✧3✧
A plaquinha dourada reluz com meu nome. Lizzie Andromedi. A sensação de que é um nome desconhecido me percorre. As últimas horas me distanciaram tanto da minha vida normal que não consigo deixar de me sentir distante de meu nome. Não que eu tenha muita coisa para deixar para traz. Já tive perdas tão grandes que essa não parece algo a realmente se sentir. Um cristal transparente reluz fixando a placa. Porque três deles possuem cores que fluem como nuvens, e os outros seis apenas são transparentes? Quando vou me atentar aos outros nomes, a porta se abre novamente. Duas pessoas entram, claramente atordoadas. Uma garota magra, com no máximo 1,60 de altura, cabelos levemente cacheados e os olhos de um verde surpreendente, grandes como lanternas. Quando ela retribui minha encarada, percebo uma leve vermelhidão nos mesmos, ela com certeza andou chorando. Ao seu lado, um garoto da pele negra bronzeada, exibindo seu corpo extremamente forte em uma camisa justa. Seus olhos varrem o cômodo, procurando respostas. Pelo jeito, não vamos consegui-las tão fácil. Entretanto, o que mais chama atenção são seus olhos de um mel profundo, quase escuro. Torna sua beleza ainda mais estonteante. Eles ficam parados na porta. Erion se vira e ao vê-los diz, com certo entusiasmo:
―Ah! Finalmente chegaram, já estava me perguntando por que demoravam tanto. ― Sorri casualmente. Sua capacidade de fazer tudo parecer normal me assusta. ― Por favor, sentem-se ― aponta para as cadeiras ao redor da mesa de mármore, porem permanece de pé.
Olho de soslaio para Rosie, que fuçava os livros. Ela nota meu olhar e da de ombros, na tentativa de me acalmar. Por que tudo parece tão absurdo? Assumo a cadeira mais próxima, no meio do lado direito da mesa. Ao meu lado, Rosie se aconchega. Assim que me acomodo, olho para a cadeira se movendo a minha frente e vejo Adack, agora já tenso e apreensivo. O garoto negro senta-se ao seu lado. O nerd, fascinado pela sala e seus incríveis volumes (aparentemente curiosos e raros) senta-se à minha esquerda. Supostamente familiarizando-se mais com minha figura do que com a do garoto misterioso de jaqueta de couro e coturnos. Eu o entendo. A garota dos olhos verdes como uma floresta ao amanhecer é a última a se sentar, assumindo a posição ao lado do garoto com que chegou. Qualquer sensação de familiaridade é valida no momento. Após todos se sentarem, Erion começa, assumindo uma postura confiante e entusiasmada.
―Como disse anteriormente, a energia capaz de manipular os elementos possui dois caminhos distintos: o bem e o mal. A partir dessa divisão surgiram as duas ordens máximas: A Ordem Lux, ou da luz, e a Ordem Tenebrix, das trevas. Nós, no lado bom da força ― Ele da uma risadinha. Ele realmente está fazendo piadinhas com Star Wars agora? Ninguém esboça qualquer reação, e ele retoma ― possuímos o domínio da magia branca, representada pelos 4 elementos. Vocês, elementaristas, possuem um elemento original, nascido e carregado por vocês desde o começo. Entretanto, a florescência desse dom ocorre na adolescência e, em alguns casos, na vida adulta. Situações de estresse ou perigo podem aflorar o dom, trazendo-o a superfície do seu ser. A Ordem da Luz é dividida em 4 subordens: A Ordem das chamas, pertencente aos Fogariuns; A Ordem das águas, pertencente aos Aquariuns; A ordem do Ar, composta pelos Aerius; e a ordem da Terra, formada pelos Terrantius. Cada um de vocês pertencera a uma ordem quando seus elementos originais forem revelados. ―Ele diz, concluindo o raciocínio. O garoto negro pergunta:
―E você, qual seu superpoder? ―Erion revira os olhos pelo termo usado, mas responde
―Nenhum desses― Erion sorri satisfeito―Eu pertenço a outra ordem, diferente das Elementares, a Ordem Exponentium. Nossos poderes não se relacionam com os elementos, mas sim com a energia em si. Somos capazes de manipula-la em sua forma mais fundamental, desde deixar um ambiente mais leve― Sinto meus batimentos desacelerando, uma calma inundando meu ser, tudo parecia bem. Olho para Rosie de relance, relembrando de como me senti ao olha-la no trem. Ela percebe, e da um sorriso culpado. Pelo jeito ela já esta por dentro disso tudo e tem noção de seu espaço nesse lugar. Todos parecem relaxar juntamente comigo. ― Até a criação de espécies de feitiços, manipulando diretamente as cordas. Podemos dizer que somos uma espécie de bruxos? Porem sem varinhas― Faz outro trocadilho. Erion parece o típico adulto que tenta fazer piadinhas com o mundo mais jovem na busca de parecer descolado, mas, no fundo, é só mais um nerd inteligente e cheio de esquisitices. O garoto de óculos do trem, ao meu lado, solta uma risadinha abafada. Parece que pelo menos alguém o entende.
Absorvo todas as informações, ou parte delas. Então eu deveria me encaixar em alguma dessas divisões? Logo eu, que nunca consegui pertencer a nada além de um canto isolado no refeitório e uma família vazia. Todos permanecem quietos, aguardando mais informações do que parece ser a nova verdade desse mundo. Olho para as pedras, dispostas lado a lado acima da lareira, atrás de Erion.
―O que são essas pedras? ― Pergunto, apontando com a cabeça em sua direção. Ele se vira.
―Ah! Bem observado Lizzie. ― Ok, é muito estranho ouvi-lo dizendo meu nome sem nunca ter contado? ― Essas são as Pedras Primordiais ― Diz, tocando a ponta de cada uma― Elas estão diretamente ligadas ao centro de energia de cada um de vocês. Ao descobrirem seu elemento original, elas assumem a essência dele. ― Erion pega a pedra azul― Essa é a pedra de um Aquarium, possui a essência da água, e representa todo o poder existente em seu dono.
Então alguns de nós já sabiam suas ordens? Seus elementos? Por que todos parecem tão perdidos se já sabem o porquê de estarem aqui? Estreito os olhos, recontando as pedras. A conta não bate.
―Porque existem nove pedras, se estamos em seis? ―Pergunto olhando ao redor. Todos me olham, assumindo minha dúvida e encarando Erion, esperando a resposta. Ele sorri, enigmático mais uma vez.
―Bem, parece que vocês ainda têm pessoas para conhecer.
✧✧✧
Depois de encerrar nossa pequena reunião após uma chuva de perguntas desordenadas e caóticas, Erion deixa a sala dizendo que seremos guiados até nossos aposentos. Assim que deixa o ambiente, todos ficamos em silencio, em pé, nos encarando. Rosie pigarreia, e agradeço mentalmente por quebrar o silencio ensurdecedor.
―Acho que a gente deveria ao menos se apresentar― sugere, olhando ao redor esperando a reação de todos. ―Eu sou Rosielly, mas podem me chamar de Rosie.
Ela sorri levemente, ainda entusiasmada e nem um pouco assustada, ao contrário do resto.
― Eu sou Michael― Diz o garoto da pele bronzeada, entrando na onda da loira. Ele olha para Adack, ao seu lado, e da um leve cutucão em seu ombro. Ele revira os olhos, mas continua:
― Eu sou Adack― Com os braços cruzados, suspira. Levanta o queixo em direção ao garoto nerd. Ele ajeita os óculos, envergonhado.
―Meu nome é Azra.
O clima da sala começa a ser amenizado à medida que os rostos se tornam familiares, com nomes devidamente conhecidos.
― Meu nome é Zara― diz a garota dos cabelos levemente cacheados. Ela parece envergonhada, e abaixa o olhar por alguns segundos. Sinto vontade de abraça-la. Sorrio para ela, e ela retribui sem graça. Quando percebo, todos me encaram. Eu ainda não disse meu nome. Minhas bochechas queimam com tantos olhares atentos, mas tento manter a voz firme.
―Meu nome é Lizzie― Inconscientemente, olho para Adack, que pisca algumas vezes depois de ouvir meu nome. Era tão difícil dizer isso no jardim? Lembro que não cheguei a dizer meu nome a ele, que agora parece indecifrável.
Prontamente, as portas se abrem e uma mulher alta e magra, com cabelos perfeitamente presos em um coque, entra. Meu coração volta a palpitar, qual ser magico vai aparecer em seguida? Ela tem a expressão séria, tamanha classe que automaticamente ajusto minha postura. Ela olha todos de cima a baixo, principalmente a mim.
―Nossos criados vão conduzi-los aos aposentos de vocês. ― Ela abre espaço na porta para que passemos. Todos saem ordenamento, e acabo ficando por último. ―Lizzie? ― ela diz, entrando na minha frente quando vou passar pela porta. ― Você vem comigo― Ela fita meus olhos, com uma expressão curiosa. ― Seus olhos são realmente encantadores, as historias não mentiram quanto a isso.
Acho que ela percebe o quanto fico incomodada com o elogio, e sai sorrindo ao guiar-me para fora da sala. Vou atrás. Meus olhos sempre foram motivo de atenção direcionada a minha pessoa. Nunca gostei disso. Violetas como o cair da noite. Sarah dizia que era uma síndrome, conhecida como "Síndrome de Alexandria". Isso desde sempre me tornou foco de curiosidade, o que me incomodava extremamente, principalmente quando pequena. Crianças podem ser bem más quando querem. Diversas vezes pensei em usar lentes de contato, com o fim apenas de cessar os olhares nada discretos e os comentários cochichados. Subo as escadas do salão principal, toda feita de mármore branco, com detalhes em dourado. Ok, definitivamente, há gente rica envolvida. Subo outro lance no segundo andar. A casa parece ter uns 5 andares. Continuo subindo, até o último deles, o quinto. A mulher que presumo ser a diretora do Instituto me guia por um corredor que parece não ter fim, fazendo curvas atrás de curvas. Tento memorizar o caminho, com certeza vou me perder em tantos caminhos possíveis. Viramos mais uma esquina, e passamos por uma passarela de vidro, dando para o que parece ser o centro da mansão, um ginásio imenso. O chão coberto com tatame preto, cheio de divisões, dotado dos mais diversos instrumentos. Não tenho tempo para observar com atenção, pois logo viramos em outro corredor. Dessa vez me localizo, e reconheço que estamos de frente para o bosque. No meio do corredor, a mulher para abruptamente, quase me fazendo trombar em suas costas.
―Espero que esteja do seu agrado, seu pedido foi atendido― diz abrindo as portas duplas, dando espaço a um quarto enorme.
Eu a olho, desconcertada. Pedido? Como eu poderia fazer algum pedido se nem sei onde estou? Ela faz uma leve referência, o que não deixa de ser estranho, e fecha as portas atrás de mim, me deixando sozinha. O quarto é deslumbrante, uma parede de vidro cobre a parede mais externa, expondo uma vista incrível do bosque. A cama é enorme, com cobertores macios e finos. Uma escrivaninha fica na falsa parede oposta a cama, a qual da espaço para um banheiro iluminado, com uma banheira próxima da janela, diretamente de frente para o bosque. Vejo um bilhete em cima da escrivaninha e me aproximo, curiosa. Pego o papel em mãos, reconhecendo a letra.
"Espero que goste da vista, e que quando olhar para cima, lembre-se de mim e todo amor que tenho por você. Tudo vai se resolver, acredite."
Sarah
Meu coração aperta. Pelo jeito Sarah estava por dentro de tudo isso. Não consigo deixar de me sentir traída. Por que escondeu? Ou melhor, o que ela escondeu? Releio o bilhete e me lembro da possível diretora mencionando um pedido atendido. Olho para cima, e me sinto deslumbrada. Uma claraboia enorme cobre o teto do quarto, cobrindo a cama e a metade do quarto. Estrelas cintilam ao céu, como se dizendo olá. Sarah sempre soube da minha admiração pelo céu e tudo relacionado a ele. Não consigo pensar em algo que me traga tamanho fascínio quanto as estrelas, os astros, o universo. É tudo tão incrível e de uma complexidade alucinante, ao mesmo tempo que tem uma beleza tão simples e singela. Aperto o bilhete contra o peito, controlando a vontade de chorar. Sarah sempre foi minha guardiã, desde que eu me lembro pelo menos. Depois que meus pais morreram em um acidente de carro, Sarah assumiu os cuidados de mim e de meu irmão, Akillian. Vivíamos em Londres sobre a tutela dela desde que eu tinha 8 anos, e ele 13. Akillian era um adolescente revoltado e rabugento com os outros, mas comigo sempre fora carinhoso e atencioso. Éramos companheiros em algo que nenhuma criança deveria sentir: Dor. Lidamos de formas diferentes com a morte de nossos pais. Ele se fechou, vestiu uma armadura contra o mundo e fez da dor sua espada. Eu neguei. Eu não acreditava. Eu os esperava voltar, abrirem a porta da frente. Esperava ouvir o assovio de meu pai, ele sempre o fazia quando chegava. Até que os dias se passaram, e eu não o ouvia. As pessoas sempre se mostram proativas no momento da perda. Todos ao redor, pessoas que eu nem conhecia, todos prestando apoio. Entretanto, o que todo mundo não sabe sobre perdas é que elas doem depois. Elas doem quando você percebe que eles não vão voltar, que eles nunca mais estarão ali. E só o tempo te faz aceitar isso, e ele leva, além da atenção de todos, a esperança. E foi assim que eu lidei, eu perdi toda a esperança que tinha no mundo. Eles eram meu mundo, eles eram tudo o que eu conhecia. Tenho poucas lembranças, mas me lembro de correr por um gramado verde, ao redor de minhas risadas e pulos enérgicos. Até que veio a notícia. Eu estava no meu quarto, brincando com minhas bonecas, quando Akillian entrou no quarto, com os olhos arregalados e ofegante. Pegou-me no colo e desceu as escadas correndo, entrando num carro preto sem pegar nada, dizer nada. Tive tempo apenas de pegar um ursinho que amava, Sr. Bolo. Eu o chamava assim porque, claramente, amava bolo quando criança. Não me lembro de ter comido depois disso. Algumas feridas o tempo não cura. O motorista dirigiu o carro freneticamente, embaixo de uma chuva torrencial. Eu sentia tanto medo, Akillian me abraçava, as mãos tremendo. Dirigimos por horas, e acabei adormecendo. Acordei quando paramos na frente de uma casa. O som das buzinas e dos carros me assustando ainda mais. Não me lembrava de ter ido até a cidade até então. Sarah nos esperava debaixo de um guarda-chuva, com o rosto ansioso. Akillian me pegou no colo, ainda meio adormecida, e me levou ate dentro da casa, acompanhado da mulher que eu não reconhecia. Eu queria chorar, queria meus pais. Ele me levou até um quarto, recém pintado pelo cheiro de tinta. Depois disso, adormeci, mal sabendo que dormiria em uma vida, e acordaria em outra.
Afasto as memorias da minha infância conturbada. Já são coisas demais para processar, não preciso de traumas passados me atormentando agora. Agradeço mentalmente pelo pedido de Sarah, estar próxima das estrelas sempre me confortou. Deixo o bilhete em cima da escrivaninha e vou ate o banheiro. Minhas costas doem, cansadas da viagem e tensas. Tento massageá-las, apenas conseguindo sentir o quão doloridas estão. Ligo a torneira da banheira, deixando que água quente encha seu volume. O vapor inunda o ambiente, e respiro fundo. Tiro minhas roupas e entro na água morna, meus músculos relaxando automaticamente. Mil pensamentos correm minha mente, mas não consigo focar em nenhum. Estou cansada demais para isso, tenho informações demais para conseguir processar alguma. Termino meu banho e fico alarmada. Eu não fiz malas, como vou ter roupas? Coloco um roupão que estava debaixo da pia, cuidadosamente dobrado, e vou ate o quarto. Um armário grande se estende ao lado da escrivaninha, e o abro rezando para que pelo menos um pijama esteja dentro, caso contrário teria que desperdiçar minhas forças restantes atrás de alguém que pudesse me ajudar, só de roupão. Para o meu alívio- e surpresa- o guarda roupa esta lotado. Calcas e jaquetas pretas pendem do cabide. O tecido grosso, me lembrando a escama de um peixe. Olharei melhor depois, agora, só quero algo com que dormir. Abro uma gaveta, cheia de roupas intimas, todas novas e com etiqueta. Coro ao pensar quem teria as comprado. Pego o necessário e logo encontro uma camisola de seda. Agradeço mentalmente pela maciez da peça, carinhosamente acariciando cada pedaço de meu corpo. Me dirijo a cama, deixando que meu corpo caia no colchão. Minha cabeça lateja, e a visão da claraboia me atinge mais uma vez. Meus olhos pesam, e eu observo as nuvens correndo o céu noturno. Penso em Sarah, penso em Akillian. Saudade se tornou algo com que tive de aprender a conviver. Uma sensação me atinge, um frio na barriga, quantas dores mais terei de aprender? Não acho uma resposta, mas me lembro das palavras de Sarah. "Tudo vai se resolver". A parte de acreditar é mais difícil.
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