Os Três Desafios
Finalmente Fada chegou ao castelo de Merlin. Ela pousou antes da entrada para admirar a construção. Era um forte gigantesco e sombrio, digno de contos-de-fadas (provavelmente por se encontrar no mundo deles). O sol já se punha atrás do castelo, arremessando luzes alaranjadas que faziam sua fachada parecer mais mágica do que já era.
Fada caminhou, seguindo por uma estrada de paralelepípedos bem cortados e encaixados. Aproximou-se da porta maciça de madeira e a empurrou com força. Ela se abriu e um rangido estridente ecoou por toda a construção.
− Quem está aí? - alguém perguntou.
A fada andou até o centro do hall de entrada procurando a origem da voz.
− Ei! Não pise em mim! - algo a alertou.
Fada olhou para baixo encontrando uma traça dona de uma longa barba grisalha.
− Quem é você? - a traça barbuda perguntou.
− Eu sou Fada.
− Isso eu já percebi. Quero saber quem é você?
− Fada.
− É visível, mas qual o seu nome?
− Fada.
− Pelas barbas de mim! - a traça exclamou com raiva. - Já percebi que você é uma fada! Quero saber qual é seu nome!
− Meu nome é Fada!
− Ah... Quem te deu um nome tão tautologicamente redundante?
− Minha mãe - Fada explicou. - Ela não tinha muita imaginação.
− Entendo.
− E quem é você? - a fadinha indagou.
− Sou Merlin.
− Merlin, o mago?
− Não. Merlin, o faxineiro. Claro que sou o mago! - o ex-mago ralhou. - Por que você não é uma traça?
− Eu nasci assim.
− Por Grimm... - Merlin massageou as pequenas têmporas de traça. - Quero saber por que você não se transformou como todos os outros?
− Ah! Foi porque eu falei as palavras mágicas do feitiço que fez isso.
− Você o quê?! - o ex-mago tentou não gritar.
− Mas eu estou aqui para consertar tudo. Minha professora disse que seu livro pode ajudar.
− Realmente pode - afirmou a traça. - Se eu conseguisse pelo menos abri-lo... Mas com essa forma e tamanho, eu poderia no máximo comê-lo. E isso não ajudaria. Se bem que ele é feito de um ótimo papel, deve ser delicioso...
− Senhor Merlin? - Fada interrompeu os devaneios papelescos da velha traça.
− Ah, sim. Desculpe-me, eu me distraí.
− Por que o senhor não o abre com sua mágica?
− Traças não tem magia, mocinha. É provável que mesmo que eu conseguisse abrir o livro, não fosse capaz de reverter o feitiço. Você pode ser nossa única esperança. - Merlin olhou a fada de cima a baixo. - Provavelmente estamos perdidos.
− O quê?
− Nada, nada. Você realmente vai tentar ler meu livro?
− Sim.
− Pode ser muito perigoso. Mesmo assim ainda quer tentar?
− Perigoso como?
− Existem três desafios pelos quais você deve passar para encontrar meu livro. Posso lhe guiar, mas se você não os superar por conta própria o caminho não se abrirá.
− Entendo, mas não tenho escolha. Vou tentar! - Fada fechou um punho à sua frente numa atitude confiante.
− Ótimo! Então vamos lá.
Merlin começou a andar até o local pretendido a passos de traça. Fada perdeu a paciência com tamanha lentidão e o agarrou, colocando-o no decote de seu vestido vermelho.
− É por ali. - Merlin apontou o caminho enquanto limpava o sangue que escorria de seu próprio nariz de traça.
Fada logo chegou a uma grande porta de ferro. Empurrou-a com dificuldade e entrou. O interior era como o corredor de uma masmorra: paredes de pedras úmidas repletas de limo. Continuou em frente.
− O primeiro desafio a ser enfrentado é atravessar um portão guardado por dois ogros imensos - a traça começou a explicar.
− Do-Dois o-ogros? - gaguejou a fada.
− Bem, na verdade eles não eram originalmente assim. Um era um humano feio e barbudo e o outro um ogro-anão vesgo. Estavam perdidos na floresta ao lado do castelo e, depois de resgatá-los, eu os ofereci um emprego. Eles aceitaram e eu os transformei em ogros gigantes. Preferiram assim. Gostam de assustar os intrusos. Principalmente se o intruso for um druida.
− Sei. - Fada não se sentia mais calma com essa informação.
Logo chegaram ao portão mencionado. Estava aberto, mas era guardado pelas criaturas mais horrendas que Fada já vira. Eram maiores do que havia imaginado. Gigantescas. Quase do tamanho de baratas (afinal, também tinham sido transformados em traças).
− Fa-Fi-Fo-Fu... - uma das grandes traças começou. - Sinto cheiro de−
− Cala boca, Fred! Já disse que não somos gigantes. Somos ogros! - a outra traça o repreendeu.
− Mas, Marc, agora somos traças.
− Somos traças-ogros e não traças-gigantes, seu burro! - Marc explicou. - Agora deixa que eu falo. Quem vem lá? - perguntou.
A fada se aproximou tímida.
− Eu sou Fada.
− Isso eu já percebi. Quero saber quem é você?
− Fada.
− É visível, mas qual o seu nome?
− Fada! Espera... Já fizemos isso antes? - A sensação de déjà vu da fadinha era inquietante.
− O nome da mocinha é Fada - Merlin interveio. - Agora deixe-nos passar.
− Não posso, chefe - Marc disse.
− Como assim? - a traça-mago perguntou.
− Fa-Fi-Fo...
− Cala boca, Fred! - Marc gritou e voltou-se para Merlin. - Quando o senhor nos transformou em ogros, nos mandou vigiar o portão e não deixar ninguém passar.
− Estou revogando essa ordem! Deixe-nos passar!
− Senhor Merlin... - Fada tentou dizer algo.
− Fo-Fi-Fa...
− Cala boca, Fred! - A traça-ogro voltou ao seu argumento. - Ainda não posso deixar o senhor passar. Se todo mundo mudar ordens a torto e a direito o mundo vai virar um caos.
− O mundo já está um caos! Somos traças, caramba! - Merlin gritou.
− Senhor Merlin... - Fada ainda tentava falar.
− Fu-Fi-Fo...
− Cala boca, Fred! Eu sabia que devia ter te deixado em Vintas depois daquele druida safado passar a perna na gente. Você é um idiota!
A discussão continuou por mais alguns minutos e Merlin tentou convencê-los de todas as maneiras, tocando em assuntos diversos como os deveres morais do proletariado, aumento de salário, férias remuneradas e qual das fadas modelos da revista Fairy tinha as pernas mais bonitas. Nenhum deles surtiu efeito, mas descobriram que os três tinham o mesmo gosto para fadas modelos.
No final, Fada perdeu a paciência e simplesmente passou pelas traças-ogros, como se elas fossem apenas insetos.
− Ei! - gritou Marc. - Você não pode fazer isso. Somos os guardiões do portão. Volte aqui agora e nos temam!
− Fa-Fi-Fu...
− Cala boca, Fred!
Merlin olhou para trás surpreso e perguntou:
− Por que você não fez isso antes? Podíamos ter poupado um tempo precioso.
− Eu tentei avisar, mas o senhor não escutou.
Mais uns minutos de caminhada e eles chegaram ao portão de ferro do segundo desafio, este agora fechado. Ao lado havia um pedestal feito de pedra e em cima dele uma traça, deitada na posição de esfinge.
− Quem vem lá? - ela perguntou.
− Eu sou Fada.
− De novo não... - Merlin levou a mão à testa.
− Isso eu já percebi - a traça do pedestal falou. - Quero saber quem é você?
− Fada.
− É visível, mas qual o seu nome?
− Fada!
− Por Grimm! - a traça-mago gritou. - Chame ela do que quiser!
Ambas se calaram e Fada perguntou:
− Quem é você?
− Eu sou a Esfinge - a traça respondeu. - Desejam passar?
− Sim.
− Pois para passar você deve responder um enigma. Se falhar eu irei te devorar.
− Me devorar?
− Bem... Eu sei que não posso te devorar agora, mas essa é minha fala padrão. Não posso mudá-la. Vamos fazer assim, se você falhar, eu devoro seu vestido.
− Sabe, Fada - Merlin voltava a limpar seu sangramento nasal -, falhar não é algo tão vergonhoso assim...
− Silêncio, seu velho pervertido! - gritou a traça-esfinge. - Vai responder ou não, fadinha?
Fada fitou o mago que balançou a cabeça.
− Não olhe para mim. Não vou conseguir convencê-la a nos deixar passar e também não posso contar a resposta do enigma ou o portão não vai se abrir.
− Certo - a fada disse olhando a traça-esfinge. - Pode mandar.
O inseto enigmático então começou:
− Que animal anda pela manhã sobre quatro patas, a tarde sobre duas e a noite sobre três?
− Um tigre-dragão montanhês de pernas variáveis - Fada respondeu no ato.
− Cacete! - amaldiçoou a traça-esfinge. - Esse enigma sempre funcionava no mundo humano onde esse maldito animal não existia! Devia ter ficado lá. Podem passar - ela disse contrariada e o portão se abriu.
Andaram por mais uns minutos e logo o portão do terceiro desafio encontraram. Este era protegido por uma grande estátua que começou a falar:
− Quem...
− Fada! - gritou Merlin. - O nome dela é Fada! Ela é uma fada e o nome dela é Fada! É redundante assim mesmo! Apenas diga o que quer!
− Er... Tá bem... - A estátua estava confusa, mas prosseguiu mesmo assim em sua voz dramática. - Eu sou a Estátua dos Jogos. Se deseja passar, deve me vencer.
− Por que você não virou uma traça? - a fada perguntou.
− Porque não sou uma criatura. Sou um objeto inanimado possuído pela alma amaldiçoada de um jogador azarado que não pôde descansar no pós-vida, pois não existe baralho lá. Sou imune à magia. Agora responda: irá jogar?
− Sim.
− Iremos jogar pôquer - a estátua estipulou.
− Não sei jogar pôquer - a fada falou.
− Hein? - a voz da estátua vacilou um pouco e depois voltou a sua dramaticidade. - Então jogaremos xadrez.
− Também não sei.
− Blackjack?
− Não.
− Gamão?
− Nunca ouvi falar.
− Você não teria um caça-níqueis aí, teria?
Fada negou com a cabeça.
− Pedra, papel e tesoura?
− Esse eu sei! - a fadinha disse sorrindo.
− Ótimo! - A estátua se animou e levantou o punho fechado sobre a cabeça. - Então vamos lá. Jo-ken−
− Posso te fazer uma pergunta antes disso? - Fada a interrompeu.
− Acho que sim...
− Você sabia que se você fizer uma pergunta para seu oponente durante um jogo de pedra, papel e tesoura, há mais chances desse mesmo oponente colocar tesoura?
− Não, eu não sabia disso - a estátua disse coçando o queixo.
− Podemos jogar agora? - a fada perguntou.
− Sim. - O objeto amaldiçoado se preparou. - Jo-ken-pô!
A estátua baixou a mão com dois dedos abertos enquanto Fada colocava seu punho fechado.
− Muito bem! - a estátua disse sorrindo. - Você é uma fadinha de sorte... Espera um minuto aí...
O portão se abriu com a vitória da fada.
− Um minutinho aíííí... - a estátua ainda clamava.
Fada sorriu e caminhou para o portão aberto, atravessando-o e indo em direção ao seu destino.
− Só um minuto aíííí... - a voz da estátua ecoava pelas paredes.
* * *
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