✧4✧
Acordo com a claridade, um raio de sol vindo da claraboia reflete em meu rosto. Abro os olhos perdida, ainda sonolenta demais para qualquer senso de localização. Os acontecimentos do dia anterior me acertam como um soco. Magia, ordens, trevas. Mentiras. Olho ao redor, na busca de algum indício do que fazer. Avisto uma bandeja em cima da escrivaninha, com algumas frutas, pão com manteiga recém derretida e suco de framboesa. Meu coração palpita com a ideia de a alguém entrando em meu quarto enquanto durmo. Porém, meu estomago roncando afasta o pensamento. Noite passada estava tão cansada que acabei dormindo somente com o lanchinho servido no trem. Levo a bandeja até a cama e avisto um bilhete apoiado embaixo do copo.
"Sala principal, 8 horas. Vista seu uniforme, sem atrasos"
Tudo que acontece nesse lugar parece ser feito para deixar inúmeros pontos de interrogação em cada pensamento que me cerca. Saboreando o delicioso pão caseiro, repasso o bilhete, tão perdida em minha fome que nem sequer sei que horas são. Olho alarmada para o quarto, buscando algo que me indicasse as horas. Será que eles sequer usam relógios? Ou apenas tem duendes que fazem isso por eles? Na cabeceira da cama, encontro um relógio digital. Pelo menos são modernos. Confesso que a ideia do duende parecia mais interessante, mas já basta de coisas magicas se tornando realidade. Forço os olhos para enxergar o marcador. 8:05. Droga.
Saio da cama em um pulo, correndo até o guarda-roupa. Procuro pela blusa com escamas que me lembro de ter visto noite passada. Os detalhes do tecido são impressionantes, de um preto fosco, realmente se parecendo com escamas sobrepostas. A blusa de gola alta justa, mangas compridas e um zíper que percorre toda sua frente, como uma blusa de frio. Logo encontro a calça, justa, porem confortável e calço um coturno. Termino meus cuidados o mais rápido que consigo, e faço o melhor que posso no cabelo para que se pareça com um rabo de cavalo alto. Saio do quarto correndo, batendo as portas de maneira desastrada, e logo me lembro de um detalhe importantíssimo: Estou no quinto andar. Corro pelos corredores, tentando relembrar o caminho feito pela mulher seria da noite passada. Passo pela passarela de vidro, olhando rapidamente para o ginásio enorme concentrado no centro, vazio. Encontro as escadas e desço-as correndo, sem me importar com a iminência de um capotamento catastrófico por seus degraus. Não seria nada legal no primeiro dia ser vencida por uma escada, quem dirá por vampiros e lobisomens, ou seja, lá o que esse lugar tenha de seres mágicos. Não quero descobrir tão cedo. Chego ao primeiro andar ofegante e viro à direita, refazendo o caminho que Erion fez ao chegarmos ao Instituto. Tudo já deveria parecer tão familiar? Chego ao final do corredor correndo e escorrego no mármore recém polido. Malditas pessoas ricas. A porta faz um estrondo quando trombo na mesma, abrindo um dos lados, e entro na sala me equilibrando para não cair. Escandalosa o suficiente para atrair o olhar de todos, já devidamente sentados e uniformizados. Sinto meu resto pegar fogo, tão forte a ponto de me questionar se meu elemento seria o fogo, pois meu rosto certamente está em chamas. Meu projeto de rabo de cavalo está todo esfarrapado, com fiapos por todos os cantos. A mulher robusta da noite anterior me olha das cabeças aos pés e cochicha com Erion, em um sussurro que penso ter ouvido:
―Tem certeza de que pegou a garota certa?
Erion parece hesitar por um segundo, como se realmente considerasse ter cometido um erro. Ele olha em minha direção, fitando meus olhos diretamente. Ele balança a cabeça afirmando, e a mulher se vira em minha direção, claramente não convencida com a resposta.
