Terceiro
A recepção dos convidados fora um martírio.
Liene fora obrigada a ficar de pé ao lado do trono do príncipe por quase duas horas; e se já não bastasse ter que repetir o "ritual" a cada dia daquela comemoração, ainda tinha que suportar os olhares lascivos que sua alteza lhe lançava sempre que se inclinava para cumprimentar cada nobre recém chegado. O evitava ao máximo desde o episódio em seu quarto. Ambos agiam como se nada houvesse acontecido, mas toda vez que sentia o olhar do Príncipe em sua direção era como se estivesse de novo nua e vulnerável.
Por sorte, a Rainha se sentiu disposta e estava presente na mesa do tablado e o Rei não convidaria Liene para sentar-se em seu colo como havia feito nos dias anteriores. Ela então deixou-se acomodar na mesa das damas para aproveitar o espetáculo das gêmeas acrobatas.
A jovem ficou extasiada com a dança das duas mulheres que se enroscavam, subiam e desciam em longas tiras de tecido como se fossem uma coisa só. A delicadeza dos gestos e a leveza dos sorrisos pareciam ter sido ensaiadas para se encaixar com maestria às músicas que Santiago tocava no centro do salão.
A voz suave e persuasiva do homem fazia Liene viajar em suas canções. Havia tanta verdade em seus versos que se ela fechasse os olhos poderia ver com clareza as torres de um castelo longínquo onde flâmulas coloridas tremulavam nas janelas em dias de festa, ou o jardim de flores azuis onde borboletas douradas viviam e os enamorados adoravam passear.
Naquele momento fugaz, Liene se sentiu tão livre que quase abriu seus braços para voar como as andorinhas do farol; porém se lembrou que havia nascido mulher, e que só por isso a ela não era permitido ter asas. Ela era uma flor que fora colhida. Enquanto fosse bela, seria uma das mais preciosas jóias do Rei; depois, seria descartada.
Quando tudo acabasse sentiria falta do som da voz de Santiago, sentiria falta de sua música, sentiria falta de sonhar. Pensava nisso quando fora atraída para as notas da nova canção. Diferente das outras, essa não soava alegre, era densa e falava sobre um antigo farol e a diferença entre estar vivo e ter razões para viver.
Ao olhar para Santiago, não teve dúvidas, a música havia sido feita para ela. Cada verso a atingia como as ondas de um mar revolto. Sentia-se confusa, mas Liene não tinha medo do mar, sabia que ele jamais a faria mal.
O fim da canção a trouxe de volta à realidade, estava no castelo novamente. Malabaristas se apresentavam no centro do salão, enquanto nobres cochichavam entre si, sem prestar atenção ao espetáculo. Tudo era sufocante e Liene se levantou para deixar o salão. Iria para seu quarto e tentaria dormir.
Com os corredores vazios, tudo o que ela ouvia eram os próprios passos e o murmúrio distante do salão que ficava cada vez mais baixo à medida que se afastava. Mas repentinamente ela ouviu um cantarolar no corredor que dava acesso aos estábulos, e antes que pudesse se impedir, seguiu a voz já tão familiar.
No pátio, Santiago ajudava mais dois homens de sua companhia a carregar uma carroça com o pagamento do Rei, que incluía desde mantimentos à artigos de luxo. Liene sabia que aqueles homens seriam castigados se fossem vistos próximos a ela, então permaneceu na escuridão que o corredor proporcionava e tentou chamar atenção do músico com uma rima.
— Oh, adorável andorinha, Que voa e revoa no final do dia... – disse e os três homens olharam na sua direção. Ela viu quando Santiago sorriu; ele trocou algumas palavras com os companheiros e veio até ela.
— Saudações senhorita. – ele a cumprimentou quando a escuridão também o envolveu.
Agora que o homem estava ali, Liene não sabia o que fazer. Por que o tinha chamado?
Durante um tempo, tudo o que ela fez foi encarar a silhueta dele na escuridão, até que seu desejo mais profundo se transformou em palavras.
— Como poderia um pássaro sair de sua gaiola? – perguntou ao relembrar o que ele tinha lhe dito no farol.
— Basta abrir a porta. – ele prontamente respondeu – Grades não são capazes de prender a própria liberdade.
Não poderia ser tão simples! Se ela tentasse fugir haveria consequências. Guardas viriam atrás dela, matariam todos os que a tinham ajudado, torturariam aqueles que ela amava e...
Foi quando ela se deu conta de que não havia ninguém há muito tempo. A única coisa que a impedia de escapar era o medo do desconhecido.
— Qual é o gosto da liberdade? – ela perguntou sem pensar. Esperou que a resposta viesse, como sempre, na forma de uma metáfora e nem sequer percebeu o que estava acontecendo até que Santiago colasse os lábios nos dela.
Um beijo. Doce e despretensioso. Diferente de todos os outros. Sem pressa para acabar. Sem intenção de despi-la, nem de usá-la. Apenas um beijo. Uma forma de carinho que ela nunca tinha experimentado.
Quando abriu os olhos, Liene se viu contra a parede. Viu também que Santiago tinha voltado para a luz.
— Amanhã à noite nosso navio partirá logo após a abertura do baile. – ele disse olhando para o céu – E um pássaro livre sempre é bem-vindo a nos seguir até o outro lado do mar.
Com uma breve mesura e um sorriso no rosto, o músico se despediu e subiu na carroça que o aguardava para ir até o porto descarregar. Liene não tinha palavras, nem ar, enquanto ria sozinha encostada na parede de pedra; mas tinha uma certeza: liberdade deveria ter mesmo um gosto semelhante ao de beijar alguém que se deseja e ser correspondida.
942 palavras
Habemus beijo!!! <3
Ei, você, obrigada por ter lido!
Imagem do castelo: http://www.sophienarses.com/portfolio-item/alpes/
Fonte da citação: Cinzel
Florzinha da citação: <a href='http://br.freepik.com/vetores-gratis/elementos-florais-decorativos_1081628.htm'>Designed by Freepik</a>
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