Capítulo 9
Stiles Stillinski observava o seu pai com atenção, tendo perdido a conta às vezes que se apanhara a fazê-lo. O homem à sua frente estava bem longe de parecer alguém que fora possuído por um qualquer demónio do Submundo, ou lá como se chamava. Parecia apenas mergulhado num sono profundo, o som da máquina ligada ao seu corpo a anunciar a existência de um coração vivo no seu interior.
Noah Stillinski não tinha feridas, marcas, nem mais nem menos rugas. Tudo estava igual, por dentro e por fora. A única coisa diferente é que, fosse como fosse, o Xerife não acordava. Nada o fazia acordar. Nem sequer a ausência da voz do filho, que se tivesse acordado com certeza iria achar alarmante.
Lydia, por sua vez, encarava Stiles. Recusara-se a abandoná-lo, insistindo com Scott que era ali que tinha de estar. Com o moreno hiperativo que sempre a salvara. Com o rapaz que adorava, à distância ou como estavam agora, ela sentada na única poltrona da sala e Stiles de pé, as mãos de ambos firmemente entrelaçadas.
No entanto, não estar a ajudar Scott não fazia diferença; Lydia sabia exatamente onde ele estava. Se fechasse os olhos, conseguiria seguir a linha que a unia a Ella, vendo o que ela via. Sem saber como, Lydia sabia que, até a missão de Ella estar concluída, aquela ligação permaneceria intacta, uma ligação como nenhuma outra. E, ao lado da fada, sempre perto do acontecimento, Scott acompanhava-a, pronto a ajudar.
- Eu tenho uma ideia.- ouviu Stiles dizer, com a voz rouca.
Os olhos de ambos cruzaram-se. Lydia sabia que era dotada de uma inteligência extraordinária mas Stiles completava essa inteligência, arriscando como Lydia não arriscava, tendo ideias malucas como Lydia não tinha. Stiles sempre via o ponto da situação, o grande plano. Lydia era mais metódica, perfeccionista.
- Há uma maneira de ver o que o meu pai viu antes de ficar assim.- Stiles ajoelhou-se à sua frente, ficando ao mesmo nível que ela- Pensa comigo: se aquela fada tem razão e um demónio ou lá o que é anda por aí a meter medo às pessoas para as aterrorizar ao ponto de terem as almas delas... Bem, vulneráveis a serem possuídas, talvez haja uma forma de saber se foi realmente isso que aconteceu ao meu pai.
- O que estás a propor?- questionou-o, as peças do puzzle que ele montava encaixando-se devagar.
- Lydia, o meu pai está consciente. Podemos ter acesso à memória dele, ver o que ele viu. Quando Scott e a fada voltarem com a solução em como derrotar essas coisas, nós saberemos exatamente o que enfrentamos. A fada, ela nunca viu um Abandonado. Não sabe o que enfrenta, não de verdade. Talvez se...
- Tu queres ver as memórias do teu pai para ver como os Abandonados atacam, o que são e assim estarmos preparados se eles aparecerem.- interrompeu-o, de olhos arregalados- Stiles, isso é perigoso, e se o teu pai estiver realmente possuído?
Stiles passou a mão pela nuca, os olhos fixos na figura adormecida do pai.
- Temos de tentar, Lydia. E talvez aja alguém que nos possa a ajudar a cometer uma loucura como essa.
********************************************************************************************
O grande carro vermelho balançava perigosamente à medida que Chris conduzia. Sentada no banco de trás, Ella olhava para todos os lados, levemente amedontrada. Ao seu lado, Isaac olhava-a com curiosidade, pensando que possivelmente aquela seria a primeira vez que a fada se encontrava num carro (suspeitava que onde ela vivia isso não existia). A cada curva, a fada ficava mais nervosa, embora a sua expressão não a denunciasse, o que a denunciava era a forma frenética com que passava a mão na árvore que cobria o seu braço, um tique nervoso que Ella não se apercebera que tinha.
Isaac não era propriamente um amante de arte mas tinha de admitir que o desenho gravado a fogo na pele pálida dela estava incrivelmente bem feito, de tão realista que era. As folhas meticulosamente desenhadas, cada nervura e cada raiz. Era extraordinariamente realista, feito especificamente para fazer sofrer a pessoa que a tinha.
- Para onde vamos?- perguntou Scott ao lado de Isaac, chegando-se à frente para observar o seu antigo chefe.
- Eichen House.- respondeu Deaton, tranquilamente.
- O que?!- exclamou Scott, chocado- O que vamos fazer a esse sítio? Não tenho boas recordações desse lugar.
- Nenhum de nós tem, Scott. Estive lá preso durante um bom tempo. Mas infelizmente não temos escolha. Um antigo Druida, um dos mais velhos, está lá em tratamento. Ele sabe onde fica a Biblioteca dos Druidas.
- O que é essa Eichen House?- questionou Ella, firmemente agarrada ao cinto de segurança.
- O pior sítio do mundo.- foi tudo o que lhe responderam, o silêncio voltando a preencher o espaço.
