☪ .☆ ━━ ONE HUNDRED NINETY ONE ━━ ☪ .☆
Eu não deveria estar ali; não deveria estar ali, mas não pude evitar. Ainda mais depois de tudo o que tinha acontecido, de meu coração ter sido esmagado de uma forma que não sabia como reparar. Eu sabia que ter fugido de Chifuyu no segundo que ele me deu as costas tinha sido errado, mas precisava fazer aquilo, e precisava fazer sozinha. Passei anos me segurando, passei anos com tudo aquilo entalado na minha garganta, mas quer saber? Chega; chega. Eu não tinha mais nada a perder. Quando finalmente eu encontro algo pelo qual vale a pena lutar, isso é tirado de mim. E doía.
Doía, doía para caralho. Doía saber que eu não poderia ver Yuki nunca mais na minha vida, porque eu tinha sido presa. Doía saber que eventualmente ele esqueceria de mim, mas que eu jamais seria capaz de esquecer dele. Doía saber que ele pensaria que eu o tinha abandonado que nem seu pai, depois de eu o ter prometido que não o faria. E isso acabava comigo de milhares de formas diferentes. Um dia; bastou um dia com aquele menino para que eu me apegasse a ele, para que tivesse nascido um carinho incondicional que eu não entendia o porque existia e nem mesmo era capaz de explicar. E para que? Para que se, no final, eu não podia ficar com ele?
Eu não deveria ter parado; eu não deveria ter levado Yuki para casa, eu não deveria ter deixado Chifuyu se apegar a ele também. Aquilo tudo era minha culpa, eu tinha colocado a gente naquela situação de merda, e se estávamos tristes agora, a culpa era minha. E isso também machucava, machucava pra caramba.
Eu não podia ter filhos.
Não podia engravidar.
E também não podia adotar.
É, Chifuyu escolheu bem pra caralho a pessoa com quem se casar. Não posso nem mesmo dar a ele uma família de verdade.
Impressionante o como estou sempre arrastando ele para minhas merdas. E, por um segundo, me senti como aquela adolescente de quinze anos que o amava incondicionalmente e, ainda assim, se sentia insuficiente. Por um momento, me senti insuficiente para Chifuyu. E aquilo, acima de qualquer outra coisa, machucava mais que tudo e pra caralho.
Esfreguei o rosto com força. Não podia surtar, surtar agora não ia me levar a lugar nenhum. Mas quer saber de uma coisa? Foda se. Foda se. Se eu tinha uma ficha criminal, se eu não podia adotar Yuki, não era culpa minha. Era culpa dela. E agora, ela iria escutar tudo o que ficou guardado dentro de mim durante esses doze anos.
Bati meu punho na porta de madeira com força, meu coração batendo acelerado dentro do peito, a raiva, a dor e a mágoa me dominando por completo. Eu não me importava com as lágrimas escorrendo pela minha bochecha e nem com o fato que eu parecia péssima agora. Eu estava péssima; estava péssima, e não sabia como deixar de estar. E provavelmente isso não iria acontecer nem tão cedo.
Quando minha mãe abriu a porta de casa, piscou os olhos para mim, parecendo surpresa por eu estar ali. Então, arregalou os olhos com algo parecido com preocupação quando percebeu meu estado. Eu quis rir; quis rir, porque, uau. Agora ela se importava? Agora que era tarde demais, que ela já tinha desgraçado a porra da minha vida?
-Aiko, o que aconteceu?- ela perguntou, tentando me tocar. Me afastei bruscamente dela, levando a mão até meus cabelos castanhos e as passando com força pelos fios. Eu dei uma risada cheia de sarcasmo, que ficou esgasgada com um soluço.
-É tudo culpa sua.- eu disse num sussuro. Ela piscou os olhos de novo, dessa vez verdadeiramente confusa.
-Do que está falando?- ela murmurou. Avancei contra ela.
-É tudo culpa sua!- eu gritei, empurrando minha mãe com força. Ela me encarou, surpresa. Se por eu estar gritando ou soluçando, não sei dizer. -É tudo sua culpa, e eu te odeio! Você destruiu a minha vida.
Me afastei um pouco dela, não conseguindo conter quando outro soluço escapou dos meus lábios.
-Não posso ter uma família e é sua culpa!- eu disse, apontando o dedo para cara dela. -Porque você preferiu proteger um estuprador do que a própria filha, e eu fui acusada de tentativa de homicídio doloso porque você testemunhou contra mim! Porque mentiu, mentiu pra todo mundo, porque é uma desgraçada do caralho! E eu não posso engravidar, e não posso adotar Yuki porque você mentiu e o juiz se recusa a aceitar minha tentativa de adoção pela minha ficha criminal que só existe por sua causa! E eles não me deixam ver ele!
Agora, eu estava chorando e soluçando pra valer. Levei as mãos trêmulas até meu rosto, o cobrindo.
-Eu te odeio.- eu disse num sussurro. -Minha vida acabou, ela acabou e a culpa é sua. Eu passei anos querendo morrer graças a todos os traumas que eu tive e ainda tenho graças a você. Você nunca me amou, nunca me quis. E parece sempre estar tirando de mim, aos poucos, tudo o que me faz feliz. Eu queria ser mãe. Eu queria pra caralho. E eu seria uma mãe boa pra caralho, milhares de vezes melhor do que você um dia seria capaz de ser. Mas eu não posso. E isso também é culpa sua. Então, obrigada. Obrigada por tirar tudo de mim, por ter se empenhado tanto nisso. Você finalmente conseguiu. Finalmente terminou de me quebrar de uma vez por todas.
