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Capítulo 24

    A Lua de Sangue brilhava de forma demoníaca no céu. Quando a nova Rainha se separou do seu Rei, não havia qualquer emoção no seu rosto. Os olhos verdes de Ella tinham perdido a bondade, restando nada mais do frieza e desumanidade. A rapariga parara de lutar contra as Trevas a que fora entregue e isso era evidente no seu corpo, coberto de manchas negras. Para espanto da jovem, foi o Alfa que mostrou melhor o quanto se sentia traído naquele momento.

- Nós acreditámos em ti...- rosnou Scott, tentando soltar um pouco o aperto que o Abandonado aplicava na sua garganta - Quando tudo indicava que não podíamos confiar em ti, que tu eras Má. Nós acreditámos em ti, ajudamos-te... E agora tu juntaste ao próprio Diabo?

    O olhar de desilusão no rosto de Scott surpreendeu-a. O rapaz realmente acreditava que tinha que salvar toda a gente, pensou Ella. Apesar das palavras serem comoventes, não havia nada na fada que conseguisse sentir. Com uma risada, Ella aproximou-se do lobisomem, que se contorceu ainda mais.

- Tu não podes salvar toda a gente, Scott.- disse-lhe, com uma pontada de tristeza na voz - É impossível salvar o que não pode ser salvo.

    Scott olhou-a nos olhos como se a conhecesse, apesar de nunca terem trocado muitas palavras. Ella sentiu a sua recém-adquirida frieza desmoronar por segundos, apesar da sua postura não o ter demonstrado.

- Eu posso tentar.- afirmou o Alfa, convicto.

    Ella encolheu os ombros. Era demasiado tarde para isso agora.

- Querida, vamos chamar o nosso exército?- perguntou Lúcifer, com um sorriso no rosto - Ou queres primeiro matar esta miserável?

    O homem apontou para o chão, onde Lilith permanecia. O coração de Ella ferveu de ódio ao olhar para a mulher que a massacrara por tantos anos, indiferente à dor que provocara. O Nemeton vibrava com os gritos dos Abandonados, que saíam um por um como espíritos, desaparecendo pelo mundo em busca de corpos que pudessem possuir. A energia que saía do buraco negro causado pelo ritual era forte, suficientemente forte para abalar toda a cidade de Beacon Hills. Nada disso importava. Tudo o que importava era a mulher ajoelhada e desgraçada de quem quisera vingar-se a vida toda, nunca encontrando a chance para tal.

    Agora, Ella tinha essa chance.

- Lilith não é tua mãe.

    A fada parou, estática. A voz do Xerife saiu-lhe oca e quebrada, como se não o homem que estivera em coma por tantos meses tivesse acabado de perder a vida. Quando Ella se virou, Noah chorava, olhando a filha com familiaridade.

- Lilith nunca foi tua mãe. Não tinha que te amar ou sequer te alimentar. Não sei em que condições viveste mas ela nunca foi tua mãe. - o Xerife fez uma pausa, olhando para o seu filho com compaixão - A tua mãe amou-te. Todos os dias até morrer. Cláudia não sabia o que era, não fazia ideia de que tinha uma filha mas ela sabia que alguém importante não estava lá.

    O mais velho pestanejou, com um sorriso terno no rosto.

- Apanhei-a muitas vezes a falar sozinha. Quando lhe perguntava com quem falava, ela olhava para mim com tanta tristeza... Nunca me respondia. Não sabia o que responder.

- Cala-te.- rosnou Ella, sentindo o coração bater mais depressa - Eu não quero ouvir.

- Cláudia amou-te com todas as forças que tinha mesmo que tu não tivesses lá.  Quando Nadika aparecia e contava histórias sobre a sua irmãzinha, de quão inteligente e bela tu eras, Claudia chorava de emoção. Ela sempre soube.

- Eu não quero ouvir...- sussurrou Ella, abanando a cabeça com os olhos arregalados - Eu não acredito em ti...

- Era por isso que elas se amavam, Ella. - o homem olhou nos olhos da garota, os olhos iguais aos dela - Elas amavam-se por tua causa.

    Lúcifer aproximou-se assim que notou a mudança nos olhos da fada. O Rei ergueu as mãos, invocando as suas Sombras e dirigindo-as à garganta do Xerife, instruindo-as a matá-lo. Uma massa negra saiu de si em direção ao humano sem a sua expressão se alterar.

    As Sombras não lhe obedeceram.

