A Ressaca Moral
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Esse casamento deveria ser meu.
Era a frase que martelava em minha cabeça, enquanto passava meus dedos nervosos nas flores do corsage em meu pulso e observava os últimos detalhes da organização do casamento.
O clima parecia estar contra mim, o sol em São Lourenço estava radiante, mesmo que ainda não fosse nem 10 horas da manhã. Os funcionários corriam de um lado para o outro levando cadeiras e vasos de flores para o salão do hotel. Xinguei baixinho milhares de vezes, por ficar no quarto de frente para o grande espetáculo.
Caminhei até o espelho para fazer uma última checagem. As camadas de corretivo foram capazes de encobrir uma noite mal dormida, mas a ressaca moral ainda estava estampada em meu rosto, quem olhasse bem de perto, conseguiria ver o quanto estava quebrada com toda situação.
Apesar de o vestido azul celeste escolhido para as madrinhas, parecer ter sido feito sob medida para mim, definitivamente, não era a cor que gostaria de estar usando quando Ian estivesse no altar.
Ajeitei as ondas em meu cabelo, ao mesmo tempo que ouvi as batidas na porta do quarto. Abri, com o coração acelerado, com medo que fosse Ian em minha frente, mas suspirei aliviada quando vi Jéssica, minha melhor amiga, apoiada no batente da porta usando seu vestido lilás.
— Pensei que teria que pular a janela do quarto pra te acordar — ela entrou, sem cerimônias — O recepcionista disse que você chegou muito tarde, chorando, sem os sapatos e...
— Sem um pingo de dignidade — completei, antes que ela pudesse me fazer recordar ainda mais da noite anterior.
— Maya, o que rolou? Pensei que você fosse na despedida de solteira da Alexia.
— E eu pensei que não encontraria o Ian antes de ele estar no altar, prestes a dizer sim pra aquela psicopata.
As coisas entre mim e Ian sempre foram complicadas. Éramos melhores amigos desde o primeiro dia de aula no jardim de infância, éramos tão inseparáveis que a maioria das pessoas acreditavam que éramos irmãos. Mas foi na adolescência, depois de ele me defender de uns colegas idiotas, que vi todo o sentimento se transformar no mais simples e ingênuo amor.
Foi como um estalo, uma chavinha virada para o lado contrário e de repente, o jeito que Ian mexia seu cabelo levemente ondulado, não me irritava mais, só me fazia dar suspiros.
Comecei a pensar que passar o resto da minha vida ao lado dele não seria uma má ideia, mas todas as chances que tive para contar sobre meus sentimentos, foram vencidas pelo enorme medo de perde-lo, de tudo ficar estranho entre nós e de não tê-lo mais como meu melhor amigo.
Cada parte do meu corpo doeu quando ele começou a namorar Alexia, uma influenciadora digital metidinha, que se achava incrível apenas por ter milhares de seguidores nas redes sociais.
Fingi estar feliz por eles, enquanto meu estômago queimava e o nó na garganta quase me impedia de respirar. O namoro que jurei que duraria alguns meses, durou três anos e terminou em um pedido de noivado incrível no restaurante mais famoso da cidade.
Ficar noivo aos 26 anos, não era uma coisa que eu esperava de Ian.
— O que realmente aconteceu? — Jéssica perguntou se sentando na beirada da cama, despreocupada com o casamento que aconteceria em menos de uma hora.
— Fiz o que você me pediu. Tentei ignorar o casamento e fui me divertir, mas não na despedida de solteira da Alexia, fui em uma balada aqui perto. — sentei ao lado da minha amiga, segurando sua mão — O Ian estava lá e me chamou pra sentar com ele.
A boca de Jéssica se abriu de leve, sabia que seu olhar era de piedade.
— Foi tão ruim assim?
— Foi, mas não como achei que seria — suspirei fundo, tão fundo, me lembrando da noite passada.
Quando vi Ian sentado em um dos bancos do bar, rodando um copo com uísque, senti vontade de sair correndo de lá, mas ele sorriu amistoso quando me viu, erguendo o copo convidando para me juntar a ele.
Não é uma boa ideia beber com o problema que você quer esquecer.
— Pensei que você fosse sair com a Alexia, se soubesse que não iria, teria te chamado pra minha despedida de solteiro... fracassada, como você pode perceber. — Ian sorriu, olhando em sua volta.
A coisa que eu mais gostava em Ian era seu sorriso, longe de ser perfeito, os dentes debaixo eram um pouco tortos, mas aquilo o deixava ainda mais incrível.
— Não quis chamar seus amigos? — questionei, finalmente me sentando.
— Não curto muito isso. — ele bebeu um gole do líquido — Além do mais, você é a minha única amiga e achei que sairia com a Alexia.
— Acho que eu estar naquela despedida, é a última coisa que a Alexia quer.
Ian sorriu de lado e encarou o balcão, pensativo, mas em seguida, pediu ao garçom mais bebidas.
— Então vamos no divertir na minha despedida — ele ergueu o copo, brindamos e o líquido desceu queimando minha garganta.
Bem que sempre me disseram que quando a bebida entra, a dignidade sai.
Rimos bastante, lembrando da nossa adolescência e todas as coisas que passamos juntos, se nem termos noção do que estávamos prestes a fazer.
— E lembra no sétimo ano quando você ficou com o Arthur? — Ian comentou, quase perdendo o fôlego de tanto rir — E depois dei uma surra nele, por ter sido babaca com você.
— Jurava que você ia me pedir em namoro depois daquele dia e amanhã seria o nosso casamento — continuei rindo, mas quando Ian fechou o sorriso, raciocinei o que saiu da minha boca e também parei de rir. Cada gota de álcool parecia ter evaporado do meu corpo — Não foi isso...
— Não — ele ergueu a mão, me impedindo de continuar — Você realmente acreditava que poderíamos ficar juntos?
— Acho melhor eu ir embora — puxei minha bolsa e me levantei, disposta a correr dali para debaixo das cobertas, me martirizando pelo resto da vida por soltar aquelas palavras.
— Maya, espera — Ian segurou meu pulso, não deixando eu dar mais nenhum passo — Me responde isso, por favor.
Sentei novamente, não tendo outra alternativa.
— Sei lá, Ian. — dei de ombros — Uma parte de mim acreditava nisso, até você começar a namorar a Alexia.
O corpo de Ian despencou no banco, ele encarou o balcão, bebeu o resto da bebida em seu copo e começou a balançar os pés em um ritmo descontrolado.
Eu era uma burra, uma grande estúpida por falar aquilo, por escolher aquele momento para confessar uma coisa que estava comigo há anos.
— Mas relaxa, isso não muda nada — coloquei minha mão em seu ombro, fingindo estar tranquila com a revelação — Agora eu realmente preciso ir embora, é a noiva quem atrasa e não a madrinha.
Burra, burra, burra.
Passei pela porta e quando estava do lado de fora, respirei aliviada, encarando o céu estrelado da cidade. Deixei a lágrima presa em meus olhos escapar, para o peso sair do meu peito.
— Na verdade, — ouvi a voz de Ian atrás de mim — saber disso, muda tudo, May. Tudo!
Engoli o choro e limpei a lágrima rapidamente.
— O que você quer dizer com isso? — cheguei mais perto, ficando frente a frente com ele.
— Passei anos acreditando que você nunca quis ficar comigo. Passei minha adolescência inteira reprimindo meus sentimentos porque achava que você era incrível demais pra mim, e se eu não pudesse ser seu namorado, não podia correr o risco de não ser mais nem seu amigo. Bati no Arthur porque ele fez o que eu sempre quis fazer e senti raiva por isso, não foi porque ele era um galinha, foi porque ele foi corajoso pra te beijar.
A lágrima que limpei, deu lugar a outras. Meu peito subia e descia, assim como o dele.
— Então era só a gente ter falado? — foi a única coisa que consegui dizer, em meio as lágrimas escorrendo.
— Você sentia a mesma coisa? — sua mão deslizou em meu rosto.
Dessa vez, seu toque foi diferente de todos os outros.
— Quando estava com você, sentia como se pudesse vencer uma guerra. Você sempre foi minha fortaleza, meu ponto de equilíbrio. Era pra cá — coloquei minha mão em seu peito — onde eu corria quando tudo começava a desabar na minha casa. Achei que você não ia querer ficar com alguém como eu, pensei que sempre me via como a amiga esquisita, também pensava que era melhor te ter como amigo, do que não te ter.
Pela primeira vez, vi Ian chorar. Não vi aquilo acontecer nem no enterro de seu pai, mas ali na minha frente, ele estava chorando como um bebê.
Ian encostou sua testa na minha, segurou meu rosto com as mãos e ficou com olhos fechados, parecendo guardar aquele momento em um lugar especial da sua memória.
— Queria que as coisas tivessem sido diferentes — ele sussurrou.
— Desculpa ter feito isso — sussurrei de volta, fazendo nossos lábios quase se tocarem — Você vai se casar amanhã. — afastei.
Neguei com a cabeça e corri até um dos táxis que ficavam parados na porta da balada, prontos para levar um bêbado para casa, mas acabaria levando uma garota semi-bêbada e com o coração em pedaços.
Fechei a porta o mais rápido possível, mas Ian correu em minha direção e bateu na janela, implorando para conversar.
— Me tira daqui — implorei ao motorista.
— E foi por esse motivo que cheguei com a maquiagem borrada, descabelada e sem um pingo de dignidade.
Jéssica estava estática, com a boca ainda mais aberta.
— Fala alguma coisa, por favor.
— Merda, Maya — ela chacoalhou meus ombros — Não acredito que tudo isso aconteceu e você ainda tá aqui, pronta pra ser a madrinha dele. Por que você não escolheu outra hora pra falar isso? Tipo, dez anos atrás.
— Sempre preferi me sufocar com as palavras. Simplesmente peguei todos os meus sentimentos e trancafiei em algum lugar, por ser insegura demais.
— Por que vocês não fugiram daqui? Vocês precisam viver essa história de amor.
Jéssica era uma escritora de romances clichês e tinha certeza que seu peito estava explodindo por estar vendo uma história daquelas de camarote.
— Acorda Jéssica, não estamos no seu livro onde tudo acaba bem no final. O Ian vai se casar com a Alexia e não seria capaz de largar tudo pra fugir comigo — revirei os olhos, mas ela estufou o peito, esperançosa — Você acha que ele seria capaz de desistir do casamento?
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