☪ .☆ ━━ NINETY NINE ━━ ☪ .☆
Angeli ficou no meu colo por um bom tempo depois que chegamos em casa. Como se ela conseguisse sentir todas as minhas dores e angústias e não quisesse me deixar sozinha. E eu, de qualquer forma, também não queria solta-lá. Porque Angeli era, naquele momento, o único motivo pelo qual eu ainda não tinha surtado e saído de casa para caçar Sam pelas ruas. Porque já estava de noite e tarde e ela não tinha voltado. E o celular dela tocava e tocava e Sam não atendia. E, depois de tudo o que tinha acontecido naquele dia de merda, eu estava preocupada pra caralho que algo ruim tivesse acontecido com minha irmã.
-E ai, conseguiu falar com ela?- perguntei de novo, encarando Baji. Ele apenas suspirou e eu sabia que aquilo já era resposta o suficiente para minha pergunta. Fechei os olhos com força e Angeli passou a mão com calma pelo meu cabelo. Eu tinha que me acalmar ou a deixaria confusa e assustada também. Certo, eu precisava manter o controle da situação. Respirei fundo.
Deixei Angeli no sofá e dei um beijo na bochecha dela, me levantando e indo para a cozinha. Sabia que ela já estava começando a ficar com sono, então fui fazer o leite dela. Minhas mãos ainda estavam tremendo. Por tudo o que tinha acontecido, pelo sumiço de Sam, pela merda da minha família.
Nem percebi que estava surtando de novo até o copo na minha mão ter se espatifado no chão. Mas que merda! Tremendo, me ajoelhei no chão. Chiei quando um caco de vidro cortou minha palma. E o sangue ficou ali, escorrendo. Do mesmo jeito que o sangue tinha espirrado no meu rosto, no meu corpo. Depois que ele...
-Aiko?- dei um pulo, meu coração indo parar na garganta. Levantei a cabeça e encarei os olhos verdes de Chifuyu, que me olhava com atenção.
Chifuyu não disse nada antes de vir até mim, se abaixando do meu lado e começando a pegar os restos do copo no chão. Fechei os olhos com força, tentando tirar aquelas imagens da minha mente.
Olhei para Chifuyu do meu lado, concentrado em arrumar a merda que eu tinha feito. Pisquei tentando afastar as lágrimas que tinham surgido nos meus olhos. Respirei fundo, tentando parar de tremer.
-Desculpa.- eu disse e Chifuyu se virou para me olhar. Ele franziu o cenho para mim.
-Pelo que? Por quebrar um copo? Bem, o copo era da Sam, então eu não tô nem aí.- ele disse sorrindo de leve. Balancei a cabeça. Idiota;
-Por sempre estar te arrastando para as minhas merdas, Chifuyu. - eu disse. Ele me olhou, tão sério que me fez fazer uma careta.
-Não diz isso.- ele falou. Sabia que ele queria me segurar, que queria me abraçar, mas ele não fez nada disso. Porque ele entendia; e me daria o espaço que eu precisava naquele momento. -Nada do que aconteceu é sua culpa, nada. Nunca foi e nem nunca vai ser sua culpa.
-Eu só...- comecei e suspirei. Me inclinei um pouco pra frente, deixando que minha testa encostasse no ombro dele. Chifuyu não se mexeu, e eu o agradecia por isso. -Isso tudo é demais pra mim.
Ele não disse nada e eu sabia que não diria; não enquanto eu não falasse tudo o que estava preso na minha garganta por tanto, tanto tempo. Esfreguei os olhos com força;
-Da primeira vez que ele abusou de mim, eu não entendia o que estava acontecendo.- eu disse baixinho. -Porque eu tinha nove anos. Eu só me sentia mal, e sentia que tinha algo de errado, porque ninguém deveria se esfregar em mim daquela forma.
Eu estava tremendo de novo; me agarrei com força a Chifuyu, tentando me concentrar naquilo, e não no que aquelas lembranças traziam de volta.
-Minha mãe nunca fez nada pra impedir. Ela apenas fingia que não acontecia nada, que a família dela era perfeita. As vezes, ainda acho que ela vive nessa merda de sonho. Eu sei que quando meu pai morreu, acabou com a sanidade dela. Mas isso... É demais. Ela acabou com a porra da minha vida. Ela acabou com minha vida, ela me deixou ficar presa por dois anos porque eu tentei me defender de uma tentativa de estupro. Porque ele ia fazer isso, porque ele já estava a beira de fazer isso, e se eu não tivesse reagido daquela forma, se eu não tivesse tido sorte...
Respirei fundo; lembrar de tudo aquilo era demais, era uma merda, mas eu também sabia que a única forma de superar aquilo tudo era colocando pra fora. E eu mantive isso guardado por muito, muito tempo.
-Eu não conseguia aguentar quando outras pessoas tocavam em mim depois disso. Entrava em pânico, sentia como se todo o ar dos meus pulmões acabasse de uma vez. Não conseguia nem me mexer. Porque ficava vendo tudo acontecendo de novo, e ficava me sentindo impotente e suja. E mesmo que a pessoa apenas, sei lá, encostasse no meu ombro, já era o suficiente pra me fazer surtar. E ninguém ligava pra isso, ainda mais no reformatório. Lá... Aconteceu muita merda que... Não sei se consigo falar. Mas, ainda assim, era melhor do que estar em casa. Era solitário, era cruel, e era melhor que casa.
Não me importava de estar chorando de novo, não me importava que Chifuyu me visse daquele jeito. Era aquilo que eu era, não é? Uma fraca.
-E agora, isso de novo, e eu não consigo...- eu solucei e tremi e queria desaparecer. -Não sei como lidar com isso de novo, entende? Não sei se consigo ser o suficiente pra você ou sequer o que você merece. Porque tem um buraco dentro de mim, Chifuyu. E você merece alguém que esteja completa e não toda quebrada. E não alguém que não sabe como esquecer e superar isso. Porque não sei como apagar isso, não sei como voltar a ser o que eu era antes.
Por um tempo, o silêncio foi a única coisa que tive em resposta. Então, senti as mãos dele no meu rosto, com tanta delicadeza que nem dava pra sentir direito. Eu olhei para Chifuyu.
-Eu não me importo se você está quebrada, Aiko. É uma merda do caralho, tudo isso. Dói pra caralho tudo isso que você passou e eu odeio tanto, tanto te ver assim. E odeio ainda mais que isso tenha voltado pra você, quando você passou tanto tempo lutando pra superar. Mas você precisa saber que eu não me importo se você não consegue que eu encoste em você agora, não me importo que você precise de tempo, mesmo que isso demore. Eu vou continuar aqui, do seu lado, porque eu te amo. E eu não pretendo deixar de te amar.
-Chifuyu...
-Você escutou o Takemitchy, não é? Mesmo que doze anos tenham se passado, a gente ainda tava junto, Aiko. - ele disse, com um sorriso. -Isso não é resposta o suficiente?
-Você lembra que a gente morre, né?- eu disse com um sorrisinho. Ele riu. Encostei a testa na dele e fechei os olhos com força; aquilo não era nada demais, eu não precisava surtar, não era nada ruim, eu só... Respirei fundo. -Eu te amo. Mesmo que eu seja um caos e esteja quebrada e toda fodida, eu te amo.
-Um dia de cada vez, Aiko. Um dia de cada vez.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro