psiquiatras, no primeiro dia de tratamento, saem de lá atordoados, perturbados, como se algo de ruim impregnasse na mente e no coração deles. — Agnes agora respirou fundo, buscando decifrar a expressão no rosto de Sebastian. — Veja bem, eu não estou afirmando que o lunático do Guto imprime uma presença maligna, ainda não acredito nisso, mas, para encerrar tudo isso que eu te disse, tenho ainda mais uma coisa a dizer.
Agnes agora levantou-se, pegou sua mochila e, dessa vez, retirou uma pasta pequena ali de dentro. Entregando-a a Sebastian, ela continuou a falar.
— Alexandre Silva de Macedo, esse nome te soa familiar? — indagou.
— Este é o jovem que foi encontrado na cachoeira, há umas semanas, não é? — questionou Sebastian, analisando as fotografias que estavam na pasta.
— Exatamente, meu amigo. — afirmou Agnes. — Hoje, após nossa "cordial" despedida, lá no jornal, eu me dediquei a pesquisar um pouco sobre o massacre envolvendo a família Malter. Diferentemente de você, eu sabia exatamente onde procurar, porque tenho contatos de alguns colegas que estiveram no local na época.
— Estiveram na fazenda? — Sebastian espantou-se.
— Exatamente. Que sorte, não acha? — indagou Agnes, ironicamente. — Como eu estava dizendo, eles estiveram no local logo após o ocorrido de anos atrás e retornaram recentemente, quando o corpo de Alexandre foi encontrado, para saber um pouco mais sobre o afogamento. Foi com eles que eu consegui essas fotografias, elas não foram publicadas nos jornais e nem divulgadas pelos outros meios de comunicação.
— Como não foram? Por que eles esconderam isso? — Sebastian estava cada vez mais curioso.
— Por uma única razão. — Agnes foi certeira, apontando para uma das fotografias que o colega tinha em mãos. — Este foi o motivo de essas fotografias não terem sido publicadas.
— Uma tatuagem? — indagou Sebastian, não entendendo o que estava acontecendo. — O que há demais nisso?
Agnes agora respirou fundo, virando-se de costa. A jornalista permaneceu assim por alguns segundos, até decidir falar.
— Ao que tudo indica, existe uma seita nos arredores da cidade de Monte Esperança, mais precisamente próximo do vilarejo onde um dia esteve localizada a fazenda de Edwirges Malter.
Instantaneamente, Sebastian sentiu um calafrio percorrer todo seu corpo. Estava assustado e admirado com todas aquelas novas informações que estava descobrindo.
— Uma seita? Você está falando sério?
— Eu sei, é meio bizarro e até difícil de acreditar. Eu mesma tinha me negado a engolir toda essa história, até observar essa bendita tatuagem no pescoço de Alexandre. É um símbolo antigo. Os primeiros registros dele datam do século passado. Isso já era o bastante para despertar minha curiosidade, mas o que me deixou intrigada, de fato, foram essas três letras, formando a sigla DDP.
— DDP? — Sebastian olhou mais uma vez para as fotografias que tinha em mãos, fitando agora a tatuagem em destaque. — E o que exatamente isso significa?
— Discípulos de Pazuzu. — afirmou Agnes, secamente.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro