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As gotas de chuva se chocavam contra o vidro, descendo em pequenas trilhas até o fim. Pelo jeito mais direcionadas que meus pensamentos, que não sabiam quais trilhas percorrer. Lá fora, chuva agitava as árvores e pinheiros de um verde escuro. Já aqui dentro, a incerteza agitava todos aqueles presentes. Uma garota loira, por volta de 20 anos como eu, parecia extremamente confortável. No vagão quase vazio, sua calma se destacava. Utilizava roupas descoladas, uma jaqueta de couro e um par de coturnos. Ao me ver fitando-a, olhou diretamente para mim, e pude ver o azul inebriante de seus olhos. Uma sensação de calma percorreu meu corpo e ,consequentemente, solto minhas mãos, que apertava tanto a ponto de deixa-las brancas. A garota sorri levemente para mim, e retribuo inconscientemente, ainda sem entender nada do que estava acontecendo. Três bancos atrás dela, um garoto alto, com óculos grossos e um olhar um pouco agitado se move impacientemente em seu assento. Ele parece inteligente, com uma bolsa que presumo estar cheia de livros ou coisas de pessoas inteligentes. Tem cabelos castanhos claros curtos, e parece ser simpático. Porem acredito que agora não seja a melhor hora para qualquer tipo de socialização.
Já faziam, no mínimo, uma hora que eu havia embarcado na Estação Victoria, em Londres, onde vivia com minha tia Sarah, que aparentemente não teve nenhum problema em me entregar para um homem de meia-idade misterioso que estava em minha cozinha essa manhã. "Você precisa ir" ela disse, "vai entender tudo depois, eu prometo" e assim me abraçou, segurando lágrimas, e me deixou ir. Ela simplesmente me deixou ir. Espero que ao menos cumpra sua promessa, pois se tem algo que estou longe, além de casa, é de entender algo do que se passa. Como se ouvindo todas as minhas dúvidas, o homem responsável por meu "rapto" entra no vagão. Ele usa um sobretudo esverdeado, óculos redondos dourados e tem os cabelos loiros escuros um pouco bagunçados. Ele carrega um ar de conhecimento, sinto vontade de ouvir tudo que tem a dizer atentamente. De onde vem essas sensações estranhas? Ele passa os olhos por nós três, separados com certa distância em suas poltronas, e seu semblante franze.
―Onde está o garoto? ― Pergunta, esperando alguma resposta de nós três.
Sério? Mais perguntas?
A loira me olha rapidamente e da de ombros, respondendo pelo grupo. O homem revira os olhos e volta ao vagão de onde veio, impaciente. Alguns minutos se passam e, de repente, a porta se abre.
Primeiro fito suas botas de couro, descoladas, porem discretas. Seu jeans preto, levemente rasgado em alguns pontos. Uma camisa branca surrada e uma jaqueta de couro. Sigo o olhar pela trajetória traçada pelo meu cérebro, sem saber que havia mais a me surpreender. Seu rosto fino, com ângulos bem definidos e um maxilar travado. Olhos escuros como o céu noturno, dotados de um vazio iminente. Sem perceber, solto o ar que havia prendido e a garota solta uma risadinha baixa. Coro e desvio o olhar do recém-chegado, que parecia ter me notado e me fitava com cautela. Percebo-o arqueando levemente uma sobrancelha.
―Sente-se, já estamos quase chegando― O homem de sobretudo dá um leve empurrãozinho em seu ombro.
O garoto passa por mim, olhando diretamente em meus olhos. Sinto um arrepio percorrer minha espinha. E rezo para que eu não transpareça meu real estado. O homem pigarreia e começa:
―Muito bem. Primeiramente, meu nome é Erion, e vou ser o instrutor de vocês no Instituto.
Ok, agora sabemos o nome do meu raptador, mas, oi? Instituto? Sarah me mandou para um colégio interno? É isso? Talvez eu não tenha sido tão boazinha quanto acreditava.
―O que eu explicarei agora a vocês não vai parecer real, não vai fazer sentido, mas eu preciso que se esforcem para compreenderem tudo. É muito importante. ― Ele olha nos olhos de cada um, e vejo o garoto nerd estreitar os olhos e assumir uma posição de interesse. Erion respira fundo, e começa ― Na teoria quântica conhecida como Teoria das Cordas, nossa realidade nada mais é que minúsculas cordas regidas por energia. De modo que tudo o que conhecemos provem da variação dessas cordas. De fato, isso é verdade, mas o que a maioria dos humanos desconhece é que somos capazes de manipular suas cordas em seu estado mais primitivo. ― Não sou capaz de esboçar qualquer reação. Eu estudei sobre a Teoria das Cordas na faculdade de Astronomia, porém, como diz o nome, é só uma teoria aceita por alguns cientistas. Sarah me mandou para um internato de Astronomia? Algum tipo de curso? Ele continua― Entretanto, essa energia que rege as cordas vem de dois caminhos: O da Luz, e o das Trevas. Eu sei que parece clichê, mas isso sempre esteve presente na História da humanidade. O bem e o mal sempre estiveram em constante conflito, na busca de atingir o equilíbrio. Porém, é mais difícil do que imaginam. Tudo que aconteceu no passado, o que acontece no presente, e o que acontecerá no futuro, provém do embate dessas duas forças. Vocês, assim como todos da Ordem, possuem a habilidade de manipular essa energia, entretanto, por meio do meio mais primordial à vida humana: A natureza. Cada um de vocês possui a habilidade de manipular um elemento: Água, Terra, Fogo e Ar. No Instituto, vocês serão colocados à prova a fim de descobrir a qual Ordem pertencem. ― Ele para por um segundo, como se checando se estamos bem e não ao ponto de ter um surto nervoso, com certeza deve ser mais comum do que parece.
― Como assim manipular elementos? Superpoderes? ― O garoto nerd indaga, parecendo nenhum pouco convencido.
―Nós não nos referimos dessa forma, isso é coisa de humanos. ― Ele diz, apoiando-se no braço de uma cadeira.
―E o que nós somos senão humanos? ― Deixo as palavras escaparem de minha boca, saindo mais tremidas do que eu gostaria.
―Nós somos Faciniuns, uma espécie diferente. Coexistimos com os Sapiens desde os primeiros seres, porém, detemos habilidades especiais.
― E por que isso nunca foi descoberto pela ciência? Nunca foram achados fosseis ou algo do tipo? ― O nerd pergunta novamente, agora com certo desespero em sua voz.
―Porque nossas diferenças não são morfológicas― Ele explica― Nossas diferenças estão na Alma, no nosso sangue. Coisas que não podem ser detectadas em experimentos científicos. Nós possuímos bem aqui― Ele aponta para a região entre as sobrancelhas, logo acima do nariz― Um foco de energia responsável por captar a essência da Terra, a essência da luz ―ele inspira profundamente― Ou das Trevas.
Erion para por um segundo. Tento assimilar, mas tudo isso não parece passar de um filme. Um filme muito mal escrito. Então agora eu tenho superpoderes? Ou seja lá como eles chamam. Para onde estão me levando? Não me conforta nenhum pouco estar em um trem conduzido por pessoas que acreditam em poderes mágicos.
―Eu sei que parece loucura, mas assim que vocês chegarem no Instituto, as coisas vão assimilar melhor. ― Ele diz como se lendo a expressão de cada um. Menos a garota Loira, ela parece já ter ouvido tudo isso várias vezes, e fita suas unhas, despreocupada. ― O Instituto Boreal fica nas partes restritas da Floresta de Ashdown, lá vocês vão receber todo o treinamento e formação necessária para... ― Ele interrompe a si mesmo, como se quase tivesse revelado algo que não deveria― Bom, para aprenderem a lidar com seus elementos― Ele corrige, ignorando o fato de todos perceberem que estava escondendo algo, até a garota parece desconfiada, e o olha com as sobrancelhas arqueadas.
Não consigo sentir nada. Seria essa a mistura entre medo, ansiedade, pavor e choque? Nada? Olho para o garoto nerd, e ele parece estar processando um milhão de pensamentos ao mesmo tempo, os olhos indo de um lado para o outro. Ele para e olha para suas mãos, como se elas realmente fossem capazes de executar qualquer tipo de magia. Magia. Essa palavra ecoa em minha cabeça. Sempre foi algo tão distante e fictício, e o recente discurso de Erion parece ter colocado um peso extra: O peso da realidade. Aliás, o que é realidade, senão um conjunto das coisas que acreditamos serem reais? Algo tão frágil com limite no ponto de vista de cada um. A realidade é uma ilusão. Uma ilusão caótica, e agora, mágica.
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