☪ .☆ ━━ ONE HUNDRED AND THIRTEEN ━━ ☪ .☆
As coisas estavam muito calmas ultimamente. Calmas até demais para o meu gosto. Era levemente suspeito. Sem Kisaki enchendo a porra do saco, apesar de seu planinho de bosta ter dado errado, sem minha tia me caçando e sem Taiju enchendo o saco da Sam. Sim, eu estava começando a ficar preocupada. Quando tudo tá tão bem assim, a gente tende a desconfiar, certo? Pois é, então pelo jeito logo ia vir uma puta de uma merda do caralho. E eu apenas esperava estar errada sobre isso.
-Porque você tá com essa cara?- Chifuyu perguntou me olhando e eu torci o nariz.
-Não é nada.- eu murmurei, encostando a testa no ombro dele e fechando os olhos.
Tudo bem, talvez tivesse mais motivos para eu estar ansiosa do jeito que eu estava naquele dia de merda. Mas não é como se eu fosse falar isso pra alguém. Sinceramente, não queria que ninguém soubesse, o dia já ia ser uma merda por si só, tudo o que eu menos precisava era, sei lá, lembrar sobre isso.
-Você tá agindo de forma estranha desde que chegou.- Chifuyu insistiu, tentando fazer com que eu o olhasse. Me estressei um pouco.
-Caramba, Chifuyu, já disse que não foi nada.- falei cruzando os braços. Ele fez uma careta.
-Tá, não precisa brigar comigo.- ele disse. Revirei os olhos. -Sayuri tá perguntando se eu tô com você.
-Fala que não!- eu praticamente gritei, arrancando o celular da mão dele. Chifuyu me olhou e franziu o cenho. Joguei o celular dele na cama e o encarei. -Sem perguntas, Chifuyu. Só fica quieto.
-Mas...- ele começou, porque é claro que Chifuyu nunca sabe a hora de manter a matraca fechada.
Segurei o rosto dele e grudei minha boca na dele. Porque aquela era a melhor forma de manter Chifuyu calado, até porque eu sabia que ele não ia se afastar e ia esquecer a porra do assunto. Porque ele era besta nesse nível.
Ele resmungou, mas me puxou para mais perto de si enquanto eu o beijava com calma. Bom, pelo menos ficar com Chifuyu já me fazia esquecer o como eu odiava dia trinta e um de dezembro. Como também odiava dia um de janeiro. Só queria desaparecer e só reaparecer dia dois. Assim não precisava ficar lembrando demais de coisas que claramente não iam me fazer bem.
-Você vai sair com a gente mais tarde?- Chifuyu perguntou me olhando. Fiz cara feia.
-Não, eu não vou.- eu disse. Ele abriu a boca para protestar, mas eu o cortei. -Odeio esse tipo de comemoração, Chifuyu. Eu só quero ficar na minha.
-Então vou ficar com você. - ele disse. Dei risada e passei a mão pela bochecha dele de leve.
-Eu agradeço, mas não precisa. Vai ser muito mais divertido sair pra comemorar o ano novo do que ficar trancado dentro de casa.- eu falei torcendo o nariz. Ele revirou os olhos.
-Não se for pra ficar com você. - ele disse. E eu sorri, porque sou uma idiota. Me aproximei mais de Chifuyu, me inclinando para sentar no colo dele e o apertar com força em meus braços.
-Não precisa. - eu insisti, apoiando o queixo no ombro dele enquanto ele abraçava minha cintura. Porque, se fosse ser sincera, queria ficar sozinha. -Você pode ir me ver depois, não significa que tem que passar a noite toda grudado em mim.
-Você é uma idiota.- ele reclamou. Puxei o cabelo dele de leve.
-E você um imbecil. - murmurei. Estava prestes a fechar os olhos quando senti uma dorzinha no ombro. -Ai! Você me mordeu?
Me afastei para olhar Chifuyu, perplexa. Ele deu risada, o grande idiota. Dei um tapa na testa dele.
-Idiota.- eu disse e ele deu um sorriso pra mim. Apenas revirei os olhos e o beijei. Porque eu era patética nesse nível.