―Parece que finalmente podemos começar― Diz sem paciência― Sente-se, Lizzie.
Aproximo-me da cadeira vaga, ao lado de Rosie e Zara, e agradeço mentalmente pelo lugar desocupado. Aconchego-me de cabeça baixa, ainda sentindo o olhar de todo sobre mim. O olhar dele. Rosie dá uma risadinha baixa e cochicha:
―Bom dia princesa―Diz tirando sarro― Parece que vai precisar de um feitiço que te acorde na hora certa.
Olho para ela com o canto dos olhos, revirando os olhos, mas ainda soltando um sorrisinho no canto dos lábios. Essa garota acorda tão animada assim todos os dias? Sua empolgação me contagia, mas a incerteza também se faz presente, deixando meus batimentos levemente acelerados. Rosie possui uma energia cativante, faz com que eu me sinta sua a amiga há décadas, e não poucas horas. A mulher continua:
―Eu sou Odera, diretora do Instituto Boreal. Aqui, tudo se dirige a mim. Estarei presente na maioria de seus treinamentos e aulas, porém apenas como supervisora. Avaliarei as habilidades de cada um e providenciarei o arranjo em cada Ordem. Eu sou a voz da Luz nessa Instituição. ― Diz com firmeza e postura. Me endireito na cadeira de novo, alinhando minha postura na tentativa de parecer mais determinada. No fundo, eu só queria voltar para o meu mundo de silêncios e poucas pessoas ao redor― Como Erion adiantou para vocês, nós pertencemos a ordem da luz, e devemos fazer tudo que está em nosso alcance para mantê-la acima de qualquer força do mal. Nos próximos dias, vocês serão submetidos a altas doses de estresse e perigo, com o fim de que seus elementos venham a superfície.
Estremeço. Que tipo de perigo e estresse? Não é suficiente tudo que aconteceu nesse intervalo de tempo entre ontem e hoje? Não deixo de sentir medo e impotência, seria eu capaz de lidar com tudo isso? Teriam minhas forças sido completamente gastas no passado tentando garantir um futuro e não sucumbir à dor? Parece que essa sempre foi minha luta, e sempre vai ser. Rosie pigarreia.
―Sr. Odera, desculpe interromper, mas acredito que houve um engano. Eu já sei a qual ordem pertenço. Meus pais vieram da Ordem Exponentium, e meus dons já afloraram. Será que eu poderia começar meu treinamento dentro da Ordem? Não entendo por que estou aqui; ― Sentenciou a garota. A voz decidida, o olhar firme. Acredito ter sentido uma pontada de orgulho ao mencionar a família, e relembro o leve lampejo que seus olhos acusaram no trem.
Rosie já havia deixado claro que sabia grande parte de como tudo funciona, da existência de magia, além de já ter demonstrado certo domínio de suas habilidades. Todos a encaram como se fosse um extraterrestre. Em meio a tanta confusão e dúvidas por parte de todos, como poderia alguém ter tantas respostas, certezas e convicções? Odera arqueia uma das sobrancelhas, a voz firme como uma navalha, o olhar penetrante.
―Srta. Rosielly, acredito que seu caso seja mais complicado do que compreende― Ela fita a garota, como se tivesse falando com uma criança. Rosie se abala. ― Digamos que você seja especial, fora do usual no mundo Fascinium. De fato, seus pais foram membros importantes do Conselho Exponentium, mas você não pertence somente a essa ordem. ― Todos parecem mais confusos ainda, ansiosos com a possibilidade de entender alguma coisa com as novas explicações. Entretanto, minha cabeça continua a disparar balas de canhão nessa guerra vivida por meus pensamentos. E eu estou perdendo.
