Prólogo
No Solisticio de Verão, durante o fenómeno raro da Lua de Sangue, a filha mais velha da rainha das fadas fora brutalmente assassinada.
Nessa mesma noite, junto do corpo da princesa, a sua irmã mais nova chorava, as mãos encharcadas de sangue, o corpo coberto de manchas negras, os resíduos físicos de magia negra. Com o coração a bater por vingança, a rainha declarou-a culpada, vendo com desgosto o choro desesperado da princesa, enquanto era levada para as profundezas da Terra, onde o ar é escasso e a solidão é grande.
Durante dez anos, a rapariga sofreu as torturas que os lacaios da mãe lhe faziam, enquanto a rainha procurava uma maneira definitiva de vingar a sua herdeira. Durante dez anos, pois o tempo das fadas é eterno e paciente, a rainha ponderou, com o coração frio e indiferente ao sofrimento da filha. Por fim, a sentença foi decidida e a rainha, sentada no seu trono, ergueu-se, ordenando aos seus súbditos que trouxessem a culpada para a superfície.
No reino dos humanos, na floresta densa, o povo feérico aguardava. Era raro saírem do reino das fadas, escondido noutra dimensão, por isso traziam cada um uma lança, o medo daquela raça impura e mortal a encher-lhes o peito. Murmúrios foram ouvidos quando a rainha apareceu, majestosa no seu vestido branco, os cabelos apanhados num penteado formal, a coroa perfeitamente equilibrada no topo da sua cabeça. Ao seu lado, a sua terceira filha vestia-se igual à mãe, ainda uma criança, que se esforçava por ignorar os gemidos de dor provenientes da irmã, que era arrastada à força por dois soldados mesmo atrás de si.
O povo formou um círculo à volta da acusada e da rainha, ambas posicionadas no centro. A princesa, irreconhecível pelos cortes e sangue que a cobriam, forçou-se a erguer a cabeça, enfrentando o olhar frio da mulher que outrora fora sua mãe. O ódio fervia no seu peito e cuspiu os restos de sangue seco na direção da mulher, pequenas gotas atingindo o seu vestido branco. Ignorando-a, a rainha ergueu o pescoço, falando para os seus súbditos, que aguardavam ansiosamente para saber o que iria acontecer com a princesa.
- Esta é Ella, a assassina da princesa e minha herdeira Nadika. Nadika era uma fada honrada, viria a ser uma excelente rainha, não merecia o destino que teve.- a audiência urrou em concordância, fazendo a mulher endireitar-se ainda mais, encorajada- Esta rapariga à minha frente estava presente quando a minha filha morreu. Alega que não se recorda do que aconteceu.- fez uma pausa, olhando quem outrora foi sua filha- Mente com todos os dentes que tem na boca. O sangue nas suas mãos e as manchas de magia negra acusam-na. O sangue da minha filha foi derramado por esta criatura...
- Já disse que não me lembro do que aconteceu, quantas vezes mais terei de repetir o mesmo?- rosnou a acusada, tentando levantar-se- Não tenho qualquer memória do que aconteceu a Nadika e nunca lhe faria mal, era a minha irmã!
O som da rapariga a cair no chão ecoou pela floresta silenciosa. A mão da rainha fervia, a marca dos seus dedos na cara ferida de Ella. A criança, angustiada, fechou os olhos e encostou-se à sua ama, escondendo o rosto nas suas vestes.
- Nem mais uma palavra, mentirosa.- recompondo-se, a rainha alisou as vestes e olhou para o seu povo, o rancor bem presente nos seus olhos- A sentença está decidida. Ella, que outrora foi minha filha, aqui traço o teu destino: pelo poder que me foi concedido pela Mãe Natureza, expulso-te do reino das fadas para toda a eternidade. Irás viver entre os humanos, rodeado por eles e sentirás a sua dor. Sou a balança entre o mal e o bem e como tal, chamo a Magia Negra para este círculo e entrego-lhe a minha filha.
Ella gritou. O seu corpo magro retorceu-se e sentiu a escuridão envolver-lhe o peito, manchas negras cobrindo-lhe o corpo. No pulso, uma árvore negra surgiu-lhe, cheia de espinhos e folhas negras.
Um ruído denso envolveu o povo, o mal presente entre eles, reclamando a acusada para os seus domínios.
- Essa árvore representa a dor que irás sentir. Sempre que falares, a tua voz marcará quem estiver a ouvir-te e sentirás toda a sua dor. Uma folha, uma pessoa. E como vês, as folhas são infinitas. Partilharás o sofrimento de quem marcares, sentirás cada arranhão, cada dor, física e emocional. Tudo o que terás é dor, dor e escuridão.- aproximou-da rapariga, que se sentia a ferver, os olhos arregalados de dor- Fadas não perdoam, Ella.
O coração de Ella parou de bater, inundado de escuridão. Exausta, a rapariga caiu ao chão, dirigindo um último olhar à sua irmã mais nova, a única que iria sentir a falta naquele reino mesquinho e traidor. Sentiu-se afundar, as trevas rodeando-a como uma sombra. Pouco a pouco, o seu coração voltou a bater mas nunca mais bateria da mesma forma.
O corpo de Ella desvaneceu aos poucos, o mal levando-a para longe dali, cuidando da sua nova princesa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro