21
Aquele intervalo de dias entre a chegada do grupo a casa de Maiara e a bendita reunião a qual teriam de comparecer foi bem vinda em muitos sentidos. Pela primeira vez em várias semanas, Verena não tinha quase nada para fazer além de sentar e esperar.
Seu trabalho com a clínica obviamente ainda precisava de atenção, mas com a ausência da agitação que havia sido sua vida ultimamente, ela conseguiu terminar as pendências logo no primeiro dia. Verena sabia que poderia ter adiantado todo aquele trabalho enquanto estava no abrigo, mas aquele lugar parecia tirar completamente sua capacidade de pensar de maneira coerente.
Assim, Verena usou o trabalho como a desculpa perfeita para se esconder no quarto que dividia com Camila e Layla durante várias horas. Mas como o que estava acumulado não era tão grave assim, a mercenária se viu sem o que fazer logo na manhã seguinte.
Ela até tentou esperar até que seus colegas de viagem saíssem para algum passeio turístico, mas isso não aconteceu. Assim como ela, todos pareciam bem confortáveis em se aproveitar dos confortos da cobertura de Maiara e não saiam daquela gaiola envidraçada por nada no mundo. O que era compreensível, considerando o tempo chuvoso e frio que fazia. Mas Steven era britânico! Pelo amor de Deus! Ele não deveria ser o tipo de pessoa que tem medo de uma garoa!
Camila tinha percebido sua inquietação e logo que ficaram sozinha, passou a lhe fazer perguntas das quais Verena obviamente não queria responder. A amiga não precisava saber, pelo menos não naquele momento, que ela estava tentando se manter afastada de todos por não aguentar ver os olhares apaixonados de Steven para Layla, ou a expressão dolorida de Marc. E que também não queria estar perto dos flertes de Jake. A amiga não precisava saber que seu coração estava uma verdadeira zona e que falar sobre só a deixaria mais maluca.
E isso fez com que Verena, além de fugir do grupo três em um, também começasse a fugir de Camila. E até o momento a mercenária só havia conseguido isso por pura piedade da amiga, pois no momento que ela resolvesse questiona-la, Verena estaria ferrada.
Mas enquanto a amiga não fazia isso, Verena fazia a única coisa que podia silenciar sua mente por algumas horas. Treinar.
Depois de ficar completamente entediada de se trancar no quarto, fingindo estar trabalhando, Verena vagou pela cobertura de Maiara, encontrando facilmente uma academia particular com um pequeno ringue de luta. Não lhe surpreendeu achar aquele tipo de coisa na residência da avatar, considerando seu estilo de vida com deuses e tal. Se gostasse um pouco da mulher, teria inclusive a chamado para treinar em conjunto, pois parecia ser uma lutadora hábil e que lhe daria trabalho para vencer. Mas o porte altivo, os sorrisos alegres demais e até os olhares desejosos que ela dava para Marc, Steven e Jake a faziam querer se manter o mais longe possível de Maiara.
E Verena não queria dar nome a principal razão para aquela antipatia.
Assim, a mercenária encontrou um novo esconderijo que não permaneceu vazio por muito tempo.
Deviam ter se passado no máximo alguns minutos quando sua nuca passou a pinicar daquela maneira inquietante que só poderia significar que estava sendo observada. A mulher até tentou ignorar a sensação por um tempo, mesmo com ela se espalhando por todo seu corpo como uma alergia. Porém, quando ela acertou o saco de areia com um chute que o fez balançar tão bruscamente que por um momento ela achou que ia cair, palmas lentas e preguiçosas se fizeram ser ouvidas e ela não pode mais fingir que estava sozinha.
Ao se virar na direção da porta da academia encontrou quem já esperava avaliando seu corpo suado de cima a baixo.
Jake parecia como sempre. Sorriso malicioso, pálpebras baixas e postura relaxada. Características de alguém nada perigoso, mas que nele apenas o faziam parecer prestes a atacar, como uma cobra esperando para dar o bote.
O que parecia diferente eram suas roupas. Ao contrário das vestes simples e cheias de sobreposições que Marc e Steven pareciam gostar tanto, Jake vestia apenas uma camisa preta lisa que se ajustava perfeitamente em seus ombros e uma calça também escura, mas que a mercenária não sabia definir se estava mais perto do preto ou do azul. Enquanto que os cabelos estavam jogados de lado em uma versão mais arrumada do penteado de Steven.
— Sabe o que penso quando a vejo treinando com tanta fúria? — o homem questionou ainda em seu posto encostado na porta, os braços nus cruzados em frente ao corpo. — Seria você tão caliente em outros campos de atuação?
— O que faz aqui, Jake?
— O mesmo que você, carino. Se bem que não sei se atacaria o pobre saco de areia como você. O que ele lhe fez de mal?
— Ficou de gracinhas enquanto me lançava sorrisinhos debochados. — Verena piscou os olhos, imitando uma face inocente.
Jake soltou uma risada rouca, a encarando fixamente como se ela fosse a coisa mais interessante do mundo. Ou melhor, como se fosse a única coisa interessante do mundo.
Ainda de maneira preguiçosa, se desencostou da porta e se aproximou de Verena até estarem a menos de um passo de distância. Estavam tão próximos que a mercenária era capaz de ver a nuances de marrom em seus olhos, assim como podia sentir o perfume amadeirado que fluía de sua pele.
— Por que não para de maltratar os aparelhos da senhorita Maiara e vamos fazer um treino de verdade?
Verena ergueu uma sobrancelha ao ouvir a forma como Jake chamou a dona daquele lugar, se demorando nas sílabas como se saboreasse cada uma delas. Ela não gostou daquilo e sabia que havia ficado bem claro em sua expressão pela forma como o sorriso do homem a sua frente apenas aumentou.
Ela sabia que Jake fazia aquelas coisas apenas para provoca-la. O homem havia notado facilmente sua falta de amistosidade para com Maiara, ela inclusive nem tentava esconder. Por isso ele a estava testando, falando o nome da avatar da mesma maneira que ele fazia ao chama-la por aquele apelido atrevido. Eram armadilhas tão óbvias que não entendia por que se deixava cair dentro delas. Mas ao mesmo tempo, percebia que passava a gostar cada vez mais daqueles joguinhos, por mais perigosos que fossem para seu coração.
— O que está sugerindo? — questionou Verena, quase mordendo a língua para não chama-lo por seu sobrenome.
— Que ao invés de bater em sacos de areia, você pode bater em mim. — o sorriso daquele homem se tornou algo perigoso, cheio de segundas intenções que ele nem se importava em esconder. — Mas fique sabendo que eu irei revidar.
— Como se eu tivesse medo de apanhar de você.
— Então isso é um sim?
Verena percorreu seu olhar pelo corpo de Jake mais uma vez, um aperto na boca do estômago lhe alertando de que aquela era uma péssima ideia. Mas ainda assim, muito tentadora.
— Eu estava mesmo curiosa para saber do que você é capaz.
Ambos sorriram e Verena se direcionou para o pequeno ringue de luta, passando por entre as cordas com fluidez. Jake passou logo depois, esticando a cabeça de um lado para o outro se aquecendo. A mercenária se posicionou no centro do ringue e esperou com os braços largados ao lado do corpo, os olhos se movendo a todo momento seguindo os mais breves movimentos de Jake.
Cada um em um extremo do ringue, os dois se encararam pelo que poderiam ter sido segundos ou minutos. Logo o sorriso de Jake havia sumido, deixando em seu lugar uma expressão séria e concentrada, assim como a mercenária, que apenas aguardou de seu lado com os dedos se movendo de maneira inquieta.
Jake olhou para os pés da mulher e respirou duas vezes. Verena sorriu levemente deixando suas mãos formarem punhos, estando preparada no exato momento que seu adversário atacou.
Não foi difícil desviar do primeiro ataque de Jake, porém ele parecia estar esperando por isso, pois logo que o tronco desviou para a esquerda, um braço já a esperava para atingir suas costelas com força o suficiente para faze-la ofegar. Mesmo assim, Verena se manteve firme de pé revidando com uma cotovelada no abdômen de Jake, o fazendo aumentar a distância entre seus corpos o bastante para que ela atacasse com um chute no mesmo local.
Antes que seu pé atingisse o alvo desejado, a mão direita do homem prendeu seu tornozelo com firmeza, a imobilizando. Verena resmungou o mesmo tempo que franzia os olhos para Jake. Em troca, recebeu uma piscadela marota enquanto sua perna era solta no chão.
E se por um momento ela achou que o homem lhe daria uma pausa, mesmo que desnecessária, estava errada. Mal seu pé havia tocado a lona e Jake já partia para cima dela mais uma vez, porém dessa vez ela estava preparada e ao invés de desviar e se defender, Verena atacou antes que ele tivesse a oportunidade. Ergueu seu braço direito para segurar o soco distrativo e usou o esquerdo para atingir o queixo de Jake com força o suficiente para fazer suas juntas reclamarem.
Jake sorriu com os dentes levemente vermelhos de sangue. Talvez ela tivesse batido com força demais, mas o homem não parecia estar reclamando. Até pensou que deveria diminuir a dose na próxima vez, mas descartou a ideia quando um baque na lateral de sua cabeça a fez vez estrelas por dois segundos. Quando voltou a se localizar no mundo, suas costas estavam pressionadas contra o corpo de Jake, um braço passado em volta de seu pescoço e outro segurando suas duas mãos atrás de suas costas.
— Eu disse que iria revidar. — sussurrou Jake em seu ouvido, os lábios passando por sua bochecha em direção ao queixo, tão leve quanto uma pena.
Ignorando a onda de calor que desceu por sua espinha com aquele toque ínfimo, Verena respirou fundo e empurrou seu corpo para trás, deixando que ele pesasse ao mesmo tempo que pisava em um dos pés para lhe tirar o resto do equilíbrio, enviando assim, os dois a lona, já que o bendito não fez o favor de solta-la.
Jake gemeu quando suas costas bateram no chão, o corpo de Verena por cima de costas apenas aumentando o peso do impacto. Sorte a dela que esse ato o fez afrouxar seu aperto e logo ela estava livre e de pé.
Não demorou muito para estarem atracados mais uma vez, trocando socos e chutes. Sabe se lá quanto tempo ficaram treinando juntos, mas foi o suficiente para que logo ambos estivessem suados, as roupas grudadas no corpo e os cabelos caindo sobre a testa.
A estratégia de Verena estava se fixando em manter distância entre seus corpos para dar golpes mais fluidos. Sua altura, um pouco maior que a média, somada as suas pernas longas era vantajoso na hora de sar chutes bem direcionados. Porém o método de Jake parecia manter os corpos dos dois o mais próximo possível. Qualquer pessoa diria que ele estava fazendo isso apenas por perceber a preferência de Verena de chutar o invés de enforcar, mas ela via o sorriso no rosto de Jake sempre que a prendia contra si. Para ele estava indo bem além de apenas atrapalhar os golpes de sua adversária.
Já era a quarta ou quinta vez que ele a segurava contra ele durante o treino, agora ambos estavam cara a cara enquanto os dois braços de Verena estavam presos atrás das costas. Na opinião da mercenária aquilo parecia mais um abraço forçado que um maneira de conter seu inimigo, mas quem era ela para julgar?
Mesmo sendo bem interessante de olhar aquele rosto tão de perto, ela achava incrível como mínimos detalhes mudavam tanto a aparência de alguém ao mudar de personalidade, ela não ficaria presa como um ratinho nas garras maldosas de Jake.
Já sabendo que lutar de maneira justa não se aplicava em uma luta com aquele homem, algo que ela aprendeu depois de levar uma cabeçada, Verena aproximou seu rosto ainda mais do dele, usando a arma que o próprio deixou bem óbvio que ela tinha em mãos e baixou os olhos para aquela boca curvada de canto.
Segurando o sorriso satisfeito enquanto aguardava pacientemente Jake cair em sua armadilha, ela observou os olhos castanhos seguirem os seus e depois pousarem na boca da própria Verena.
Ele estava aos poucos se distraindo, mas parecendo ter aprendido sua lição também, o aperto em suas mãos não havia diminuído nem um pouco. O que deixou Verena apenas com a opção de usar as pernas.
Ainda se fazendo de tola explodindo com feromônios, passou uma de suas pernas entre as de Jake, como se estivesse apenas deixando-se mais confortável ao colar ainda mais seus troncos. Sentindo o hálito do homem se misturar com o seu e um sussurro do toque de seus lábios nos dele, em um ato rápido, a mercenária enganchou seu pé em um dos tornozelos do homem e puxou com força até fazer ambos caírem na lona.
Jake caiu de costas com toda a força, o impacto fazendo-o soltar os braços de Verena que logo se prontificou em segurar os dele ao lado de sua cabeça enquanto sentava em sua barriga com as pernas uma de cada lado de seu tronco.
Pena que a vitória durou pouco.
Verena estava prestes a se gabar de ter o derrubado quando o olhar de Jake queimou com uma malicia mais intensa. O corpo abaixo do seu que estava tenso pela queda, relaxou quase que imediatamente enquanto os dentes prendiam o lábio inferior por um único segundo.
Ela piscou tentando normalizar a respiração ofegante que logo ficou presa em sua garganta ao perceber o motivo daquela expressão se Lockley.
— Você não ouse...!
Jake nem mesmo respondeu.
Ele ergueu o quadril de uma vez, fazendo Verena saltar levemente em seu colo e soltar os punhos de sua prisão. As mãos livres do homem agarraram sua cintura e no espaço de tempo de um piscar de olhos, seu corpo estava pressionado entre a lona dura do ringue e o corpo de Jake Lockley.
— Acha mesmo que vai me provocar daquela maneira e eu não vou dar o troco, carino?
Com os papeis invertidos, agora ela era aquela presa entre as pernas de Jake e os braços erguidos acima da cabeça. Mas ao contrário dela, ele precisava apenas de uma única mão para segurar seus punhos, o que deixava a outra livre para desenhar os contornos do corpo de Verena ao mesmo tempo que descia sua boca por seu pescoço.
— Você sabe que não sou buen chico. — disse contra a pele de sua clavícula. — E você sabia que tudo o que fizesse, eu iria retribuir.
— Achei que isso só se aplicava aos golpes. — Verena respondeu, os olhos fechados enquanto tentava manter sua voz firme.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade.
A mercenária engoliu em seco, pois Jake estava certo. Lá no fundo ela esperava que ele desse um golpe desses? Os deuses daquele mundo sabiam que ela era muito bem capaz de escapar de uma posição como aquela sem aquele artifício. Então por que usou justo a provocação se não tinha intenção de receber o mesmo em troca? Não estava mais disposta a negar que se sentia atraida por Jake. Que se sentia atraída pelos três.
A prova concreta para aquilo era sua mente virando mingau enquanto a boca de Jake passeava pescoço acima, mal a tocando, mas a deixando com cada vez mais calor a cada segundo.
— Doce, doce, Verena... — cantou Jake contra sua bochecha. — Si supieras lo que quiero hacer contigo...
Sua boca se moveu mais, cada vez mais perto da dela, a respiração fazendo cócegas por suas bochechas coradas. Seus olhos ainda se mantinham fechados. Sabia que se os abrisse, deixaria Jake ver todas as confirmações das perguntas que ele não estava fazendo. Então aquele era o único modo de se manter segura, mesmo desejando loucamente que sua boca se movesse mais um pouco, apenas um pouquinho para o lado e...
Mas suas bocas nunca se tocaram.
O calor do corpo de Jake sumiu de cima do seu e aquela leve carícia não tocava mais seu rosto.
— Meu Deus! — ela ouviu a exclamação cheia de sotaque britânico soar. — Me desculpe, Verena!
A mercenária abriu os olhos se sentindo ainda um tanto aérea. Ao erguer a cabeça, viu Steven com as bochechas completamente coradas, os ombros curvados e as sobrancelhas franzidas complemente envergonhado por algo que ele não tinha a mínima parcela de culpa.
— Se acalme, Steven! — ela pediu em uma voz calma. — Está tudo bem.
— Ele não deveria ter feito isso... — reclamou, os olhos se arregalando por um segundo ao olhar para ela ainda deitada no chão. — Vamos... Vamos conversar com ele. Isso não é coisa que se faça. Enquanto estavam treinando, tudo bem! Mas vocês... Ele...
— Hey! — chamou se levantando do chão. — Está tudo bem, Steven. Relaxe!
O britânico a olhou com uma expressão tímida, os olhos quase como os de um cachorrinho perdido. Verena queria poder o tranquilizar devidamente, porém não estava em condições para aquilo no momento. Suas bochechas ainda deviam estar vermelhas como um tomate e sua cabeça ainda girava. Sentir aquele perfume amadeirado que os rondava não estava ajudando também. Precisava se afastar dele para voltar a pensar direito.
— Olhe, esta tudo bem, ok? — disse segurando a mão de Steven na sua, dando até um tapinho desajeitado enquanto seu olhar fugia do rosto dele. O encarar a estava fazendo pulsar. — Foi apenas um treino e você sabe como o Jake é... Eu preciso ir agora. Tomar um banho, sabe?
— Tem certeza...?
— Claro! — exclamou o interrompendo. Quanto mais tempo passava, mais noção do que aconteceu vinha a tona. — Eu vou... E não se preocupe, ta bom! Nos vemos depois!
Verena passou pelas cordas do ringue, não tão fácil e graciosamente quanto antes, e saiu da sala de treino em direção ao seu quarto em passos rápidos. Estava literalmente fugindo daquela sala o mais rápido que podia. Precisava de um banho bem longo e de tempo para pensar.
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