Já estava de noite e faltava pouco para o Ano Novo quando saí da casa de Chifuyu, depois de repetir mil e uma vezes que ele não precisava me fazer companhia. Era só Ano Novo, não é como se fosse lá muito importante, afinal. Mais um ano fodido pela frente, uau, como estou ansiosa!
Se fosse ser sincera, eu odiava véspera de ano novo por um simples motivo: também era a véspera do dia infeliz em que eu nasci. E, antes de tudo ir por água abaixo na minha vida, antes da minha mãe se tornar um lixo, antes de toda a merda rolar entre eu e minha família, aqueles dois dias costumavam serem bons pra caralho. Apesar de agora eu querer manter distância de tudo o que me lembrava a eles, era impossível não lembrar do quanto eu fui feliz naquela casa antes de tudo desandar. Antes da minha mãe começar a se fazer de cega a tudo o que acontecia comigo.
Geralmente, na véspera de Ano Novo, minha tia sempre levava eu, Yuna e Sayuri para fazer algo diferente. Quando minha mãe não estava tão ocupada enchendo o saco, nossa tia levava a gente pra Disney e, porra, passar o Ano Novo na Disney é incrível, né? É ainda mais incrível começar o dia do seu aniversário na Disney! Mas todos os outros momentos também eram bons. Porque ela ficava comigo, fazendo exatamente tudo o que eu queria, do dia trinta e um até o final do dia um. Me levava para sair, comprava pra mim todos os lápis de cor caros que eu queria pra desenhar, me entupia de sorvete de chocolate. Era... Bom pra cacete.
Era por isso que não aguentava esses dois dias. Só me fazia lembrar de tudo o que eu tinha e não tenho mais. Do como fui descartada pela minha própria família, minha própria mãe. Merda! Agora estava com os olhos cheios de lágrimas de novo. Não que minha mãe merecesse; na verdade, nem ela, nem Sayuri, nem ninguém merecia. Mas ainda assim... Aqui estou eu, chorando por lembranças de uma família que já não é mais minha, de uma Aiko que já não é mais essa de agora.
-Aiko?- escutei uma voz atrás de mim e dei um pulo. Meus olhos se arregalaram um pouco quando me deparei com Yuna, me olhando surpresa.
-O que tá fazendo aqui?- quase gritei, no meio da rua. Ela piscou, surpresa. -Veio tentar me sequestrar de novo, é?
-Não, eu...- ela começou, mas a cortei.
-Tá me seguindo, Yuna? Porra, porque não me deixam em paz?- eu rosnei.
-Calma! - Yuna gritou, um pouco desesperada. -Eu só tava indo encontrar a Juju! Relaxa, Aiko, por Deus!
-Relaxar? Como depois que você e sua mãe tentaram me mandar pra França?- gritei. Yuna abaixou a cabeça.
-Desculpa.- ela murmurou. Passei a mão pelo rosto com força e irritação.
-Foda se. Feliz Ano Novo pra você, Yuna.- falei, dando as costas pra minha prima e começando a marchar para longe dali.
-Espera!- ela gritou. Parei e me virei para ela. Yuna me estendeu uma caixa com um laço branco. -Isso é... Seu presente. De aniversário. Meu e da minha mãe. A gente meio que sabia que você não ia mais querer ficar perto da gente depois de tudo. Eu ia deixar isso com a Juju e...
-Eu não quero.- eu rosnei, me virando.
-Por favor, Aiko!- ela implorou, a voz chorosa. Respirei fundo, fechando os olhos com força. -Você nunca passava os aniversários sem a gente.
-É, pois é!- eu ri com sarcasmo. -Mas onde vocês estavam nos últimos três? Esse vai ser o quarto e, olhe só, finalmente vocês passaram a se importar!
-Não é bem assim! Nós tentamos, mas sua mãe disse que você tava na porra de um colégio interno na Suíça, caralho!- Yuna gritou. Eu ri e balancei a cabeça.
-Foda se, Yuna. Não preciso mais de vocês. - resmunguei.
-Por favor, Aiko, só aceita essa merda! E eu paro de encher seu saco!- ela disse. Apenas olhei Yuna. Bufei, puta, e arranquei a caixa da mão dela.