Eu não a olhei e não esperei por uma resposta quando dei a ela as costas e fui embora. Eu achei que dizer tudo isso fosse fazer eu me sentir melhor, fosse fazer eu ficar mais aliviada e tirar aquela dor do meu coração. Que grande ilusão; apenas me fazia perceber que eu não poderia ter o que eu tanto queria. Eu, jamais, poderia ser mãe de Yuki.
Eu não queria nem sair de casa, nem do meu quarto e muito menos da minha cama. Tudo parecia mil vezes melhor quando eu apenas ficava ali, dormindo o dia inteiro, sem me preocupar com mais nada. Eu sabia que, hora ou outra, teria que sair. O casamento de Sam estava chegando, e pelo menos nesse dia eu tinha que estar feliz. Mesmo que nada parecesse lá muito feliz ultimamente.
Se eu só ficasse ali e morresse, será que ia fazer tanta diferença assim, afinal de contas? Talvez fosse até melhor que eu simplesmente desaparecesse de uma vez por todas.
Eu não me mexi do lugar que estava quando Chifuyu chegou em casa. Nem mesmo ergui a cabeça do travesseiro para olhar ele. Apenas continuei ali, deitada, encarando o teto, algo que eu tinha feito a porra do dia inteiro, fazendo questão de ignorar as milhares de ligações e mensagens dos imbecis que eu chamava de família.
-Aiko.- Chifuyu me chamou e eu apenas pisquei os olhos. Ele me chamou de novo. E de novo. Lentamente, me virei para olhar nos olhos verdes dele, que pareciam verdadeiramente cansados. Chifuyu suspirou, enfiando a mão no cabelo e o bagunçando de leve.
Ele não disse mais nada enquanto eu o observava trocar de roupa e se enfiar embaixo do lençol. Chifuyu deitou do meu lado, me olhando. Eu não disse nada e nem desviei o olhar, mesmo que olhar Chifuyu machucasse também.
-Preciso te falar uma coisa.- ele disse. Eu apenas franzi o cenho para ele, e não o impedi de me puxar para mais perto de si. -O Ran me ligou.
Pisquei os olhos.
Mas que porra?
-Como assim o Ran te ligou, vocês nem se gostam.- eu murmurei, a primeira coisa que tinha dito pra ele naquele dia.
-Ele sabe o que aconteceu. - Chifuyu disse e piscou lentamente os olhos. -E ofereceu meios ilegais de... Bem, você entendeu, não é?
-E você disse que não, não é?- eu murmurei. Chifuyu torceu o nariz.
-Claro que eu disse, mas...- ele começou, mas o cortei.
-Não tem "mas". Se for pra adotar Yuki, tem que ser da forma certa. E você já sabe onde isso vai dar. - eu falei, piscando os olhos com força para afastar as lágrimas. -Eu só quero esquecer esse assunto. - eu sussurrei, me virando de costas para ele. Escutei Chifuyu suspirar e senti uma das mãos dele ir até minha cintura, me puxando.
-Eu sei.- ele disse, beijando minha cabeça e acariciando minhas costas.
Pelo menos ele não disse algo como "vamos dar um jeito nisso". Até porque, nós dois sabíamos que aquilo não ia acontecer.
Meu celular começou a tocar pela décima vez em menos de uma hora, me fazendo bufar com irritação. Não sabia porque Sayuri estava insistindo tanto naquela merda, sendo que já tinha ficado nítido que eu não queria conversar nem com ela e nem com ninguém. Apenas puxei o aparelho de baixo do travesseiro e entreguei para Chifuyu. Ele franziu o cenho para mim, mas atendeu a ligação.
-Sayuri, ela não quer conversar agora.- Chifuyu disse. Então, ele franziu o cenho. E, em seguida, arregalou os olhos. -Mas que porra, Sayuri? Tem certeza dessa merda?
-O que aconteceu?- eu perguntei, encarando ele. Chifuyu fechou os olhos com força.
-E você acha que isso muda alguma merda, porra?- Chifuyu disse, irritado. Tentei arrancar o celular dele, mas ele não deixou. -Ela já tá mal, sua mãe é uma otária do caralho se acha que isso vai mudar alguma porra. Só vai servir pra deixar Aiko ainda pior ficar relembrando dessas merdas do caralho! Quer saber, Sayuri, manda sua mãe ir se fuder. Foda se se ela tá tentando arrumar as coisas, já se passaram doze anos, ela devia ter feito isso lá atrás.
-Chifuyu, que merda tá rolando?- eu perguntei de novo e ele me encarou. Era sério; pelo jeito que ele me olhou, era alguma coisa séria.
-Eu mato a sua mãe se ela fizer alguma palhaçada, eu juro pra você.- ele disse com irritação antes de desligar o celular na cara de Sayuri, passando a mão com força pelo cabelo.
-Fala alguma coisa, Chifuyu!- eu disse, desesperada. Ele respirou fundo, segurando a mão na minha, e me olhou no fundo dos olhos. Aquilo já foi o suficiente para que eu soubesse que a merda era grande.
-Sua mãe foi na polícia dizer que mentiu no depoimento dela que te condenou doze anos atrás. - ele disse, lentamente. Eu pisquei os olhos, surpresa e confusa. Que porra isso ia adiantar agora, afinal? -Ela disse que tem como provar que ela mentiu e você é inocente. Sua mãe, Aiko... Ela pediu uma revisão criminal do seu caso. E isso significa que... Seu caso vai pra julgamento de novo.
E isso era tudo o que precisava para terminar de foder com minha vida.
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