Capítulo 14
Anos antes...
O palácio das fadas era um lugar frio e pouco iluminado, apesar das flores coloridas que o decoravam. Para a pequena Ella, que percorria todos os dias o palácio sozinha, já não era um lugar tão assustador como parecia nas primeiras vezes que se vira sozinha a vaguear por ali. Não era a primeira vez que Ella se sentia excluída naquele palácio; toda a gente sempre tinha algo para fazer ou alguém com quem estar. Nadika, a sua irmã mais velha, era a única que ainda tentava estar presente na vida da criança, mesmo com todas as responsabilidades de futura rainha.
A rainha em si, mãe de Nadika e Ella, tinha muitas responsabilidades em cima dos ombros, mais um bebê para cuidar, Alya, a sua filha mais nova e recém nascida. Sabendo que ninguém tinha tempo para estar com ela, a jovem fada sempre implorava à mãe para a deixar assistir às aulas de Nadika, tentando argumentar que seria útil também estar informada de coisas como leis e governar um reino, para no futuro poder ajudar a irmã. Infelizmente, essa ideia parecia perturbar a rainha, que a banira completamente de todas as atividades da sua futura herdeira.
Sozinha e com uma mente muito racional, Ella procurava alguma coisa no palácio para se entreter, algo que afastasse o sentimento de rejeição que só lhe trariam tristeza e maldade ao coração, coisa que não queria sentir. A mãe ensinara-a bem: sê pura de coração e alcançarás tudo o que quiseres. Pois bem, Ella seria a melhor fada do reino e a mais pura, sem sentir emoções erradas como tristeza e raiva, principalmente se fossem dirigidas à sua família.
Os corredores de pedra eram longos e com poucas velas a iluminar o caminho. Todas as fadas tinham um brilho na pele característico, o que fazia com que não precisassem de luz para ver. O de Ella era de um verde pálido e pouco vibrante, o que não era conveniente para percorrer o palácio na sua busca. Sem ninguém para brincar ou falar, Ella precisava de alguma coisa, algo que a mantivesse sã e pura, para assim a mãe gostar mais de si e não se esquecer que existia.
Uma porta chamou a sua atenção. Era grande e feita de carvalho, algo que a criança viera a descobrir mais tarde ser algo raro no Reino dos Humanos, talhada com intrincados desenhos. Os seus puxadores eram de ferro, algo que raramente as fadas usavam como material. Curiosa, Ella empurrou a porta, que nem sequer estava trancada. Se calhar a mãe achava que ninguém viria para um corredor tão a Sul das assoalhadas principais do castelo, ou então que ninguém se interessaria por uma porta perdida no meio do nada.
Com um sorriso, a pequena fada dirigiu-se para a frente, deixando a porta fechar atrás de si.
Depressa Ella percebeu que estava numa biblioteca. Era mais pequena que a biblioteca principal e à medida que percorria as estantes notava que os livros eram diferentes dos livros das fadas, com um papel mais áspero que o sedoso papiro dos livros feéricos. Ella era inteligente para a sua idade, demasiado para o seu próprio bem e tinha um grande amor por livros, tendo já lido todos os da biblioteca principal exceto os relacionados a assuntos do reino, por ordem da mãe. Sem mais nada para fazer, a pequena começou a ler aqueles livros humanos, embrenhando-se nas suas histórias, na sua ciência, nas suas personalidades, nas suas vidas.
Os dias passaram a anos com Ella trancando-se a si mesma na Biblioteca Humana, como lhe chamara. Por instinto, nunca contara a ninguém sobre a sua descoberta, não enquanto o último livro estar lido, o que só aconteceu aos 14 anos. Só no dia em que a última página daquela biblioteca foi lida é que Ella fora a correr contar à irmã mais velha todas as coisas que agora sabia.
Tudo para descobrir que o brilho no seu olhar ao falar sobre humanos estava espelhado nos olhos de Nadika.
**
- Eu era uma ameaça para ti.- disse Ella, dez anos depois, os olhos brilhantes mas de lágrimas- Por isso me afastaste de todos os assuntos do reino e de tudo o que envolvesse o trono. Não querias que eu chegasse perto de ser herdeira por não ser tua mas também não querias que o povo soubesse que eu não era tua filha.
Lilith engoliu em seco, amargurada. A mulher à sua frente já não era a pequena bebé que acolhera para os seus próprios fins mas também não era a rapariga que mandara para as masmorras pela morte da sua filha. Era uma mulher abandonada e rejeitada, com um poder imenso à sua volta.
- Quem são os meus pais?- perguntou Ella, aproximando-se- Quem são eles? O que lhes aconteceu?
Lilith desatou a rir. Os seus olhos pousaram nos dois homens inconscientes no tronco do Nemeton, peões no seu jogo de décadas.
- Algum tempo atrás, uma fada fugiu para o Mundo Humano, quebrando o nosso código mais sagrado.
- Tu vieste ao Mundo Humano para manipular Lorenzo.- disse Ella, interrompendo a rainha - Onde estava o teu código aí?
- Não me interrompas, criança insolente. O que uma rainha faz ou deixa de fazer não te diz respeito. Faço o que faço pelo bem do meu povo e nada mais.
- O que raio é que isso quer dizer?- exasperou-se Ella, cansada.
Dores percorriam o seu corpo tão intensas que a fizeram cambalear, dores que não eram dela e Ella sabia muito bem disso. Algures, Isaac sofria, Derek sofria, Chris sofria. A fada conseguia sentir a dor de todos eles e isso era tão percetivel quanto o brilho nos olhos da rainha ao perceber o seu sofrimento.
- Essa fada era minha amiga.- continuou Lilith, caminhando à volta de Ella- Ao que parecia, encontrara a Biblioteca Humana, uma sala proibida desde que Morgana ordenara selar o Reino das Fadas e afastá-lo do Reino dos Humanos. Sabes, Morgana temia que os Abandonados regressassem do Submundo e tomassem as almas fracas dos humanos, ganhando assim um exército poderoso contra as fadas. A minha mãe não conseguia ver que juntos, fadas e Abandonados poderiam ser uma força poderosa, ela não via o potencial de governar os humanos e tomar o seu planeta.
- Morgana... Era tua mãe?- questionou Ella, rangendo os dentes para não mostrar a dor que sentia.
- Sim e foi uma rainha sábia. Já eu... Tenho outra visão sobre o assunto.
Com elegância, Lilith aproximou-se de Lydia, que permanecia em pé de olhos vazios, controlada pela rainha.
- No meio dos humanos estão estas criaturas. Lobisomens, banshees, todo o tipo de coisa. São poderosos e ainda assim... Humanos. São fracos e manipuláveis e por isso precisam de um líder.- Lilith passou a mão no cabelo da jovem, que não pareceu sentir- E eu gostaria de ser essa pessoa.
"Voltando à tua pergunta: tu és neta dessa fada. Fascinada pelo que lera sobre humanos, ela fugiu para ver com os seus próprios olhos. Acabou por apaixonar-se, claro, como todos os contos de fadas que os humanos contam. Dessa relação nasceu uma menina, completamente humana mas com algum sangue de fada, que mais tarde também se apaixonou e deu à luz uma filha e um filho. Fui eu que te fui buscar à maternidade porque em ti o sangue de fada prevaleceu, sucumbindo a tua parte humana. Não fazias parte deste mundo, Ella e por isso acolhi-te e te eduquei como minha filha".
Ela mente, minha Princesa.
A rainha não está a dizer a verdade toda, Mestre.
Pela primeira vez desde que fora amaldiçoada, Ella agradeceu às Trevas. Por mais maldosas que pudessem ser, as Sombras velavam pela sua Mestre e procuravam satisfazer as suas vontades, de preferência as mais obscuras. Ali, a Escuridão acolheu-a, mostrando-se útil aos seus olhos.
- Cometeste um grande erro quando me entregaste à Magia Negra, mãe.- disse Ella, fazendo as sombras circularem à sua volta- Facilmente a Escuridão reconhece uma mentira quando a vê. Por isso diz-me, Majestade...- Ella fez uma pausa, os olhos verdes substituídos pelo Negro- O que não me estás a contar?
Atrás de si, Stiles abriu os olhos, confuso. A noite estrelada deu-lhe as boas vindas ao mundo dos vivos e as vozes à sua volta despertaram-lhe a mente, fazendo-o levantar-se o mais rápido que conseguiu, mesmo cheio de tonturas. De imediato, reconheceu a voz de Ella, que se virou para ele mal deu pelo seu movimento. No rosto da fada, via-se amargura e uma preocupação que Stiles não esperava encontrar. Desde que a conhecera que a detestava e culpava pelo que se passava com o seu pai, com a certeza de que havia maldade na rapariga como tinha do mais comum criminoso. Ainda assim, a fada deslocou-se para a frente dele, com um olhar assassino no rosto dirigido a uma mulher desconhecida, protegendo-o.
- Estás bem?- perguntou-lhe Ella, as Sombras circulando à sua volta.
Stiles abriu a boca para responder, interrompendo-se ao ouvir um gemido de dor junto de si. Baixou os olhos, prendendo a respiração ao ver o seu pai de olhos abertos, confusos e perdidos.
- Pai!- exclamou, baixando-se ao seu lado de lágrimas nos olhos.
Lilith sorriu, aproximando-se calmamente da sua filha, que não se mexeu.
- O destino não brinca, querida.
Noah Stilinsky abraçou o filho de forma desajeitada, a bata do hospital cobrindo-lhe pouco o corpo gelado.
- Stiles, o que se passa? Onde estamos?
- Está tudo bem, pai, eu estou aqui...
Mas o Xerife já não o estava a ouvir. O seu olhar fixou-se nas costas da rapariga desconhecida, os cabelos negros e a pele pálida tão familiar. Quando ela se virou, Noah engasgou-se, sentindo o mundo girar à sua volta.
- Claudia?
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