Erion continua
― Nós, Exponentiuns, somos responsáveis, além de todo estudo com a magia branca, encontrar pessoas do mundo mortal que sejam Faciniuns. Os poderes podem passar despercebidos por gerações, inertes dentro de cada um. Entretanto, há aqueles que emanam uma grande quantidade de energia, provinda de seus elementos inertes, ansiosos para se virem a superfície. Assim os identificamos, toda essa energia é canalizada e encontramos a localização de vocês, ou o mais próximo disso― Erion olha rapidamente para Adack, que tem sua respiração desestabilizada, quase imperceptivelmente.― Recrutamos aqueles que possuem maiores chances de manifestarem seus poderes, baseados na quantidade de energia que emanam tentando reprimi-los. A loira continua, tentando retomar a postura confiante, claramente abalada.
―Tudo bem, mas eu ainda não entendi. ―Diz, a voz levemente tremula. ― Eu não sou uma Exponentium?
―Sim, você é ― Odera reitera― Mas também possui um elemento original. Você possui duas ordens, resta descobrir qual a outra ―Seu tom é calmo e lento― Você é uma raridade entre os Faciniuns. Uma espécie de hibridismo enérgico―Ela oferece o que parece ser um projeto de sorriso― considere-se sortuda.
Apesar do conselho de Odera, Rosie parece certamente surpresa, abandonando a postura tranquila que sustentava até agora, juntando-se a nós no mundo das dúvidas não solucionadas. Seguro sua mão embaixo da mesa, dando um leve apertão, tentando reconforta-la. Ela me olha, os olhos azuis enevoados, indecifráveis. Parece que todos temos batalhas internas agora.
✧✧✧
Após algumas instruções de Odera sobre o funcionamento do instituto, como o horário de jantar, a intolerância com atrasos- Essa parte diretamente direcionada a mim- e os horários de treinos e aulas, ela se retira da sala. A rotina é bem pesada, com poucos espaços livres entre aulas de História da Magia, Estratégias de combate, Evolução de elementos, entre outras disciplinas que mal posso imaginar o que sejam, como Etiqueta Palaciana. Depois de tantas tentativas frustradas de obter respostas, nem me dou mais ao trabalho de fazer perguntas, apenas aguardo algo que sirva de solução para as dúvidas. Erion começa assim que a diretora deixa a sala:
― Bem, agora que a rotina de vocês está um pouco mais explicita, quero que me acompanhem.
Todos nos levantamos, entre cochichos. Zara, ao meu lado, ainda parece assustada. Penso em como me aproximar, nunca fui muito sociável e definitivamente não levo jeito para isso. Percebo que suas mãos tremem um pouco, então espero os outros se afastarem um pouco no caminho conduzido por Erion.
― Você está bem? ― Pergunto em tom baixo, o suficiente para que só ela ouça.
Ela fixa as mãos ao lado do corpo, e fica levemente corada.
―Estou sim, só estou.... com medo― Desabafa― Não entendo o que está acontecendo. Sinto falta de casa.
―Eu também estou apavorada. Porém, acredito que tudo acontece por um motivo, e se você está aqui, nesse grupo de pessoas que parecem incríveis, é porque é especial. Logo nos acostumamos com tudo isso― Digo, olhando ao redor. Paredes cheias de quadros de pessoas que eu não faço ideia de quem seja preenchem o ambiente, parecem ser importantes. ― Tudo vai se acertar. Os fins são novos começos.
Ela me olha agradecida pelo conforto, e retribuo com um sorriso. Logo em seguida, o grupo passa por uma porta de vidro, chegando ao grande ginásio central que eu havia avistado algumas vezes. O ambiente é mais gelado que o resto da casa, deixando-o um pouco mais intimidador. As paredes de vidro das laterais dão para as passarelas, eventualmente ocupadas por funcionários curiosos do instituto. A parede entre as passarelas é a mais assustadora, atraindo o olhar de todos. Zara volta a tremer e se aproxima de mim, inconscientemente. Erion nota nossos olhares e diz, enigmático:
―Agora é a hora de vocês escolherem o mais importante para a sobrevivência de vocês― Sorri, os olhos brilhando― Armas.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro