07
Quando o avião pousou, tinha se passado e muito da hora do almoço. Mesmo assim, Verena não se encontrava com fome e já tinha conseguido se livrar de boa parte de seu mau humor. A viagem, longa e tediosa, havia ajudado a recuperar seu sono e assim, sua paciência. Mas logo que saíram da aeronave, a mercenária percebeu que a calma recém adquirida não duraria por muito tempo.
— Você só pode ta de brincadeira! — Verena falou ao avistar o carro preto de vidros fume parado com um homem de altura mediana bem conhecido esperando de braços cruzados com o quadril encostado no capo. — Quantas vezes vou precisar dizer que não preciso da porra de uma babá?!
Verena saiu andando com passos duros em direção ao veículo, sentindo seu corpo esquentar de raiva. Ela sabia que sua missão era algo importante, mas era uma missão dela! Não de terceiros! Sabia se cuidar, assim como cuidar de seus alvos.
— Que caralhos você ta fazendo aqui, Miquéias? — ela gritou em português, recebendo do infeliz pau mandado apenas um sorrisinho debochado.
— Oi pra você também, Vereninha. Como foi a viagem? Pela sua carranca, aposto que não foi confortável.
— Cala essa boca e responde a minha pergunta! — gritou mais uma vez. As suas costas, podia sentir os olhares de Steven e Layla, curiosos e intrigados devido a reação dela com a aparição do homem desconhecido.
— Fiquei confuso. — o homem coçou a cabeça coberta por uma cabeleira escura e uma expressão de deboche no rosto. — Você quer que eu cale a boca ou te responda?
Verena fuzilou Miquéias, sua mão coçando para dar um soco naquela carinha de galã de novela das sete que ele tinha. Aquele canalha de moral duvidosa era o pupilo favorito de Fátima, uma de suas várias crianças adotadas em meio aos seus projetos sociais. Era um verdadeiro prodígio, Verena precisava admitir, mas o que tinha de inteligência e beleza, tinha também de cara de pau e canalhismo. Fátima conhecia bem seu filho querido e tinha plena noção do que ele era capaz. Assim como Verena também o conhecida, já que Miquéias era uma das pessoas mais antigas em sua vida, chegando até de o chamar amigo. E assim continuaria se não fosse a paixão platônica fajuta que ele dizia sentir por ela. O que só deixava Verena ainda mais irritada por ter recebido ele de encomenda para servir de segurança particular.
— Tudo bem, Vereninha. Eu conto. Só para de me olhar assim ou logo os PM's vão vir ver se eu não preciso de ajuda... — aquela mão atrevida subiu em direção ao queixo de Verena, pronta para segura-lo, uma carícia que ele sempre tentava fazer.
— Miquéias! — rosnou afastando a mão do homem com um tapa. Ao seu lado, Layla e Steven tinham se aproximado. A expressão da primeira estava pairando entre confusão e irritabilidade, enquanto Steven parecia lutar entre se colocar entre os dois ou permanecer calado.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Layla franzindo as sobrancelhas. — Você conhece esse homem?
— Infelizmente sim. — respondeu Verena em inglês sem desviar o olhar de Miquéias. — Ele trabalha para Fátima.
— Esqueceu de falar que sou seu amigo mais gato e mais inteligente. Miquéias Mendes, ao seu dispor. — o canalha se apresentou fazendo menção a segurar a mão de Layla, mas desistiu no último segundo após ver o olhar da cacheada para o membro. Verena gostou um pouco mais da mulher por isso.
— Da pra responder logo a minha pergunta? — Verena chamou a atenção de Miquéias novamente para si.
— Irei fazer isso assim que parar de ser interrompido. — o moreno declarou dando de ombros, a própria imagem da paciência. — E você sabe que quando me olha assim com tanto ódio nesses seus belos olhinhos, não da pra pensar direito...
— Se você continuar com esse papo pra cima de mim, eu vou arrancar suas bolas!
— Amo quando parte pras ameaças!
— Seu filho da pu...
— Será que vocês poderiam conversar em um idioma que todos entendam? — foi a vez de Steven interromper, sua mão direita erguida no ar como um aluno pedindo permissão para um professor.
Verena levou os dedos indicador e polegar até o nariz enquanto fechava os olhos tentando se acalmar. Não faria nada bem ela cometer um homicídio no meio de uma pista de pouso. Era um espaço aberto demais e haviam poucas opções para esconder o corpo. O pequeno prazer momentâneo que seria ver aquele imbecil degolado não valeria o esforço. Sem contar nas reclamações de Fátima.
— Tudo bem. — Verena disse em uma voz anormalmente calma. Quem a conhecia bem, assim como Miquéias o fazia, sabia que naquele momento ela estava a beira de surtar. — Vamos falar em um idioma compreensível a todos, por favor. Agora, será que você pode explicar o que caralhos está fazendo aqui?
Tudo o que falou foi enfeitado com um sorriso quase que angelical. Em qualquer outra pessoa, teria sido adorável, em Layla ou em Steven por exemplo. Mas em Verena, não. Com seus olhos tomados pela raiva e o leve tremor no conto esquerdo da boca, a mulher estava obviamente se controlando ao máximo para não voar no pescoço do homem a sua frente. Felizmente, Miquéias pareceu tomar noção do risco que sua vida corria e ajeitou a postura, tirando a expressão sínica do rosto.
— Está bem. — disse ele com uma voz cautelosa. — Fátima me mandou aqui para escolta-los até o ponto de encontro em segurança.
— Não preciso de guia. — Verena abriu a porta do carro e se afastou. — Pode entrar e voltar pelo caminho de onde veio.
— Verena, não estou aqui para bancar o cuidador! — Miquéias se apressou em dizer, deixando a porta do carro aberta. — Todos nós a conhecemos bem o suficiente para saber que te arrumar uma babá é burrice.
— Sabem mesmo? — perguntou inclinando a cabeça. — Sua presença aqui demonstra o contrário.
— Olha, as coisas estão muito estranhas ultimamente. — tentou se explicar. — Não estou aqui como babá, mas sim como reforço.
— É uma simples viagem de carro de alguns dias, Miquéias! Já lidei com coisas piores!
— Não como a merda que tem rolado por aqui. — a expressão do homem estava seria. — Não é algo que esteja dentro do seu departamento. Mas sim do nosso.
— O que quer dizer? — Steven se intrometeu. Verena estava tão distraída com a discussão que aqueles dois poderiam ter fugido e ela nem teria notado.
— Verena lida com buscas, levando artefatos e coisas do tipo para Fátima. Vocês dois são a coisa mais viva com a qual ela já lidou. — Miquéias explicou anormalmente educado. — Já o meu pessoal lida com coisas vivas. Se é que me entende...
— Não. Eu não entendo. — Steven comentou sendo inocente como sempre.
— Ele é um assassino de aluguel, Steven. — esclareceu Verena. — O que ele quer dizer é que a situação por aqui está feia o bastante para Fátima achar uma boa ideia nos mandar como acompanhante a porra de um assassino profissional!
Assim que ouviu a palavra "assassino", Marc assumiu o controle do corpo do qual Steven cedeu tranquilamente. O homem ainda não estava acostumado com as partes feias do mundo por mais confiança que tivesse adquirido. Layla logo percebeu a mudança e deixou escapar um pequeno sorriso enquanto Verena permaneceu de olhos fechados com seu rosto virado para o céu.
Ele não tinha entendido boa parte do que estava acontecendo ali. A relação entre aqueles dois parecia conter uma boa quantidade de história mau resolvida da qual Marc não se sentia nem um pouco de vontade de se envolver. Mas o que ele sabia é que não gostava daquele homem.
Sua postura relaxada, sorriso frouxo e aparência planejadamente desleixada o incomodavam, assim como a forma com a qual lançava olhares nada discretos a Layla. Sem falar de sua atitude para com Verena. Assim, Marc podia não gostar muito da mulher, mas estava claro que ela se sentia incomodada com os avanços dele e Steven estava lhe enchendo a paciência em sua cabeça dizendo que aquilo não era coisa a se fazer.
Resumindo, seu humor não estava nadinha favorável.
— É, parece que essa tal de Fátima não é tão tranquila quanto você nos fez acreditar. — Layla falou cruzando os braços enquanto olhava para Verena. — Temos até um assassino de estimação!
Verena tentou, mas não conseguiu conter um sorriso ao mesmo tempo que o tal de Miquéias franzia as sobrancelhas escuras.
— Não sou um animalzinho de luxo. — resmungou o homem.
— Mas bem que iria combinar com uma focinheira. — Verena completou fechando a cara novamente. — Fátima poderia ter nos avisado sobre essa nova... Situação. E precisava mandar logo você? Não podia ter sido, sei lá, a Camila?
— Infelizmente, docinho, nossa amada Camila está fora resolvendo outras missões. — Miquéias explicou voltando a sorrir. — E eu me voluntarei. Todos estavam tão ocupados...
— É claro que fez isso. — a mulher revirou os olhos.
Marc permanecia em silêncio apenas observando toda aquela interação, seus braços cruzados em frente ao corpo e a testa franzida. Ele não fazia a mínima ideia de qual parte do país estavam e nem para qual parte iriam. O que dificultava seus planos de fuga. Já tinha pensado nisso algumas vezes desde que saíram do avião e até durante o vôo, mas as oportunidades que tiveram não eram das melhores e precisavam admitir que não tinham vantagens. Queria ao menos ter uma arma. Quem sabe assim poderia dar um tiro nos olhos daquele idiota que estava mais uma vez avaliando o corpo de Layla.
— Se continuar me encarando desse jeito, eu vou fazer você engolir esse sorriso no soco. — Layla ameaçou quase fazendo Marc sorrir. Aquela era a mulher por quem se apaixonou.
— Olha só, a gatinha tem garras! — Miquéias sorriu e piscou um olho para Layla.
Antes que o homem falasse mais alguma gracinha, Layla puxou seu braço pra trás e enviou seu punho direto para o nariz do moreno. Os gemidos de dor que ele soltou foram bem satisfatórios, precisava admitir. Marc por sua vez, apenas sorriu orgulhoso ao mesmo tempo que um tanto incomodado. Ela havia lhe roubado a desculpa perfeira para bater naquele cara.
— Mas que porra! — gritou retirando a mão cheia de sangue do nariz.
— Você bem que mereceu. — Verena falou olhando satisfeita para o líquido vermelho que escorria pelo rosto bonito do homem. — É mesmo necessário que você nos acompanhe?
— Sim... — respondeu ele com a voz anasalada. Parecia tão concentrado na dor que nem mesmo pensava mais em fazer gracinhas. — Mas fica tranquila, Vereninha. Não vou ser o único.
— E era pra isso me deixar feliz?
— Olha, sei que você não gosta desse tipo de situação. Mas as coisas por aqui estão muito malucas. — o homem começou a se explicar e Marc o olhou com os olhos cerrados. — Não sei exatamente o que Fátima pediu para você, mas sei que ela está surtando e não quer nem pensar em algo dando errado.
— Ela já lidou com coisas malucas antes e mesmo assim eu soube seguir perfeitamente com minhas missões sem problemas. — Verena se exaltou. Ela realmente não estava feliz com aquelas interferências. Marc se perguntava se aquilo iria interferir em seu pagamento. Era o único motivo que conseguia pensar para explicar seu estado de espírito.
— Verena, você não entende. É diferente dessa vez.
— O que você esta querendo dizer?
A expressão no rosto de Miquéias mudou. Algo dolorido passou por seus olhos que Marc percebeu não ter nada a ver com o nariz machucado. Era um tipo diferente de dor, mais profundo e ruim do que algo que poderia ser resolvido com alguns remédios. Ele sabia que as palavras seguintes do homem não seriam nada boas antes mesmo que ele abrisse a boca.
— Há alguns dias atrás aconteceu ataque a base de Catarina. Foi uma verdadeira confusão. Tiros pra todo lado, gente gritando! Eu nunca vai nada como aquilo na minha vida!
— Isso ainda não explica o que aconteceu. Catarina é a melhor de vocês e...
— Verena... — disse o homem com pesar. — Catarina morreu.
Desde que ouviu a notícia sobre a tal mulher que morreu, Verena pouco falou. Colocou suas malas e os poucos pertences de Layla e Marc no porta-malas do carro, deu um lenço para Miquéias enfiar no nariz e entrou no carro sem dar mais instruções.
Ele e Layla também se acomodaram nos bancos de trás e logo Miquéias entrou no lado do motorista, algo que confundiu bastante Steven por ser do lado "errado", e começou a dirigir. O homem até tentou reconfortar Verena assim que entrou, querendo falar algumas palavras, porém ela apenas o ingnorou e ficou olhando pela janela enquanto o carro começava a se mover.
Marc queria entender quem era essa tal Catarina e porque sua perda parecia tão significativa para Verena. O pouco que conhecia da mulher podia saber que ela iria lhe responder se perguntasse, a conversa que teve com Steven deixou isso bem claro, mas Marc sentia que não devia fazer aquilo. Ao menos não naquele momento. Só não sabia se essa sensação era causada por sua consciência ou se era Steven lhe fazendo ter noção das coisas mais delicadas.
A viagem durou quase quatro horas sem que os dois da frente falassem uma única palavra. Layla e Marc os observavam e as vezes conversavam entre si, mas não se demoravam muito nisso. Parecia errado atrapalhar o silêncio deles, então logo Layla havia dormido com a cabeça apoiada em seu ombro e Marc revezava entre olhar para o reflexo de Steven na janela e para o rosto vazio de Verena no banco da frente.
Steven também encarava Verena, obviamente preocupado. Marc sabia que se pudesse, o homem estaria soltando palavras de conforto para a mulher, lhe dando abraços e dizendo que tudo ficaria bem. Porém, tendo Marc visto a reação dela quando Miquéias tentou fazer o mesmo, decidiu que não era um bom momento para isso também. Se Verena havia ignorado aquele que conhecia Catarina assim como ela, não sabia o que ela poderia fazer com um mero alvo como Steven.
— Você tem uma impressão muito ruim dela. — Steven disse de repente fazendo Marc desviar seu olhar de Verena, que ainda olhava a paisagem pela janela.
— Não é como se eu tivesse muito parâmetro pra comparação. — Marc sussurrou de volta, tentando cumprir a difícil missão que era não ser ouvido em um carro tão silencioso.
— Você nem mesmo dá uma chance! Na primeira oportunidade já pensa o pior dela!
— Isso porque conheço esse tipo de gente!
— Não esqueça que você também foi esse tipo de pessoa, Marc! — Steven insistiu. — Ter uma profissão assim não faz de uma pessoa totalmente ruim. Apenas desafortunada.
— Estou começando a concordar com ela em uma coisa... — sussurrou irritado.
— O que?
— Você é mesmo muito ingênuo de ficar olhando o lado bom de todo mundo!
Marc olhou mais uma vez na direção de Verena e a pegou encarando-o de volta pelo retrovisor do carro. Ele não entendeu o que ela quis dizer com aquele olhar, mas não foi a primeira a desviar. Foi como se soubesse exatamente o que ele estava falando e não apenas tendo metade das informações de sua conversa. Antes que ele tivesse a covardia de desviar o olhar do dela, Miquéias diminuiu a velocidade do carro e entrou no que se parecia o estacionamento de um hotel.
— Ficaremos aqui está noite. — disse o homem, a voz rouca após tanto tempo sem falar nada. — Poderíamos continuar, mas a previsão é de chuva e eu não suporto dirigir com o tempo assim. Sairemos logo pela manhã.
Verena foi a primeira a sair do carro e Miquéias foi em seguida. Os dois pareceram ter uma breve conversa antes do homem seguir em direção a recepção do hotel deixando Verena para trás os aguardando.
Marc acordou Layla e logo os dois saíram do carro também e seguiram a mulher para dentro. Enquanto esperavam que Miquéias fizesse o check in de todos, os três se acomodaram em um canto, as expressões fechadas e sérias.
— Escutem bem, porque não vou repetir. — disse a mulher de cara feia. — Pedi que Miquéias desse um quarto separado para cada um de nós. Mas isso não quer dizer que vocês podem planejar sair por aí em fuga.
Nenhum dos dois se quer piscou com a informação, mesmo que na mente deles vários planos começassem a sofrer alterações. Ela estava mesmo confiando demais nela se pensava que não usariam uma oportunidade daqueles.
— A partir do momento que aquele imbecil começou a nos escoltar, existe pelo menos mais dez dele nos seguindo. — explicou Verena. — Fátima tem tantas pessoas em sua equipe quanto Harrow tinha de seguidores, então não é difícil que vocês se deparem com algum deles só de virar a esquina. Então não tentem fugir, pois isso só servirá para nos cansar e deixar vocês dois frustrados. Se não conseguiram fugir enquanto estávamos no seu território, agora que estão no dela será totalmente impossível. Não a subestimem e todos ficaremos felizes.
Nem Marc, nem Layla tiveram a oportunidade de dar uma resposta, pois logo em seguida Miquéias havia voltado com as chaves dos quartos em sua mão. Ele entregou uma para cada e pelos números era possível ver que ele tinha escolhido nos andares mais altos e no mesmo corredor. Marc não duvidava nada que poderiam ser todos quartos interligados.
Porém, por mais dificuldades que eles tentassem impor somando aos avisos de Verena, isso não queria dizer que Marc e Layla iriam desistir de fugir.
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