-Valeu. Agora, tchau, Yuna.- eu disse. Não esperei por mais uma palavra da minha prima antes de praticamente correr para longe.
Apenas suspirei aliviada quando estava bem, bem longe de Yuna. Tinha ido parar em um parque que costumava ir quando queria ficar sozinha.
Me aproximei da grade que levava a um imenso lago e me estiquei nela para me sentar ali. Fechei os olhos com força e balancei as pernas, o vento batendo no meu rosto. Tudo bem, era só um dia qualquer, eu não precisava fazer grande caso disso.
E, que merda, no fundo estava curiosa para saber o que tinha naquela caixa. Talvez fosse um erro abrir aquilo, mas abri mesmo assim. E pra que eu fui abrir?
Ali tinha um caderno de desenhos, um álbum de fotos e um livro. Tive vontade de morrer quando, com as mãos tremendo, peguei o caderno nas minhas mãos. Porra! De onde elas tinham desenterrado aquela merda?
Fiz uma careta quando o abri, vendo os desenhos catastróficos que eu tinha feito com meus dez anos. Assim, pra quem não sabe desenhar, eram aceitáveis, mas sabendo o como eu tinha evoluído, aquilo era um monte de merda. E só me irritava, porque eram desenhos que eu tinha feito pensando na porra da minha família teoricamente feliz. Por isso, não me senti nem um pouco mal de o atirar dentro do lago, dando um sorriso quando ele atingiu a água e afundou.
E depois, abri o álbum. O que também tinha sido a porra de um erro. Porque ali estavam fotos e mais fotos e mais fotos com a minha família disfuncional do caralho. Também foi satisfatório atirar ele no lago e ver afundar.
Agora, o livro me fez franzir um pouco o cenho. Porque...? Aquele livro era caro pra caralho, eu sabia disso. Ensinava milhares de técnicas de desenho, e eu tinha desejado aquele livro por muito, muito tempo mesmo. Era estranho que mesmo que minha tia tivesse ficado anos sem me ver, ainda soubesse o que eu gostava e o que deixava de gostar, mesmo eu tendo mudado tanto. Eu deveria jogar o livro no lago também, mas isso sim seria criminoso.
Apenas fechei os olhos e tombei a cabeça para trás. Fiquei assim por um bom, bom tempo, quieta e apenas tentando não chorar. E tentando não pensar na porra da minha família.
Por isso me assustei um pouco com os fogos de artifício que indicavam que o ano tinha virado. Olhei para o céu que estava colorido agora, uma explosão de rosa, azul, verde e amarelo. Fiquei apenas olhando e olhando. Sozinha.
Estava tão perdida na minha própria tristeza que nem mesmo notei quando alguém se aproximou de mim até o garoto estar sentado do meu lado. Ainda assim, não me assustei e nem virei para olhar para ele.
-Feliz aniversário, Aiko.- Hanma disse do meu lado, praticamente enfiando um cupcake com uma vela no topo na minha cara. Torci o nariz e arranquei aquela merda da mão dele, me virando um pouco para olhar Hanma.
-Tá envenenado?- perguntei arqueando uma sobrancelha e assoprando o fogo da vela antes de arrancar ela dali e atirar na cara de Hanma. Ele apenas desviou. -Você bateu no meu namorado.- reclamei, mordendo o bolinho de chocolate. Meu favorito.
-Em minha defesa, ele também me bateu.- Hanma disse me olhando. Apenas revirei os olhos e estendi a outra metade do cupcake pra ele, que não disse nada antes de aceitar. Porque isso, bem, era algo meio nosso. -Porque tinha certeza que você estaria aqui, sozinha, e não com seus amiguinhos do caralho?
-Porque, querendo ou não, você me conhecê.- resmunguei, piscando para afastar minha vontade de chorar. Ah, queria que as coisas fossem mais simples. E queria que as coisas não tivessem mudado tanto entre Hanma e eu. Mas, pelo menos naquele momento... Eu ignoraria o resto.
Deitei a cabeça no ombro dele e ficamos em silêncio, observando os fogos de artifício.
-Feliz ano novo, Shuji.- eu disse baixinho.
-Feliz aniversário, Aiko.
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