Ella encolheu os ombros, desinteressada. Nada seria perigoso para ela, não enquanto as Sombras fizessem parte de si. Observou pela janela as ruas de Beacon Hills, perguntando-se quantos seres sobrenaturais existiriam naquela pequena cidade. De acordo com as histórias de Isaac, mais do que seria de esperar. Por momentos, olhou para o lobisomem loiro ao seu lado. Não lhe tinha contado tudo, sabia que havia mais histórias para ele lhe contar, precisava apenas de ganhar um pouco mais da sua confiança para que ficasse a saber o motivo por detrás da tristeza constante presente nos seus olhos azuis.
Afastou-se dele o mais que pode, em choque. Ela era perigosa para aquelas pessoas. Não havia ganhar confiança nenhuma, muito menos saber os seus segredos mais profundos. A relação deles era estritamente de necessidade, não de amizade ou o que quer que fosse. Ela não era mais uma fada cheia de amigos e sempre disposta a ajudar alguém. Não era mais a inocente Ella, a princesa que apenas servia para mostrar ao povo a beleza da sua linhagem. Ella era a bonita, Nissa a herdeira e Alya... Sentiu um aperto no estômago, a imagem da sua irmã mais nova no dia do julgamento vindo aos seus pensamentos pela primeira vez desde que chegara aquela cidade. O que sabia Alya sobre a expulsão e maldição de Ella? O quanto ela teria sofrido com a perda das suas duas irmãs?
- Ella?
Os olhos verdes de Ella encontraram os azuis de Isaac, mais vazios do que nunca. Pestanejou. Tinham parado o carro, apercebeu-se. Todos a esperavam do lado de fora à exceção de Isaac, que a olhava preocupado. Quanto tempo tinha estado presa nos seus próprios pensamentos, questionou-se. Saiu do carro sem dizer nada, encarando o edifício sombrio à sua frente. Dentro de si, as Sombras explodiram, deliciando-se com as emoções negativas que habitavam aquele lugar. Ella encolheu-se, horrorizada.
- Eu não posso entrar aí.- disse, aterrorizada.
Deaton olhou para ela, sério.
- Não tens alternativa.
- Não mesmo.- afirmou Chris, com um telemóvel na mão- Houve mais um ataque. Uma mulher, trinta anos, viúva. Mesmos sintomas que o velho de ontem.
- Relicta.- sussurrou Ella.
Chris assentiu. A fada suspirou, sem escolha. Scott acenou para que o seguisse, ele próprio seguindo Deaton para dentro do velho hospício. Suor escorria pelo rosto de Ella à medida que se dirigiram mais para o interior do edifício. A energia negra que escorria por aquelas paredes abaixo chamava por ela, as Sombras desejosas de se regalarem. Focada em não permitir que a Magia Negra tomasse conta de si, perdeu levemente a noção do que estava a acontecer, seguindo automaticamente o veterinário, sem se aperceber da conversa do mesmo com a rececionista ou o facto de que Isaac, Chris e Scott terem ficado para trás. Apenas Ella e Deaton tinham podido continuar caminho.
Pararam de andar. Ella pestanejou, forçando a sua mente a estar no presente. Uma cela à sua frente causou-lhe arrepios na nuca, de tão negra era. Vidro grosso separava a claridade do corredor de um pequeno espaço mergulhado na escuridão. Uma vela acendeu-se lá dentro e um vulto aproximou-se do vidro, deixando visível um par de olhos cinzentos e um rosto envelhecido.
- Olá Lorenzo.- saudou Deaton, com um pequeno sorriso.
- Alan Deaton. Há quanto tempo.
Mais velas se acenderam dentro da cela. Agora, o homem de nome Lorenzo era perfeitamente visível: era um homem alto, de pele negra, com um manto cinzento a cobrir-lhe quase todo o corpo. Na sua mão, uma bengala de madeira mantinha-o equilibrado e direito. Era velho, embora dificilmente se percebesse quão velho. Emanava uma aura poderosa e antiga.
- Um imortal.- sussurrou Ella, olhando para Deaton sem entender.
- Ella, este é Lorenzo, um velho Druida e um dos mais antigos Darachs do mundo.
- Um Druida negro. Isaac falou-me num deles, uma mulher.- Ella observou o homem à sua frente, que a encarava minunciosamente.
- Uma fada.- a voz de Lorenzo era profunda, cheia de mistério- Como te chamas, pequena?
- Esta é Ella, filha de Lilith e princesa das fadas.
Lorenzo arregalou os olhos, encostando o nariz ao vidro, os olhos cinzentos olhando para ela como se escrutinasse a sua alma.
- Uma princesa. Mas...- Lorenzo olhou para Deaton, o rosto transfigurado de horror- Uma fada amaldiçoada. A filha de Lilith, corrompida... Uma alma pura...
O homem soltou um grito animalesco. As velas apagaram-se todas e um candeeiro acendeu-se, mostrando que não havia velas nenhumas, não havia nada, apenas uma cama de ferro e nada mais. Era tudo uma ilusão, percebeu Ella. Tudo para criar uma aura de mistério à volta do Darach, como se isso lhe fosse dar poder.
- Sim. Lilith estragou a vida da sua própria filha. Tal como fez contigo, não foi?
Ella arregalou os olhos, sem entender nada. Lorenzo, por outro lado, olhou para Deaton com raiva, sabendo exatamente o que se estava a passar.
- O que queres de mim, Alan? O que queres de mim, me fazendo recordar o que aquela maldita me fez?
Deaton sorriu. O isco estava lançado e o peixe tinha acabado de morder.
- A Biblioteca dos Druidas. Onde fica?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro