"É o sangue no olho, é a emoção da luta
Erguendo-se ao desafio do nosso rival"

— Survivor

Narração por: Julie Cavatti

Maranello, Itália
10 de fevereiro de 2025

Encostei a minha credencial no scanner ao lado da catraca e assim que o acesso foi liberado, eu passei por ela e finalmente entrei no prédio da Ferrari.

No dia de hoje vai acontecer a primeira reunião com todo mundo que vai trabalhar na temporada deste ano no time.

Ou seja, essa vai ser a minha primeira reunião como Engenheira de Corrida da Ferrari.

Eu deveria estar feliz e animada? Sim, com certeza.

Eu estou feliz e animada? Não, nem um pouco.

Meu dia começou a virar um porre quando eu estava fazendo o glacê e então eu sujei a minha blusa vermelha e não trouxe nenhuma outra extra. Ou seja, precisei lavar uma única parte da minha blusa na pressa e agora estou usando ela com uma mancha gigante de água bem na minha barriga.

Sobre o bolo, eu resolvi ser uma boa colega e fazer um bolo de boas vindas para o Hamilton. Eu sei que eu poderia encomendar um bolo ou simplesmente não fazer nada, já que ele provavelmente já vai receber algo da Ferrari, mas, eu quis fazer algo.

Eu não quero que a minha relação com ele seja algo puramente profissional e eu realmente gostaria que eu e Lewis fossemos amigos fora das pistas, então não me importo de fazer um bolo de boas vindas para ele para me aproximar dele.

E eu mesma resolvi fazer pois eu, como uma pessoa vegana, sei muito bem que não é fácil achar alguma confeitaria que aceite fazer pedidos veganos de bom grado assim, então eu mesma fiz toda a receita com as substituições que eu já costumo usar.

Respirei fundo e antes de realmente ir até a sala de reuniões, eu fiz o meu caminho de sempre e passei na cafeteria antes.

Se tem algo que sempre foi lei na minha família, essa coisa é: o dia só começa de verdade depois de um bom café, e então eu tenho meu pequeno ritual nos dias de trabalho: ir na cafeteria, pegar um bom café e finalmente começar meus afazeres.

Parei em frente a cantina e coloquei o bolo em cima do balcão, e olhei para o atendente que estava com um pequeno sorriso, enquanto me olhava, eu sorri de volta.

— Buongiorno, senhorita Cavatti.

— Buongiorno. Um macchiato com leite de amêndoas, per favore. — Sorri e ele assentiu, começando a preparar o café.

Bati as minhas longas unhas pintadas de vermelho no balcão de mármore, pensando em diversas coisas aleatórias enquanto esperava a minha bebida ficar pronta, mas, então senti alguém tocar o meu ombro, e quando olhei para trás, vi Vasseur me olhando com um sorriso no rosto.

Sorri para ele e ergui a mão, para que ele apertasse — Bom dia, Vasseur.

— Nós já passamos dessa fase, Julie. Venha cá. — Ele abriu os braços e eu ri, abraçando ele.

Eu e Frédéric nos conhecemos em 2023, depois dele ter sido anunciado como chefe de equipe para a temporada. Como eu realmente gosto de ser uma boa colega, eu resolvi dar as boas vindas para ele e apresentar a sede em nome da equipe, entregando uma caixa de cupcakes para ele.

Sim, eu gosto de presentear as pessoas com comida.

Enfim, acabou dando certo pois a partir daí eu e Fred tivemos uma ótima relação tanto profissional, quanto uma boa amizade.

Vasseur sempre disse que eu sou talentosa e forte e que se eu me mantivesse com as minhas ambições em mente e trabalhando duro, eu com certeza chegaria longe na minha carreira e ficaria bastante feliz de me ver chegar lá.

E acho que chegamos exatamente nessa situação agora.

— Eu soube da promoção. Estou orgulhoso de você, garotinha. — Frédéric falou quando soltamos o abraço.

— Obrigada.

Percebi outra pessoa se aproximando de nós e quando olhei na direção, dei de cara com Lewis Hamilton olhando para mim e para Fred e minha única reação foi ajeitar a postura e tentar lembrar como respirava.

É óbvio que, trabalhando a tanto tempo na Formula Um, eu já tinha visto ele algumas vezes andando pelo paddock ou dando entrevistas, mas eu nunca tinha visto ele de tão perto ou sequer tinha falado com ele.

Ele estava usando uma calça preta e uma blusa grande e vermelha, Hamilton estava quieto e com as mãos dentro dos bolsos da calça, as mangas da blusa paravam na altura do seu cotovelo, deixando as tatuagens dos braços expostas, o cabelo não estava trançado, como costumava ficar em tempos de corrida, mas ele prendeu o cabelo em um coque baixo.

Nossa...

Minha mãe, com certeza, não errou quando falou que ele é um gato.

Eu e Hamilton ficamos nos encarando por alguns segundos – que mais pareciam horas – sem dizer uma única palavra, até Frédéric pigarrear e começar a dizer algo.

— Bom... Lewis, essa é a Julie Cavatti. — Fred ficou ao meu lado, e eu sorri para Hamilton — Ela vai ser a sua Engenheira Mecânica.

Estendi a mão para Hamilton — É um prazer te conhecer, Sir Lewis...

Ele olhou para a minha mão por um tempo, até finalmente apertar a minha mão — É um prazer conhecer você também, Julie... — Ele sorriu para mim — E... Pode me chamar só de Lewis...

— Claro... — Sorri e então peguei a caixa que eu tinha colocado o bolo — Eu já estava esquecendo, toma! — Estendi a caixa para ele — Tomei a liberdade de fazer isso em nome da equipe, como uma espécie de boas vindas... Espero que você goste, é tudo vegano!

Ele pareceu meio desconcertado, pegou a caixa e abriu, mostrando o bolo de chocolate coberto por glacê branco, tinha o símbolo da Ferrari no meio e "Benvenuto in famiglia, Lewis!" escrito em glacê vermelho.

Ninguém além do próprio Hamilton sabe o que aconteceu entre ele e a Mercedes, mas há quem diga que o chefe de equipe da antiga equipe dele começou a tratá-lo com descaso e desfazer dele como piloto, e aí ele resolveu mudar para a nossa família.

Ele, com certeza, está se sentindo desconfortável com essa mudança. Foram mais de dez anos na mesma equipe, sempre priorizando eles acima de qualquer coisa, e agora ele veio parar em um lugar diferente, um lugar que ele não conhece praticamente ninguém, pois ninguém do time antigo aceitou vir com ele.

Acho que receber boas vindas é realmente importante para ele.

Ele olhou para o bolo e depois para mim, seus olhos estavam brilhando e ele tinha um sorriso de orelha a orelha.

— Bem-vindo ao time, Lewis... — Sorri para ele e seu sorriso aumentou um pouco mais.

— Obrigado... De verdade... — Ele praticamente sussurrou e eu assenti.

Vasseur espiou a caixa na mão de Lewis e então olhou para mim com uma feição de falsa chateação.

— Eu ganho cupcakes e ele ganha um bolo inteiro? Eu que sou seu chefe, Cavatti.

Revirei os olhos — Seus cupcakes eu encomendei, o bolo dele eu fiz. Não sabia se algum lugar aqui aceitaria fazer um bolo vegano, então eu mesma fiz.

Hamilton virou para mim — Sinto muito ter dado esse trabalho...

Neguei com a cabeça e fiz um afago rápido em seu ombro — Imagina! Eu quis fazer e essa já é a receita que eu uso normalmente.

— Normalmente? Você também é vegana? — Hamilton perguntou e eu assenti, ele sorriu — Legal...

Eu sorri e então Frédéric pigarreou e se colocou entre mim e Lewis, tocando nossas costas e andando conosco até a sala de reuniões.

— É muito bom que vocês tenham se dado bem, agora... Vamos trabalhar!

— Benvenuti a tutti!* — Vasseur se arriscou em falar italiano com o seu sotaque francês bem forte — Eu fico muito feliz de começar mais uma temporada ao lado de vocês... — Frédéric olhou para nós e sorriu — A temporada passada foi muito boa para nós e eu sei que podemos fazer uma temporada ainda melhor esse ano.

Nesse momento, algumas pessoas espalhadas na sala olharam para Hamilton, que se mexeu desconfortavelmente na cadeira ao meu lado, apoiando o rosto na mão, enquanto ignorava os outros e olhava para o nosso chefe.

Todos nós sabemos que um dos possíveis acordos do Lewis com a Ferrari, é que ele traga algo além de algumas vitórias para a equipe, mas querem que ele traga títulos para nós.

Mas mesmo assim não significa que ele não vá ficar deslocado aqui, foram muitos anos trabalhando com as mesmas pessoas e agora ele está sozinho em um lugar que ele não conhece, com pessoas que ele não conhece e com a pressão de títulos em cima dele por parte da equipe.

Quase fomos campeões mundiais de construtores no ano passado, de fato. Mas os dois pilotos estavam conosco há anos e o time inteiro já estava estabelecido. Hamilton acabou de chegar, ele definitivamente não precisa de mais uma pressão nas costas.

Fiquei um pouco frustrada com aquela situação, mas resolvi ficar quieta e apenas tocar o ombro de meu novo colega que me olhou e eu dei um pequeno sorriso pra reconforta-lo, então ele sorriu de volta e eu o soltei, olhando para frente outra vez.

Frédéric pigarrou, chamando a atenção do resto do time e voltando a falar.

— Como nós já sabemos, temos alguns novos colegas para essa nova temporada... — Fred olhou para Hamilton — Lewis? Quer se apresentar?

Olhei para o homem ao meu lado, ele está sério, os braços tatuados estão apoiados em cima da mesa e os dedos estão cruzados e o rosto apoiado entre eles.

Meu Jesus Cristo. Esse homem não deveria existir.

Balancei a cabeça levemente e voltei a olhar para Lewis, esperando alguma reação.

Ele se mexeu na cadeira, descruzando os dedos e encostando na cadeira.

— Ciao squadra. — Hamilton falou com um pequeno sorriso — Meu italiano ainda não é muito bom, desculpem. — Ele coçou o pescoço levemente — É uma honra me juntar a vocês nessa nova fase, eu... Espero conseguir realizar muitas coisas pela equipe e poder fazer parte da família.

— Você já faz parte da família. — Vasseur sorri para ele levemente.

— Grazie. — Ele sorriu e cruzou os braços, tensionando os bíceps.

— Mais alguém quer falar algo antes de começarmos? — Frédéric olhou para outras pessoas na mesa, e todos negaram — Então, vamos começar...

Vasseur pegou o pequeno controle de apresentação, apontou para o telão branco e clicou em um botão, mostrando um slide escrito "FeedBacks".

— Charles... — Frédéric chamou o monegasco, que olhou para ele com atenção — Já que você está conosco a mais tempo, o que acha de dar seu FeedBack a respeito do último carro?

— Claro... — Leclerc sorriu e se ajeitou na cadeira — No geral, o carro do ano passado tinha boa estabilidade em curvas de baixa velocidade, mas sentimos muita dificuldade em curvas de alta. A traseira perdia aderência facilmente, o que complicou minha confiança. Outra coisa: o desgaste dos pneus traseiros era um problema constante em corridas longas.

— Ano passado, o Sainz me relatou o mesmo problema na traseira... — Eu falei e engoli seco — Ele me pediu um chassi* que permitisse ele ser mais agressivo, na época. Ele também reclamou de como era a velocidade em linha reta não era competitiva, especialmente contra a McLaren na hora de decidir o título.

— Eu concordo com o que ela disse. — Charles falou para mim, com um pequeno sorriso — Nas últimas corridas, o carro já tava bem melhor, o meu desempenho em Abu Dhabi mostra isso, mas eu senti a mesma coisa.

Enrico Gualtieri, o diretor técnico, estava passando a mão no queixo — Entendido... Então, a nossa meta será manter a estabilidade em curvas lentas, mas melhorar a eficiência aerodinâmica para curvas rápidas e retas. — Ele olhou para o diretor de engenharia aerodinâmica — Diego, você pode falar sobre o trabalho inicial na aerodinâmica?

— Claro. — Ele se mexeu um pouco na cadeira e deu um sorriso — Estamos explorando uma filosofia de design para nos deixar ainda mais competitivos esse ano, com foco em um assoalho mais eficiente para gerar downforce* sem criar muito arrasto. Isso deve ajudar na velocidade em linha reta. Também estamos considerando uma asa traseira ajustável mais eficaz para maximizar o uso do DRS*.

— Isso ajuda com os problemas de velocidade, mas e o equilíbrio? — Apoiei meu rosto na minha própria mão — Como estamos com o chassi, Serra?

Olhei para Loic Serra que pigarrou — Estamos revisando a distribuição de peso e rigidez estrutural para melhorar a entrada de curvas e a aderência traseira. Vamos usar novos materiais que reduzem o peso sem comprometer a resistência. — Ele olhou para os pilotos — Como vocês preferem a configuração de direção? Mais direta ou progressiva?

— Eu prefiro uma direção progressiva. Gosto de sentir o carro se ajustar gradualmente nas curvas. — Charles falou.

— E quanto a você, Lewis? — Serra perguntou, olhando para Lewis.

Lewis esteve calado durante a reunião inteira, ele coçou o próprio pescoço e olhou para Loic — Eu prefiro algo mais direto. Quero que o carro responda instantaneamente aos meus comandos.

— Dependendo da pista, tem como criar sistemas ajustáveis para atender os dois estilos de pilotagem. — Bryan Bozzi, o engenheiro de Leclerc falou.

— Além disso... — Telma Bianchi, a estrategista do time disse — Precisamos alinhar o conceito do carro às estratégias de corrida. Vamos priorizar um carro mais eficiente em ritmos de corrida ou maximizar a performance de classificação?

— Boa pergunta. — Frédéric disse e olhou para os pilotos — O que preferem?

— Minha prioridade é o ritmo de corrida. — Leclerc falou — Um carro consistente nos dá mais chances de pontuar alto mesmo se largarmos fora do top 5.

— Concordo em partes. — Lewis afirmou — Eu acho que precisamos ser mais agressivos na classificação. Estar na frente no grid facilita a estratégia de corrida.

— Nós precisamos de um meio-termo. — Gualteri comentou e encostou no estofado da cadeira — Um carro eficiente em termos de downforce ajustável deve atender ambos os objetivos.

— Então, o plano seria: melhorar a eficiência aerodinâmica e velocidade em linha reta, depois ajustar o equilíbrio para maior aderência em curvas rápidas e entrada mais responsiva... — Vasseur começou falando — Depois, desenvolver opções de setup para atender diferentes estilos de pilotagem e por fim, priorizar o ritmo de corrida sem sacrificar a classificação.

— Ótimo. — Enrico respondeu e passou a mão no queixo — Alguém tem algo a acrescentar?

— Eles deveriam testar os ajustes no simulador. — Falei e cruzei os braços — Pelo menos até os carros ficarem prontos e eles testarem na pista.

— Sim. — Hamilton concordou ao meu lado — Seria bom fazer testes comparativos com os setups desde o começo.

— Concordo com eles. — Leclerc disse.

— Ótima ideia. Obrigado a todo mundo. Vamos trabalhar nisso. — Fred sorriu — Vamos focar em ganhar pontos, fazer um bom carro e garantir que o campeonato seja nosso esse ano! Estão liberados.

— Finalmente! — Bozzi se espreguiçou e olhou para mim — Ei, brasiliana topa um cafézinho antes de irmos para os ajustes?

Percebi Hamilton franzir a testa ao ouvir o nome "brasileira" sair da boca do engenheiro, mas ignorei e apenas sorri para meu colega.

— Não vai rolar, Bryan. Já tomei café hoje. — Respondi e ele deu de ombros, se levantando — Pede pra a Telma, ela vai aceitar... — Falei e ele riu, se afastando.

— Desculpa me intrometer... — Hamilton falou ao meu lado e se virou na cadeira, olhando diretamente para mim — Mas é impressão minha ou ele te chamou de brasileira?

Eu ri e tirei meus fones — Não é impressão. Todo mundo aqui me chama assim.

— E você é brasileira? — Ele segurou o queixo, passando a mão pela barba.

— Sou, nasci e cresci lá. — Respondi com um pequeno sorriso — Vim pra Itália na época da faculdade...

Ele deu um pequeno sorriso — Isso é bem legal...

— Sim. — Dei um sorriso de volta — Você tem um treino de simulador agora, é melhor ir logo...

— Claro! Nós nos vemos depois, então. — Ele levantou e saiu da sala.

Observei Lewis se afastando, a imagem dele se perdendo entre as outras pessoas que saíam da sala.

A adrenalina da reunião ainda pulsava em minhas veias, mas agora um novo tipo de emoção me tomava conta: a expectativa.

Ele havia sido receptivo, amigável, e até um pouco tímido.  Aquele sorriso, aquele olhar... Era difícil não sentir uma pontinha de esperança.

Talvez, só talvez, a nossa relação profissional pudesse se transformar em algo mais.

Mas era cedo para pensar nisso.

Por enquanto, eu precisava me concentrar no meu trabalho, em ajudar o Lewis a se adaptar à Ferrari e, quem sabe, a conquistar o campeonato. 

Afinal, a temporada estava apenas começando, e a corrida pela glória já havia começado.

N/A:
OIIIIIIII GENTEEEEE
Como vocês estão? Espero que bem!
Esse capítulo devia sair no natal, MAS, eu sou muito boazinha, saiu hoje, então esse é o presente de vocês, amaram?
Espero que tenham gostado do capítulo e tenham paciência com a tia aqui.
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Beijo meus amores! Até o ano que vem! Feliz Natal e próspero Ano Novo.
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