21. A Garota Que Saltou no Tempo
A casa do Senhor do Tempo era composta por uma sinfonia de relógios para todo canto em que olhavam. Engrenagens ocupavam todos os espaços da acolhedora residência. Enquanto Chronos, com suas curtas pernas, caminhava desajeitado, os trinta visitantes adentravam o local. Ele parecia apreensivo com o pedido dos magos.
— Vocês têm noção do quão perigoso uma viagem no tempo é? — Chronos arregalou seus enormes olhos.
— Temos ciência disso. Porém, a garota vale o risco. Ela precisa encontrar o príncipe perdido — Violeta falou com firmeza.
— Chronos, por favor, considere. Ela foi responsável pela queda da Feiticeira, devemos isso a ela. A menina vingou a morte de Merlin — Azul disse de forma a convencê-lo.
Por um breve instante Chronos pareceu refletir. Ao ouvir que a morte de seu velho amigo foi vingada pela loira, ele pareceu se convencer.
— Está bem. Vamos logo, não temos tempo a perder — O Senhor do Tempo se dirigiu a uma mesa com várias engrenagens ao fundo da sala.
Regina sentia-se inquieta, sem compreender o que estava acontecendo ao seu redor. A ideia de viajar no tempo parecia absurda e incompreensível para ela.
— Querem me explicar o que está acontecendo aqui? — A loira perguntou, indo atrás do homem-relógio. — Para começo de conversa, onde estamos?
— Essa é uma dimensão isolada de Fantasia, porém ainda estamos dentro do livro — Chronos respondeu sem olhar para ela, mantendo-se focado nas engrenagens que girava em um cajado em sua mão. Regina se surpreendeu com o fato de que ele tinha conhecimento que era um personagem.
— Se você é capaz de me fazer voltar no tempo, então invés de me fazer voltar quando encontrei Charles pela primeira vez, me faça voltar no tempo antes mesmo de ter entrado no livro! — Regina falou como se fosse a coisa mais óbvia a ser dita naquele momento.
— Receio não poder atender seu pedido. Meu poder é limitado a eventos que ocorreram única e exclusivamente dentro do livro.
Apesar de sentir uma leve decepção, Regina percebeu que essa poderia ser a única maneira de encontrar Charles. Se a viagem no tempo fosse a solução, ela estava disposta a embarcar nessa jornada. A empolgação começou a crescer dentro dela à medida que imaginava a possibilidade de adentrar uma máquina do tempo.
O homem-relógio, de estatura baixa, finalmente se voltou para ela. Seu olhar transmitia uma intensa seriedade. Em suas mãos, segurava um cajado azulado com uma ponta de metal, adornado por um relógio de ponteiros em sua extremidade.
— Vamos as regras: a viagem no tempo pode ser mutável. Dependendo das ações que tomar, toda a realidade pode ser ramificada e quebrada. Um único bater de asas de uma borboleta fora do padrão, causará uma ruptura desbalanceada e linhas do tempo paradoxais convergirão em uma destruição massiva de todas as realidades.
Regina se sentia o verdadeiro meme da Nazaré Tedesco, confusa e sem entender bulhufas do que ele falava.
— Em outras palavras, se você fizer merda todo o universo dentro de Fantasia vai deixar de existir — Bridge disse de forma seca ao notar o olhar de tonta da garota.
— Obrigada — Regina sorriu forçada para ela, voltando a ficar apreensiva em voltar no tempo.
— Em resumo, durante a viagem no tempo sua presença lá não poderá modificar os eventos que ocorreram. Tudo tem que ocorrer do jeito que era. Além disso, é imprescindível que sua versão do passado não a veja quando estiver lá — Chronos prosseguiu.
Verde Claro se aproximou de Regina lhe entregando o anel da invisibilidade para sua viagem, caso fosse necessário. Ela agradeceu com um balançar de cabeça.
— De igual forma, não poderá retirar nada nem ninguém daquela linha do tempo. Tudo o que fará é descobrir onde o príncipe se enfiou e onde está escondido, mas em hipótese alguma poderá trazê-lo de volta consigo para o presente.
Regina lutava para manter sua concentração, esforçando-se para memorizar todas as regras e instruções da viagem no tempo. Considerou até mesmo a possibilidade de anotá-las em um bloco de notas para ter um guia de referência. Lemoy, percebendo o quanto Regina estava nervosa, deu um passo à frente.
— Eu irei com ela — O pirata disse com determinação. Um sorriso se formou no rosto da loira ao ouvir isso.
— Está maluco? Se uma viagem no tempo já é perigosa com uma única pessoa, imagina então ter dois viajantes do tempo. Sendo o dobro das chances de serem vistos — Azul falou exaltado. O mago barbado certamente não ia com a cara do pirata.
— Seremos discretos. Vou me certificar de que ela não se meta em encrenca — Lemoy insistiu, se mantendo convicto de sua fala.
Os magos ainda permaneciam céticos, sem se convencerem completamente. Porém, Chronos, o guardião do tempo, expressou sua aprovação balançando a cabeça em concordância.
— Uma última coisa. Infelizmente os poderes do cajado temporal não são precisos. Não é possível viajar para o exato momento que deseja. Terá que saltar no tempo algumas vezes, até conseguir encontrar o momento desejado. Girem os ponteiros para trás quando quiserem voltar para o passado, e para frente quando quiserem vir para o futuro, ou seja, voltarem para o presente — Chronos estendeu o bastão para Regina.
Regina o pegou em suas mãos, sentindo a expectativa crescer dentro dela. Ao observar as vestes ensanguentadas de Regina, Bridge prontamente ergueu sua varinha em direção a ela. Mesmo que os ferimentos já estivessem curados, era necessário trocar suas roupas. Com um movimento da varinha, um conjunto azul-marinho de calça e blusa surgiu no corpo da menina. Bridge sentiu-se um tanto quanto tola por usar seus poderes dessa forma, como se fosse uma fada madrinha, mas Regina sorriu em agradecimento.
Antes de embarcar na viagem no tempo, a jovem verificou minuciosamente o conteúdo de sua mochila para garantir que tudo o que precisava estivesse lá. O pétaso mágico, capaz de impedir de sua mente ser lida, o anel da invisibilidade, que lhe proporcionaria discrição quando necessário, e um pote de acrílico contendo biscoitos para saciar sua fome durante a jornada. Regina sabia que estava devidamente equipada com tudo o que uma viajante do tempo necessitava.
Após colocar a mochila de volta nas costas, ela direcionou seu olhar para Lemoy, buscando apoio e segurança. Antes do pirata embarcar nessa aventura temporal, Vermelho entregou-lhe uma runa especial. Ele explicou que aquela runa funcionava como um escudo protetor, caso a situação exigisse. Bastava apertá-la no ar para ativá-la e usá-la como uma defesa. Por fim, recebeu uma jaqueta preta nova de outra bruxa, substituindo aquela veste rasgada e ensanguentada de outrora.
Regina seguiu as instruções de Chronos e girou os ponteiros do bastão para trás. No mesmo instante, um poderoso vórtice mágico surgiu no ar, irradiando uma tonalidade roxa e envolto por espirais giratórias. Ela engoliu em seco, sentindo o nervosismo tomar conta.
— Para nós, vocês sumirão apenas por poucos segundos e logo retornarão. Mas para vocês terá se passado um bom tempo — Chronos disse, conforme eles se viravam para escutar. — Espero que vocês não destruam toda a realidade e a vida como a conhecemos. Tenham um bom dia.
Regina deu um sorriso torto e então voltou seu olhar para o lado. Lemoy, em um gesto cúmplice, encontrou seus olhos nos dela e, sem hesitar, ambos se lançaram juntos pelo portal.
⌛
Regina e Lemoy foram bruscamente lançados ao chão, encontrando-se em meio à macia grama de uma floresta. Com um esforço determinado, Regina levantou-se rapidamente, tomando consciência do ambiente ao seu redor. Seus olhos foram imediatamente atraídos pelas árvores, cujas folhas exibiam um verde esmeralda encantador.
— Onde estamos? — Perguntou Lemoy se levantando.
— A pergunta certa deveria ser "quando é que estamos"? — Regina devolveu a pergunta, estendendo o cajado do tempo para o pirata.
Enquanto Edward girava seu corpo para trás, procurando por qualquer pista que pudesse indicar o momento que estavam, Regina decidiu avançar um pouco mais. Com os olhos semicerrados, ela lutou contra o brilho intenso do sol daquela tarde, esforçando-se para enxergar além. E então, a vários metros de distância, seus olhos se fixaram em uma carroça peculiar, puxada por um cavalo-marinho-terrestre, que deslizava graciosamente pelo caminho à frente.
Regina notou a presença de dois Soldadinhos de Chumbo posicionados na parte da frente da carroça. Mas foi ao olhar para a parte de trás do veículo, que ela ficou realmente chocada ao ver uma figura familiar — ela mesma, presa e sendo levada em direção ao castelo Alvarez.
Um misto de sentimentos invadiu a si naquele momento. Era como se estivesse se olhando em um espelho distorcido. A Regina do passado, a muitíssimos metros de distância, não conseguia vê-la de dentro da carroça, mas a Regina viajante do tempo podia enxergar claramente seu eu passado. Um turbilhão de pensamentos a invadiu, refletindo sobre todas as coisas que poderia ter evitado.
— Eu... Digo, Regina!! Cuidado com a Jasmine, ela não é uma mocinha!! — A viajante do tempo gritava para sua versão do passado, falando o mais alto que conseguia para que fosse ouvida.
— O que está fazendo? — Lemoy perguntou chocado ao vê-la gritar. Regina correu para outro lado, desviando dele e permanecendo a gritar.
— Vá direto atrás da Feiticeira!! Estará segura nas Páginas em Branco!! E pode confiar em Lemoy e Bridge...!! — Antes que pudesse falar mais qualquer coisa, o próprio Lemoy agarrou seu braço e a puxou para trás de uma árvore de grande copa. — Me solta! O que está fazendo?!
— M-Me desculpa — O pirata se desculpou a ver que a segurou com mais firmeza do que queria, ainda assim insistiu para que permanecessem escondidas atrás da árvore. — Você não pode interferir com sua versão do passado. Esqueceu-se das regras?
— Mas olha o tanto de coisa que passei que poderia ser evitado!
— Eu sei. É um saco, né? Mas você só chegou aonde chegou por ter passado por tudo isso. Sua versão do passado precisa passar pelo mesmo.
Regina olhou desolada de soslaio para a carroça que se afastava ao longe. Era uma cena triste, mas ela tinha que concordar com o pirata. Foi nesse momento que uma lembrança veio à tona: quando ela passou pela floresta naquela época, também tinha escutado alguém gritando seu nome. A mensagem não tinha sido ouvida claramente naquele momento, talvez devido à distância ou devido à intervenção do Autor. Então, ela percebeu que desde o início, quem tentou alertá-la na ocasião era ela mesma, vinda do futuro.
— Melhor irmos indo, estamos no momento errado — Regina disse em tom enfático.
O pirata, por sua vez, balançou os ombros pesadamente e então se sentou no chão da floresta, com as costas apoiadas na árvore atrás dele.
— Parece que não é assim que funciona. Eu tentei, mas o cajado não está abrindo um novo portal, deve levar um tempo até podermos saltar no tempo novamente — Ele disse, após seu ato de tentar conjurar um novo portal temporal ter falhado.
— Ata.
Regina, sentindo-se um pouco acanhada e sem ter muito o que dizer, decidiu sentar-se encostada na mesma árvore de cor esmeralda, mantendo certa distância do pirata. O som dos passarinhos ecoava ao seu redor enquanto ela observava as nuvens no céu. O silêncio pairava entre eles, sem assunto para iniciar uma conversa.
— Sabe, aproveitando que estamos aqui, tinha algo que queria lhe dizer... — Apesar de dizer isso, Lemoy olhava cabisbaixo para os próprios joelhos, sem coragem de encará-la.
— Então diga — Regina olhou para ele por sua vez, feliz pelo fato dele ter puxado conversa.
— É sobre aquele dia, na biblioteca do Drácula...
No mesmo instante, o sorriso desapareceu do rosto de Regina, substituído por um tom vermelho intenso em suas bochechas. Ela desviou o olhar, fixando os olhos timidamente em seus próprios joelhos, relembrando o dia em que o pirata mencionou a possibilidade de beijá-la.
— Aquilo... Aquilo não foi nada — Regina disse, tentando convencer mais a si mesma do que ele.
— Não mesmo.
— Não? — Ela olhou decepcionada para ele. Quando o homem de barba rasa a fitou, ela deu uma risada forçada a fim de disfarçar. — Digo, não! Claro que não.
— Regina, gosto de você. Sua coragem, seu bom coração e seu jeito divertido de ser conseguiram quebrar até a casca grossa de um cara marrento como eu. Mas, há mais contras do que prós. Um deles é que você é muito jovem para mim...
— Eu farei dezoito anos em algumas semanas! — Ela disse, como se tentasse convencê-lo de algo. O rapaz de vinte e seis anos ao seu lado nem era tão mais velho, e muitas vezes parecia mais infantil que ela própria.
— Há outras coisas além disso. Você é uma pessoa da terra firme, que ama ler. Eu, como diria a bruxa, sou um lobo do mar aventureiro que não consigo me manter fixo no mesmo lugar muito tempo.
— Não me importaria em ler enquanto navegamos pelo mar...
— Você é do mundo real, e eu sou o personagem de um livro — Lemoy disse de forma como se esse fosse o argumento final. Algo que não dava para ser mudado. Uma verdade dura e crua.
Regina encarava a dura realidade enquanto observava o pirata ao seu lado. Até aquele momento, ela não havia considerado o fato de que em breve teria que se despedir de todos e voltar para casa. A perspectiva de deixar para trás as pessoas que haviam se tornado importantes em sua jornada a deixava com um aperto no coração.
— Não quero que pense que me aventurei ao seu lado com segundas intenções. Nunca vivenciei uma experiência tão divertida em vida. Acima de tudo, te considero uma incrível amiga.
— Eu nunca pensaria isso — Regina disse, em tom de indignação.
— Você é jovem. Vai vivenciar várias experiências ainda em seu mundo. Terá seu primeiro beijo, que não seja em um príncipe desacordado que irá virar um sapo, terá sua primeira decepção amorosa...
— Quem disse que nunca beijei ninguém além do Charles?! — A loira pareceu ofendida com a possibilidade que ele cogitou, por mais que estivesse certo. — Além do mais, já tive minha primeira decepção amorosa.
Regina e Lemoy compartilharam uma risada cúmplice, conscientes de que haviam sido a primeira paixão um do outro. No entanto, paradoxalmente, também haviam experimentado a primeira decepção amorosa ao perceberem que não poderiam ficar juntos.
— Você também vai encontrar alguém. Bridge seria um bom partido — Regina provocou balançando seu ombro no dele. Lemoy fingiu estar com ânsia de vomito só em ouvir a possibilidade, fazendo a loira rir. — O que vai fazer quando tudo acabar, Lemoy? Seu navio naufragou e sua tripulação te traiu.
— Esqueceu-se que eu mantinha um tesouro enterrado em Comodo? Pretendo construir um novo navio e conseguir uma nova tripulação. Não é a primeira vez que começo do zero e, me conhecendo, nem será a última.
— Ao menos você tem o Larry ao seu lado — Regina tentou animá-lo. O pirata balançou os ombros pesaroso.
— Não sei por que, mas tenho o pressentimento de que ele não vai ficar muito mais tempo comigo. De toda forma, quero procurar pela família dele. Mesmo ele não querendo recuperar as memórias, não é justo eu levá-lo para essa vida de pirataria quando ele tem uma família por aí, buscando por ele e preocupados com seu bem-estar.
Regina olhou para Lemoy com uma admiração renovada. As virtudes do pirata eram muito maiores do que ela jamais imaginara ao ler o livro de Fantasia em sua infância. Ele estava longe de ser o vilão que o Autor o retratava.
— E você, Regina? O que fará quando voltar ao seu mundo?
— Bom, antes de mais nada vou descobrir quem é esse maldito Autor e acabar com a fuça dele. Mas, depois, vou dedicar meu tempo a estar com meu pai. Aprendi a dar valor, somente quando fiquei longe dele. Para isso, vou me livrar de tudo o que me distrai. Como meu vício em leitura.
Lemoy acreditava que Regina estava equivocada em sua dedução. Ele odiava livros, enquanto ela os amava, mas isso não significava que ela precisasse renunciar a quem era apenas para dar valor ao seu pai e sua família. Antes que ele pudesse expressar seu pensamento, a loira deu um leve tapa em seu ombro e apontou para um portal que surgiu diante deles, sem que eles sequer tivessem percebido.
⌛
Ambos surgiram na lateral de um imponente castelo, ocultos da vista da multidão aglomerada na praça ao lado. Lemoy ficou chocado ao presenciar a vasta quantidade de bruxas voando pelo céu, sendo Bridge uma delas. Além delas, os dois observaram a Regina do passado subindo alguns degraus em direção ao céu.
— Isso foi quando Bridge salvou minha vida de ser queimada na fogueira — Regina explicou para ele, sussurrando para que ninguém os visse escondidos naquele local. — Mas tem algo estranho.
— O quê?
— Pouco tempo depois que eu subi os degraus o castelo começou a pegar a fogo e então todos fugiram. Se bem que nem sei como começou o incêndio na ocasião.
Lemoy vasculhou o ambiente em busca de alguma coisa. Seus olhos pousaram na grandiosa catapulta, pronta para ser usada como arma de destruição. Ao lado, uma grande lata de óleo fervente aguardava seu momento de ação. Um sorriso maquiavélico brotou em seus lábios enquanto ele planejava seu próximo movimento.
Aproveitando-se do fato dos aldeões estarem distraídos com a fuga das bruxas, Lemoy agiu como um gatuno, usando suas habilidades sorrateiras de pirata. Ele se aproximou silenciosamente do Soldadinho de Chumbo, cujo bolso abrigava uma caixa de fósforos. Deslizou a mão e retirou o objeto sem ser notado.
Um brilho travesso reluziu em seus olhos quando ele retornou ao lado de Regina, satisfeito por ter realizado o furto sem levantar suspeitas.
— O que você fez? Não foi você mesmo que disse que tínhamos que passar despercebidos? — Regina o confrontou quando retornou, mas ainda sussurrando.
— É aí que está o problema. E se já fizemos besteira, sem nos darmos conta, quando voltamos no tempo? Se o castelo vai ter que pegar fogo, e até então não está queimando, nós mesmo teremos que o queimar.
Por mais que achasse aquilo loucura, Regina entendeu o que ele quis dizer. Com um movimento ágil e calculado, Lemoy lançou o fósforo aceso dentro da lata de óleo fervente. Uma explosão de fogo e calor irrompeu no ar, envolvendo a lata em uma cortina de chamas intensas. Ele então a ergueu e a colocou sob a catapulta.
Ao ver o brilho nos olhos de Regina, ele sorriu e deixou com que ela acionasse a alavanca. A loira então empurrou a alavanca da catapulta com força, lançando a lata incendiária em direção ao castelo, com um sorriso travesso em seu rosto.
— Só não vai virar uma piromaníaca — Lemoy a advertiu rindo.
O projétil incandescente voou pelo céu, deixando um rastro de faíscas e fumaça, até atingir o castelo. Uma explosão ensurdecedora ecoou, seguida por uma torrente de chamas devoradoras que se alastraram pelo edifício, consumindo tudo em seu caminho.
Com o castelo pegando fogo, e todos fugindo, tudo havia acontecido como deveria ser. Lemoy estava prestes a pegar o cajado e gerar um novo portal para saltarem no tempo, quando Regina o impediu.
— Espera. Tem algo que sempre quis saber, essa é a chance de descobrir — A menina falou, sem que ele entendesse ao que se referia.
Regina sempre alimentou a curiosidade de descobrir quem a havia resgatado, juntamente com Jasmine, quando um pilar de fogo ameaçava atingi-las. O misterioso herói permanecia desconhecido até então.
Após testemunharem Regina do passado adentrar o castelo em chamas para resgatar a princesa, a dupla verificou cuidadosamente se não havia ninguém por perto. Em seguida, eles seguiram furtivamente a versão do passado de Regina, adentrando a construção em chamas.
Lemoy e sua parceira permaneceram ocultos atrás de um pilar estrategicamente posicionado, garantindo que não seriam detectados. Com cautela, eles observaram a outra Regina se esforçando para resgatar Jasmine, tentando a fazer saltar através da janela enquanto subiam as escadas.
O pirata levantou os olhos e, para sua surpresa e horror, notou um pilar em chamas se desprendendo do teto, ameaçando desabar sobre as duas mulheres na escadaria. Pouco antes que o desastre se concretizasse, Dog surgiu diante das garotas, como se tivesse aparecido do nada. A presença dele ali era um possível prenuncio para a morte.
Sem pestanejar, Lemoy correu em direção às garotas com a runa que os magos lhe deram em suas mãos. O pirata se posicionou atrás delas, mas a cautela nem foi necessária, afinal elas desmaiaram devido ao susto de verem o pilar caindo. Com uma pressão na runa e erguendo-a acima de si e das duas garotas, um escudo poderoso se materializou, formando uma barreira protetora ao redor do trio e de Dog. O pilar em chamas, ao cair, foi repelido pelo escudo, desviando-se para o lado da escadaria e evitando assim uma tragédia iminente.
Com o fogo se alastrando pelo castelo, Lemoy segurou firmemente a versão do passado de Regina e a levou para fora do local em seus ombros. Enquanto isso, a Regina do futuro, com uma expressão de desgosto, teve que carregar a princesa mimada consigo. Com muito esforço, ambos conseguiram resgatar as duas jovens desacordadas. Um suspiro de alívio foi dado por Regina por terem conseguido tirar Jasmine do castelo, afinal o Autor não queria liberar ela do local até então.
— Onde vocês despertaram? — Lemoy perguntou, temendo que a qualquer momento acordassem e os vissem.
— Na entrada da cidade faroeste, ao final da floresta Esmeralda.
Os dois olharam para o lado, avistando a mesma carroça com o cavalo-marinho-terrestre que trouxe Regina do passado até aquele local. Ambos se entreolharam ao perceberem que o veículo estava desocupado.
A Regina viajante do tempo e Lemoy adentraram a parte da frente da carroça, deixando as duas jovens adormecidas nos bancos traseiros. Guiando o cavalo-marinho-terrestre, eles seguiram em marcha até a entrada da cidade faroeste.
Ao chegarem no local, afastados dos olhos dos aldeões que estavam em festa, Regina e Lemoy desembarcaram da carroça e cuidadosamente colocaram as duas jovens adormecidas no chão da floresta. Regina olhou para sua versão do passado, que ainda estava inconsciente. A menina que desmaiou não fazia ideia de que Lemoy havia salvado sua vida, antes mesmo de se conhecerem.
Lemoy já abria uma nova fenda do tempo com o cajado, quando Regina percebeu que faltava um último detalhe. Avistando uma cobra indo para o outro lado da floresta, ela rapidamente pegou um graveto e a atraiu em direção às duas jovens adormecidas. Regina do futuro deu um grito de medo quando a cobra avançou em sua direção, saltando no portal no momento que Regina do passado despertava e avistava a mesma cobra nas proximidades.
⌛
Eles se encontravam nesse momento ao lado de uma construção que Lemoy deduziu ser uma escola. À sua frente, um vasto campo florido se estendia, pintado por uma profusão de cores. Borboletas dançavam graciosamente pelo ar.
Regina puxou o braço de Lemoy com urgência ao avistar uma cena assustadora. Zumbis se aglomeravam do outro lado da escola, tentando desesperadamente adentrar pelas janelas.
— Meu deus. Por quantas situações malucas você passou antes de me conhecer? — O pirata estava chocado, escondido junto a ela pelo muro da escola, enquanto olhava de certa distância os mortos-vivos adentarem o local.
Regina avistou um pequeno par de asas douradas batendo no ar, voando bem ao lado deles. Assim que a viu ela chamou a atenção do homem de jaqueta, ao puxar a manga de suas vestes.
— Escuta, Lemoy, por nenhum motivo plausível nessa parte da história o Autor me mandou para essa outra realidade fora de Fantasia. Acontece que esse par de asas tinha uma carta muito importante quando eu a peguei, mas agora não a vejo nas asas. E daqui dá pra ver que esse momento ainda não aconteceu, veja por só!
Apontou para as janelas que os zumbis tentavam destruir, e então viram a versão dela do passado dentro de uma sala de aula em desespero.
Decidido em como resolver o problema, Lemoy utilizou seus punhos para quebrar uma janela ao seu lado. Ele estendeu a mão para dentro da sala de aula vazia e pegou um caderno e uma lapiseira de lá. Com a página em branco aberta à sua frente, ele se preparou para escrever.
— Fala o que estava escrito na carta e eu escrevo — Lemoy disse. Regina olhou para ele, descrente do que ocorreria a seguir.
— "Espero que esteja gostando dessa nova versão do livro" — Conforme Regina recitava lentamente o pirata tratava de escrever com sua letra de garrancho. — "Você é o meu experimento favorito. Atenciosamente...".
— Atenciosamente... — Lemoy repetiu enquanto escrevia. — Sim?
— "O Autor" — Regina falou assombrada. Lemoy olhou para ela, chocado de igual forma. A carta que Regina recebeu do Autor, na verdade haviam sido eles mesmo quem tinham escrito!
Mesmo em choque, Lemoy finalizou a escrita da carta escrevendo a observação e então, com outra folha do caderno, a dobrou até que se formasse um envelope. Guardou a carta no mesmo, e então a inseriu nas asas douradas. Ao receber o envelope, as asas passaram a voar ao horizonte, na mesma direção que a Regina do passado estava indo após um trator amarelo abrir a parede da escola.
— Lemoy... E se... — Regina buscava coragem para falar suas suspeitas. — E se nunca houve um Autor? E se eu, ao viajar no tempo, criei esse paradoxo na minha cabeça?
— Regina...
— Isso que eu chamo de puxar o próprio tapete!
— Hey, Regina...
— Ao menos é um belo plot twist — Regina exclamava, com convicção de que ela era a própria "Autora".
— Olhe! — Lemoy agarrou os ombros da garota em surto, e então a virou para trás.
Ainda atordoada, Regina notou uma placa estranha próxima ao local que Lemoy apontava. A placa parecia ter surgido do nada e exibia a mensagem:
"Belo palpite, mas errou de novo. Tente outra vez :)"
Com o rosto tomado pela fúria, Regina não conseguiu conter sua raiva diante da provocação do Autor. Com um chute poderoso, ela partiu a placa ao meio. Embora frustrada, sentia um certo alívio ao confirmar a existência do Autor, alguém a quem poderia direcionar sua ira quando finalmente o encontrasse.
Lemoy não conseguiu resistir e soltou uma risada diante da cena, se recordando, inclusive, do momento em que ela fez o mesmo na ilha de Comodo. Tal ato deixou a jovem ainda mais irritada. Em seguida, ele girou os ponteiros de seu bastão mágico, preparando-se para mais uma viagem no tempo.
⌛
Na penumbra daquela noite, a fraca luminosidade de uma lâmpada iluminava a pequena loja da vidente na ilha de Comodo. Lemoy tinha plena consciência de onde estavam, enquanto Regina observava atentamente o relógio na parede. O ponteiro indicava que a meia-noite estava se aproximando. Sabiam que o momento crucial estava próximo, quando a Regina do passado entraria naquela mesma loja.
— Quem está aí? — Carmen, a vidente, saia por de trás de uma cortina artesanal em direção a entrada da loja ao ouvir um barulho.
Lemoy entrou em desespero, pensando em se esconder. Mas, para sua surpresa, convicta dos seus atos, Regina deu um passo à frente com firmeza e surgiu diante da mulher ruiva.
— Meu nome é Regina Monroe. Pode parecer surreal o que vou lhe dizer, mas sou uma viajante do tempo. E preciso lhe dizer, a senhora irá morrer essa noite — Regina disse quando Carmen surgiu diante dela, deixando Lemoy atônito.
— Bom, isso é o que pode ocorrer com você, ou com qualquer outra pessoa a qualquer momento, hipoteticamente. Por isso nossa seguradora nos mandou aqui. Estamos aqui para vender um belo seguro de vida, prometo lhe dar um belo desconto — O pirata deu uma risada forçada, tentando remediar a situação causada por sua companheira.
— Nada disso, Lemoy — Regina o advertiu, enquanto ele olhava espantado para ela. A loira voltou o olhar para a vidente. — Sei que não deveríamos intervir com eventos do passado, mas, sabendo que você morrerá em breve, não posso ficar quieta sem dizer nada.
A vidente, com um semblante perplexo, estava sem reação diante deles. Porém, mesmo sob o olhar sério da jovem e o olhar assustado do pirata, um riso abafado escapou dos lábios carnudos da mais velha.
— Olha, sei que tem muita gente que não acredita em minhas visões, mas inventar uma besteira dessas só porque acham que sou uma charlatã? — Carmen disse, cruzando os braços enquanto estava prestes a expulsá-los de sua loja.
— Estou falando sério! Escuta, um homem chamado Chronos nos fez voltar no tempo...
— Espera. Você disse Chronos? — Carmen a interrompeu, erguendo uma sobrancelha. Regina assentiu com a cabeça. A vidente então deu um longo suspiro. — Aquele miserável, você não tem noção do quanto o odeio. Afinal, sendo ele capaz de observar todo o tempo passado, presente e futuro torna minha profissão quase obsoleta... Espera, se foi ele mesmo quem os mandou, isso significa que irei mesmo morrer hoje? Isso é verdade?
Mais uma vez Regina assentiu pesarosamente em resposta à pergunta de Carmen. Tanto ela quanto Lemoy sentiram um desconforto ao perceber o olhar surpreso da vidente diante da revelação.
— Mas, acredito que possa ser evitado... É só você sair daqui antes disso ocorrer. Será um pouco após a meia-noite. Um pouco depois que minha versão do passado chegar a essa loja.
— Quem irá me matar? — Carmen a confrontou, suspeitando que seu algoz fosse a própria versão do passado da menina diante de si.
— Não faço ideia. Não consegui ver na hora. As luzes se apagaram uma segunda vez, e depois que se acenderam vi que você estava com uma flecha em seu peito...
Antes que pudessem proferir qualquer outra palavra, perceberam um enorme pedregulho passando rolando em frente à porta fechada da loja. Uma sombra se aproximava da entrada.
Ao presenciar a chegada da outra Regina, Carmen puxou Lemoy consigo para o fundo do estabelecimento, buscando um lugar para se esconder. Enquanto isso, a Regina do futuro não teve tempo suficiente para segui-los, restringindo-se a permanecer na parte de trás de uma moldura dourada no canto da sala. Imóvel, ela torcia para que sua versão passada não a notasse ali.
— Com licença — Sua versão do passado disse ao adentrar, mas ninguém a respondeu.
Atrás da moldura, sentia seu coração disparar a cada passo que sua versão mais jovem dava em direção a si.
Assim que a Regina do passado chegou diante da moldura, sua versão do futuro imitou seus gestos, replicando de forma idêntica conforme ambas se olhavam. Com uma determinação disfarçada, ela se esforçou para parecer um espelho, evitando transparecer seu nervosismo.
Porém, a Regina que estava oculta atrás da moldura levou um susto ao perceber que a sua versão imitada estava vestindo uma calça legging rosa e uma camisa preta, enquanto a viajante do tempo estava com uma calça moletom azul-marinho e uma blusa da mesma cor. Sabia que seria apenas uma questão de tempo até a Regina do passado perceber a discrepância e descobrir que aquele não era um espelho real.
Foi nesse momento que a Regina do passado ergueu a mão em direção ao "espelho", fazendo a outra Regina imitar o gesto. Enquanto suas mãos se aproximavam, a viajante do tempo lembrou-se do anel da invisibilidade guardado no bolso de sua calça. Com discrição, tentou encontrá-lo com sua mão livre e colocá-lo em seu dedo.
Por um triz, ela conseguiu encaixar o anel no dedo anelar da mão esquerda, tornando-se invisível diante da outra antes que seus dedos se tocassem de fato. Movendo-se rapidamente e silenciosamente, dirigiu-se para trás das cortinas artesanais, exatamente quando Carmen emergiu de lá, pigarreando e distraindo a Regina do passado.
Ao adentrar o depósito apertado localizado no fundo da loja, atravessou uma segunda porta de madeira. Foi só então que Regina removeu o anel do dedo, voltando a se tornar visível diante de Lemoy.
— Temos que fazer alguma coisa — Ela disse ao pirata.
Ele tomou frente, fechando a porta trás deles com uma chave, e então a guardando em seu bolso interno da jaqueta, fora do alcance da menina.
— Lemoy?
— Ela decidiu isso, Regina. Não podemos fazer nada a respeito.
— Decidiu? Decidiu o quê?
Lemoy apontou para o teto do depósito, onde em uma pequena vidraça havia apoiado um arco de metal. O arco estava cuidadosamente posicionado, com uma flecha pronta para ser disparada inserida, apontado para o lado exterior do aposento. Ao lado da haste do arco, um dispositivo chamou a atenção de Regina. Era um aparelho intrigante, possivelmente um temporizador.
Aquele temporizador consistia em um mecanismo complexo, indicando uma contagem regressiva. Uma mola tensionada era visível, demonstrando que o tempo estava se esgotando gradualmente. À medida que a mola se desenrolava, o movimento era transmitido para os mecanismos internos do dispositivo, indicando que o gatilho seria acionado em breve.
Regina olhou pavorosa para ele sem compreender.
— Sabendo que ela morrerá hoje, a própria vidente quis orquestrar como seria seu ato final. Ela solucionou o mistério, foi a detetive do seu próprio assassinado — O pirata disse, deixando Regina chocada.
— Eu não posso deixar que ela morra!
— Ela escolheu isso, Regina — Falou mais uma vez, segurando seu pulso. Da mesma forma que a garota, ele também não estava feliz como tudo se desenrolou. — Se ela não morrer hoje, nós todos morreremos. O passado não pode nem deve ser mudado.
Regina olhou mais uma vez para o arco, e então se deu conta de que essa situação era inevitável. Quando menos se deu conta, os braços do pirata se envolveram em suas costas, conforme ela começava a chorar.
— Se eu não tivesse viajado no tempo e a avisado... — Regina se culpava enquanto chorava com a cabeça apoiada no abdômen do mais velho.
— Ela morreria da mesma forma. De outro jeito, mas morreria — Lemoy falou, passando seus dedos com anéis pelos cabelos loiros da garota a fim de reconfortá-la.
Lemoy e Regina estavam absortos em seu momento de conexão emocional quando, sem perceberem, o temporizador chegou ao fim. Um estalo ecoou no ar, marcando o início de uma sequência de eventos inesperados. A engenhosidade do dispositivo entrou em ação, liberando a tensão acumulada na mola e acionando o gatilho do arco.
A flecha foi lançada com velocidade impressionante, voando rapidamente através das janelas das salas adjacentes. Sua trajetória astuta e precisa foi projetada para atingir seu objetivo com precisão. Com uma habilidade surpreendente, a flecha passou perto das velas da entrada da loja, apagando-as brevemente e criando uma atmosfera de penumbra no cômodo onde Regina do passado estava.
Continuando seu percurso, a flecha bateu na quina de uma estante e depois em outra, demonstrando uma precisão impressionante calculadas incontáveis vezes anteriormente pela dona do objeto. Foi ao ricochetear por uma terceira quina, que a fez mudar sua trajetória, quando ela finalmente encontrou seu alvo: o peito de Carmen. A armadilha que preparou para ladrões, havia fatalmente sido usada para atingir a si própria.
Com um último gesto da pouca magia que possuía, a mulher ferida estalou os dedos silenciosamente, e as chamas das velas se reacenderam, banhando a sala em uma luz trêmula. Enquanto o brilho das chamas retornava, Carmen deslizou para além do véu da vida. No instante seguinte, o grito angustiado da Regina do passado, ao deparar-se com a morte de Carmen e com a presença de Dog ao seu lado, trouxe a dolorosa realidade à tona para Lemoy e a Regina que estavam no depósito, fazendo-os perceber que a ruiva realmente havia partido.
— Vamos indo — Lemoy disse, depois de se soltar de Regina.
Ela assentiu com a cabeça, secando as lágrimas enquanto ele usava o cajado para conjurar mais um portal.
⌛
Encontraram-se mais uma vez em uma floresta, com um riacho serpenteando pelas proximidades. Lemoy suspirou, frustrado com a aparente falta de progresso em suas buscas. No entanto, quando ele percebeu o brilho nos olhos de Regina, que se escondia atrás de uma pequena elevação perto do riacho, seguiu o olhar dela e direcionou sua atenção para o mesmo ponto de interesse.
No céu mais distante estava uma Harpia, voando bem próxima de Bridge em sua vassoura. Já no solo, um Centauro, um gnomo e o Saci estavam ao lado da garota loira do passado. Outro rosto conhecido por Lemoy também estava presente: Moria. Contudo, o vampiro estava encoberto por uma túnica roxa. Finalmente, diante de todos eles, repousando em um caixão de vidro, estava o príncipe de Fantasia: Charles.
— Chegamos — Regina disse em tom baixo para Lemoy, escondidos atrás da elevação, com um sorriso triunfante no rosto. A última peça para voltar para casa estava justamente no começo de sua jornada em Fantasia.
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