    O Rei olhou para as suas próprias mãos, incrédulo. Com assombro, viu os Abandonados serem arrancados por algo invisível dos corpos que tinham encontrado no cemitério local e possuído. O bando viu-se livre e caíram ao chão de forma atabalhoada, olhando de forma confusa para o buraco negro que se formara no Nemeton e que agora sugava formas negras e disformes para dentro de si.

- Fica longe deles.- sussurrou Ella, virando-se para o demónio.

    O sorriso tenebroso de Ella foi o suficiente para o Rei entender que tinha entregue o trono a uma Rainha mais poderosa do que ele alguma vez fora. Podia ter um dia governado os Abandonados, podia ter sido o criador da Magia Negra e a cobra que sussurra aos ouvidos das criaturas e suscita os seus desejos mais profundos.

    Agora, à medida que o seu plano ia por água abaixo, o Rei selara com um simples beijo o fim do seu reinado.

- Não sou uma marioneta, Lúcifer. Tu e Lilith...- olhou para a fada mais velha, que se pusera de pé em choque ao ver a Magia Negra abandonar o primeiro Abandonado - Cometeram um erro ao entregar-me às Trevas.

    A risada de Lúcifer ecoou pela noite. O rosto elegante do homem distorceu-se devagar, revelando a alma podre por baixo do corpo belo que criara para si. Ao seu lado, Lilith arregalou os olhos, recuando passos e preparando-se para fugir perante o monstro ao seu lado.

- ACHAS QUE ME VENCES, ELLA?! - questionou o corpo disforme do demónio, cada vez mais alto e sem forma - EU SOU O REI DAS TREVAS!

- As Trevas já não te obedecem, querido. Elas pertencem a mim agora.

    Uma massa negra brotou do corpo de Ella, cobrindo-a. A coroa de espinhos que pousou na sua cabeça e o vestido negro que as Sombras adornaram com rosas cor de sangue deram-lhe o ar de Rainha que faltava para perceber o erro que Lilith tinha cometido. Ella não só aceitara o seu destino como estava preparada para ele.

- Chega de dor. Chega de sofrimento. - afirmou Ella, erguendo as mãos - Chega de Maldade.

    A Lua de Sangue brilhou mais forte quando o livro de couro vermelho foi parar às suas mãos. Os olhos de Ella pousaram em Scott, que se aproximou dela, sem qualquer ressentimento.

- Eu preciso da tua força.- foi tudo o que a fada disse, ao que o lobisomem assentiu, colocando as mãos no seu ombro e transformando-se.

    O Diabo atacou e o Alfa atacou também, com um rugido. Malia e Isaac transformaram-se de imediato, atacando a Besta por trás com garras e dentes. O Monstro depressa libertou-se deles, deparando-se com o grito da Banshee que o lançou para trás, sem aviso. A garganta do primeiro Abandonado foi de imediato atacada pelos dentes de verdadeiro lobo de Derek Hale, que o imobilizou por instantes, tempo suficiente para Scott se aproximar e lhe arrancar uma parte do pêlo.

    Noah e Stiles empunharam a arma na direção de Lilith, que estava demasiado exausta para retorquir. Algures no escuro, os olhos de Lorenzo brilharam ao ver a mulher que o destruíra à mercê de dois humanos.

    Ella fechou os olhos, entoando o cântico que as Sombras lhe sussurravam ao ouvido. O livro permanecia aberto à sua frente, embora a fada não precisasse de ler o seu conteúdo, limitando-se a ouvir a Magia Negra que fazia parte da sua vida. O som de agonia espalhou-se no ar à medida que os Abandonados eram cada vez mais afastados dos portões do Inferno, sugados mais e mais para dentro do seu reino e cada vez mais para longe do reino que um dia habitaram. Quando sentiu que os portões estavam prestes a fechar, a Rainha aproximou-se do monstro abatido, com um sorriso maquiavélico no rosto.

- Eu posso ser das Trevas mas existe Luz em mim.- afirmou Ella, convicta - Tiraste-me o que mais amei no mundo mas esqueceste-te de um pormenor.- a fada aproximou-se mais dele, piscando o olho - O Bem sempre vence, segundo dizem os contos de fadas.

    O antigo Rei soltou um grito de agonia quando o coração de Trevas que criara para andar pelo reino humano fora arrancando pela fada. As Sombras inundaram aquele pedaço de carne, reduzindo-o a pó e como um humano, Lúcifer morreu aos gritos e a sofrer, morto pela fada cruel e sem piedade que ele próprio criara.

    A Lua de Sangue terminara e o Rei morrera.

    Os portões, contudo, permaneciam abertos.

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