Capítulo 2
As sombras não a deixavam. Rodeavam-na e prendiam-na, sussurrando maldades na sua mente destorcida. Ella queria acordar, queria sentir o seu corpo de novo, ver um pouco de luz. Queria sentir o sol na sua pele, morria de saudades de sentir o calor, a vida.
Não tens vida agora...
Pertences-nos, princesa...
"Vão-se embora!" gritou, presa na escuridão, "Deixem-me em paz!"
Vais precisar de nós, princesa...
Estaremos à tua espera...
És nossa, Ella.
Sentiu o ar regressar ao seu corpo fluentemente e abriu os olhos, inspirando profundamente. Pestanejou e ergueu-se, a dor habitual que sentia das milhares de feridas que a cobriam ativando-lhe os sentidos.
Estava coberta por ligaduras, o farrapo sujo que vestira durante a sua sentença substituído por uma camisola larga e umas calças provavelmente de homem, tendo em conta o tamanho, tudo feito de um tecido que não reconheceu.
Olhou em volta, assimilando a sua nova realidade: estava numa casa de humanos, ampla e com pouca mobília, o que tornava o lugar agradável aos olhos dela. Estava deitada naquilo que sabia ser um sofá, o qual os humanos usavam para se sentar. Um pequeno candeeiro estava ligado, o que explicava a penumbra que a rodeava. Pensou nas masmorras, na escuridão, nas sombras que queriam que ela saísse dali. Encolheu-se, permitindo-se a si mesma respirar e pensar.
Alguém a observava, há muito que o sentira. Naquele momento, Ella não se queria preocupar com isso. Se a atacasse, tinha a certeza que acabava com ele facilmente. Como não a atacava, apenas o ignorou, necessitada de um pouco de paz.
A cabeça estava demasiada preenchida com os acontecimentos que a trouxeram ali para se preocupar com o humano que a observava e que provavelmente era o dono da casa.
O barulho do destravar de uma arma fê-la erguer a cabeça. O homem decidira aproximar-se, analisando-a. Ella avaliou-o de igual forma, era ótima a analisar as pessoas e aquele homem era demasiado fácil.
- Um caçador.
A voz saiu-lhe rouca e fraca, há muito tempo que não a usava, a não ser para gritar ou para se defender das acusações da mãe. Os olhos azuis do homem estreitaram-se mas não disse nada. Ella suspirou. Ela só queria descansar um pouco.
- Se me vai matar, pode se despachar com isso?- perguntou, desta vez mais firme.
- Não a vou matar. É apenas precaução.
Ella pestanejou, surpresa.
- Não me vai matar? Porque?
- Chris?
Uma mulher baixa entrou na sala, um sorriso doce no rosto quando olhou para Ella. Esse sorriso murchou quando viu o homem com a arma apontada à rapariga. Melissa McCall revirou os olhos.
- O que falamos de a atacar?
- É apenas precaução.- respondeu o homem, sem desviar os olhos de Ella- Não sabemos se é perigosa.
- Sou.- respondeu Ella, as sombras a falarem-lhe ao ouvido- Bastante.
- É minha paciente.- respondeu Melissa, aproximando-se de Ella- Que neste momento precisa de água.
Estendeu-lhe um copo de água, o qual Ella aceitou. Bebeu-o de um trago, despreocupada com a possibilidade de estar envenenada. Não estava preocupada com nada, na verdade.
- Sou Melissa McCall, querida. Como te chamas?
- Ella.- respondeu, observando os cabelos negros encaracolados da senhora, que combinavam com os seus olhos igualmente escuros- Porque me está a tratar?
- Sou médica, Ella. - respondeu, como se aquilo fosse o suficiente- Qual é o teu último nome? Tens alguém a quem possa contactar para dizer que estás bem?
- Porque estavas no meu apartamento?
Um homem mais novo entrou na sala de rompante, pronto para atacar. Ella ergueu-se de um salto, sentindo a ameaça na voz dele. Melissa afastou-se e Chris Argent puxou-a para trás de si, mirando a pistola à cabeça de Ella, que o olhou calmamente. Não estava ali para entrar em guerra, detestava brigas e discussões de todo o tipo. Mas ela já não era a mesma Ella, a doce e pacífica Ella.
Ela era Má.
Sombras serpentearam nas suas mãos, numa dança hipnótica e perigosa. A Magia Negra dentro dela pulsava, desejosa de ser usada pela primeira vez. Ella ergueu as mãos, pronta para atacar, quando algo negro no braço de Melissa a impediu. Uma folha desenhara-se no antebraço da humana. Olhou para a árvore no seu pulso. As folhas eram idênticas.
- Não!- gritou, aterrorizada.
Caiu no chão, as palavras da mãe repetindo-se vezes e vezes sem conta na sua mente, fazendo as sombras desaparecerem, silenciavadas pela sua própria sentença.
"Uma folha, uma pessoa. E como vês, as folhas são infinitas. Partilharás o sofrimento de quem marcares, sentirás cada arranhão, cada dor, física e emocional. Tudo o que terás é dor, dor e escuridão."
Ergueu as mãos no ar, rendendo-se. Não iria lutar hoje. Encolheu-se e afagou o pulso, sem conseguir pensar direito.
Derek Hale abriu a porta do seu loft. Do outro lado, Isaac Lahey sorriu, encarando o que fora um dia o seu alfa.
- Chegaste numa péssima altura.- resmungou Derek, fazendo-lhe sinal para entrar.
Isaac ergueu uma sobrancelha, ajeitando a alça da sua mochila. O loft estava exatamente igual ao que se lembrava. Beacon Hills estava exatamente igual, o que só tornava tudo pior. Só tornava o seu regresso à cidade pior.
- Olá Isaac.- Melissa cumprimentou-o assim que passou a porta.
- Olá Melissa. Está tudo bem? Ouvi dizer que tu e o Chris casaram...
Calou-se de imediato quando viu Chris com uma arma apontada a uma rapariga. Só nesse momento se deu conta da tensão de Melissa e da posição de defesa de Derek. Pousou a mochila e pôs-se ao lado de Chris, dando-lhe apoio no que quer que ele estivesse a fazer.
- Inimiga?- questionou aos presentes, observando a rapariga, que o olhou.
Era bela, de uma beleza sinistra e apagada, mas não tinha como não dizer que era linda. Os olhos verdes da cor da floresta penetravam-lhe a alma, os cabelos negros curtos não lhe cobriam o pescoço ferido, a pele pálida coberta por ferimentos em todo o lado que conseguia ver.
A rapariga passava o polegar no pulso repetidamente, onde uma árvore negra parecia ter sido gravada a fogo e ferro. Isaac engoliu em seco, tentado a afastar a madeixa negra que caíra na cara da rapariga. Afastou-se, olhando para Derek, que o observava com um ar sério.
- Quem é ela?
- Chama- se Ella- respondeu Melissa, junto de Derek- É sobrenatural, ia-nos atacando com umas sombras negras assustadoras e... Não sabemos o que aconteceu, não nos atacou e tem estado calada desde então.
A rapariga pôs -se de pé. Olhou para Chris, que apontou ainda mais a arma. Abanou a cabeça e apontou para Isaac, fazendo um gesto deixando claro que o queria fora dali. Derek abanou a cabeça, começando realmente a perder a cabeça.
- Fala o que tens a falar antes que eu te ponha a falar à força, rapariga.
Ella mordeu o lábio. Humanos são tão estúpidos.
- Vocês estão marcados. A culpa é minha, não me lembrei...
- Marcados?- questionou Isaac.
Ella olhou para o loiro.
- Tu não estavas, por isso que queria que fosses embora. Eu não vos posso atacar. Por favor deixem-me ir embora.
- Não vais a lado nenhum. Não sabemos o que é mas tens um poder enorme que pode ser perigoso.- retorquiu Derek, cruzando os braços.
Ella tinha de sair dali. Precisava de respostas, precisava saber se a maldição era verdadeira. Ela não ia ficar ali. Fechou os olhos e focou-se na arma de Chris. Com um solavanco, a arma saltou-lhe da mão, indo de encontro a Ella, que a agarrou com destreza. Rápida, apontou para o braço de Isaac e atirou, observando a bala entrar no braço do rapaz, que gritou.
No mesmo instante, sentiu uma dor no braço e grunhiu de dor, atirando a arma para o chão. Estava ali a prova. A dor física preencheu-a, distraindo-a. Derek atacou-a de imediato, assumindo a sua forma de lobisomem. Melissa afastou-se e Chris correu para Isaac, que se contorcia no chão.
As sombras cercaram Ella, protegendo-a de Derek, que tentava acertar a fada com as suas garras. Com raiva, Ella atacou-o de volta, desferindo-lhe um soco potente na barriga, a sua força de fada atirando o lobisomem contra a parede. Soltou um grito quando sentiu a dor do impacto nas suas próprias costas e forçou o lobisomem a ficar quieto, movendo as sombras de forma a que prendessem os membros do lobisomem.
Não podia ataca-lo. Não podia atacar nenhum deles, ou ela é que pagava o preço.
Isaac ergueu-se, também ele assumindo a sua forma lobisomem, atirando-se à rapariga sem que esta estivesse à espera. Os olhos verdes de Ella encaravam-no assustada enquanto se debatia debaixo dele para se soltar, presa pelos pulsos. Num gesto impulsivo, Isaac cravou as garras nos pulsos da rapariga, que gritou. As sombras soltaram Derek de imediato, atingindo Isaac, suspendendo-o pelo pescoço.
- Parem.- Ella ordenou, a sua voz saindo grave e poderosa.
Pondo-se de pé com dificuldade, olhou para todos presentes na sala, a mão erguida na direção de Isaac.
- Deixem-me ir embora agora ou eu mato-o.
Olhou diretamente para Derek, que rosnou. Chris saiu do sítio onde estava, de mãos dadas com Melissa.
- Vai.
As sombras largaram Isaac, que caiu ao chão, desacordado. Ella fez uma careta de dor mas sorriu, permitindo que as sombras a cercassem e a levassem para longe.
Teria de voltar, arranjar uma forma de tirar as marcas dali. Não iria sofrer pelos outros, tinha de haver uma forma de quebrar a maldição. E ela iria encontrar.
E no processo aprender a estar calada para não marcar mais ninguém.
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