SETE
Alex
— O que acabou de acontecer aqui? — Ouço a voz de Chloe em meio a música alta.
Jonas Hall. O garoto misterioso da quarta série e que não gostava de se socializar com ninguém. Em plena noite, em uma balada. Acho que o tempo muda uma pessoa, definitivamente.
— Não faço a mínima ideia. — Digo ainda olhando para a direção em que Jonas se foi.
— Achei que nunca veria esse cara de novo. Mas parece que os anos fizeram bem para ele. — Faz uma cara sexy.
— Você vê apenas a aparência Chloe? — Tiffany pergunta revirando os olhos.
— O que? Você viu como ele mudou? Não parece nada com aquele menino tímido e fechado. Cabelo revolto, olhos azuis, maxilar forte...
— Chloe! Guarde suas fantasias sexuais para si, okay? — Digo exasperada. — Daniel você é um herói. — Me viro para ele. — Por aguenta-la. — Acrescento.
— Eu sei que sou um cara incrível.
Dizendo isso, Daniel coloca as mãos para o alto imitando o Superman. Chloe o empurra levemente.
— Ei! Não sou uma tarada, apenas tenho olhos como todos vocês.
Sem conseguirmos conter, gargalhamos.
— Voltando ao assunto Jonas... Parece que algo o afetou, pois saiu um "pouco" apressado. — Chloe faz aspas no ar.
— Também reparei nisso. Acho que o assunto passado não é o preferido dele. — Tiffany diz.
— Talvez o cara estivesse com algum compromisso. — Daniel dá de ombros.
— Compromisso com quem a essa hora da noite, Daniel? Algo o incomodou. Ele mudou de uma hora para outra. — Chloe murmura.
— O assunto do gato deveria ter ficado enterrado, Chloe. — Digo a repreendendo.
— Desculpe Moore, foi automático. Você sabe como isso foi naquela época. Diria que marcou a infância de muitos que estudaram com ele. E bem, desde o primeiro dia que ele entrou na nossa turma, as coisas não foram mais as mesmas.
Enquanto Chloe diz, lembranças daquele dia vêm em minha mente. Não o dia em que ele ganhou o 'apelido' de assassino de gatos, mas sim o dia em que conversei pela primeira vez com Jonas.
Flashback — 2004
O primeiro contato.
"— Chegamos, querida.
Mamãe diz se virando para me olhar no banco traseiro da caminhonete. Seus olhos azuis como o céu me acalmam.
— Vamos lá super girl. — Dylan diz ao meu lado. Sua mochila é deixada de lado quando ele abre a sua porta e vem para abrir a minha.
Saio da caminhonete e vejo a entrada da escola, vários alunos já estão em frente ao grande portão com seus pais.
— Animada? — Mamãe pergunta quando se agacha na minha frente.
— Não muito. — Torço os dedos e sorrio levemente.
Dylan e ela riem.
— Oh, mas aposto que você quer ver Chloe e Tiffany.
Aceno com a cabeça. Volto a olhar para a entrada na esperança de ver as duas. Mas não as encontro.
— Elas devem estar lá dentro. — Mamãe diz. — Bom, preciso ir para o trabalho. Te desejo sorte meu amor. — Se inclina e beija meus cabelos. — Vamos Dylan.
— É isso aí baixinha, manda ver nas aulas, hein? — Dylan bagunça meus cabelos com a mão. Faço um som de reprovação que o faz rir. — Até depois, super girl. — Pisca e os dois entram na caminhonete. Dou um pequeno aceno e os assisto irem embora.
Atravesso o portão de ferro e caminho para dentro do prédio da escola.
***
— Vocês estão dispensados. Podem ir para o intervalo. — Senhora Elisabeth diz assim que o sinal bate. O sino ecoa pelos corredores marcando o fim da aula.
— Finalmente. Estou morrendo de fome. — Chloe suspira.
Nós três nos levantamos e vamos em direção à porta da sala. Já no corredor sinto um vulto acompanhado com uma lufada de ar passar do meu lado e logo em seguida um baque.
— Presta atenção, idiota. — Me viro rapidamente assim como todos no corredor para ver a cena.
Jonas está caído no chão sentado, olhando para Travis que ri sem parar junto com seus amigos. Ele não vai ajudá-lo?
— Dá próxima vez que você cruzar o meu caminho, garoto esquisito — Travis o fuzila com o olhar. — farei mais que te derrubar.
Meus olhos se arregalam.
Mais risos aparecem. Algumas crianças riem enquanto outras olham e cochicham.
Travis passa por Jonas sem antes chuta-lo na perna. Fico olhando para a sua figura imóvel no chão sem saber o que fazer. Chloe e Tiffany também estão imóveis.
Engulo em seco e decido me aproximar.
Nunca antes tinha ousado chegar perto dele, não por medo. Jonas nunca se mostrou sociável com ninguém. Já que não queria amigos, nunca me aproximei. Mas agora, eu preciso fazer isso.
— Jonas... — O chamo baixinho e aproximo minha mão para tocá-lo. Seu rosto se vira rapidamente o que me faz dar um passo para trás.
Suas sobrancelhas negras estão franzidas, enquanto seu rosto sustenta uma feição raivosa. O jeito que me olha me faz recuar.
— Eu... — Tento dizer algo, mas não consigo. Não sei o que dizer.
De repente, Jonas se levanta e caminha para o jardim de forma rápida, como se não quisesse outra pessoa o importunando.
— Alex, acho que ele quer ficar sozinho. — Tiffany diz de forma lenta, me viro para olhá-la.
— Ninguém quer ficar sozinho, Tiff. — Dizendo isso, corro para o mesmo lugar onde ele foi.
Não demora muito para encontrá-lo. O vejo sentado no banco em frente a grande árvore. Onde também ficam as rosas. Seus olhos estão fixos nelas, as admira de forma intensa. Ele também deve ter alguma paixão por flores assim como eu. Vê-lo sozinho ali já está virando um hábito.
Penso se devo conversar com ele ou não. Olho para os meus pés e mordo o lábio. Decido ir à sua direção. Meus sapatos se afundam na grama verde oliva quando vou para onde Jonas está, produzindo um som abafado.
Paro na sua frente. Seu rosto está virado para o lado, enquanto brinca com as pétalas vermelhas de uma rosa de uma das roseiras. Ele sabe que estou aqui.u
Um silêncio nos envolve por longos minutos.
— Jonas... Eu... — Tento começar.
— Se você veio aqui para rir de mim, saia. — Diz sem se virar. Seu tom é frio.
Respiro profundamente.
— Não vim para rir de você. Não sou igual a eles. — Digo. Posso sentir minhas mãos molhadas de suor.
Nesse instante, Jonas se vira e me prende com os seus olhos.
— No fim, todos são iguais. — Me analisa sem nenhuma expressão.
— Olha, apenas não achei certo o que ele fez. Ele não devia ter feito aquilo.
— Agora já é tarde demais. — Diz e volta sua atenção para as rosas como se me ignorasse.
Silêncio.
— Essas rosas são lindas. Mamãe adora colocá-las em toda a nossa casa. — Tento mudar de assunto.
— Você gosta delas? — Jonas pergunta olhando em meus olhos.
— Sim! São as minhas flores preferidas! Principalmente as vermelhas.
Dizendo isso, Jonas arranca uma do jardim e a estende para mim. Com o movimento, a manga da sua blusa sobe um pouco, e vejo uma marca roxa em seu braço.
— Hum... Não deveria ter feito isso... Mas obrigada. Ela é linda. — Pego a rosa de sua mão. E a levo até ao meu nariz, seu cheiro é adocicado. — O que aconteceu com o seu braço?
— De nada. — Rapidamente puxa a manga para baixo e vira o seu rosto para o outro lado, ignorando minha pergunta.
Olho por cima do meu ombro e vejo Tiffany e Chloe ao longe, elas estão nos observando. Sorrio para elas.
Volto a olhar para Jonas. Sem pensar duas vezes, estendo minha mão. Já vi várias vezes papai e Dylan fazerem isso, ao que parece é algum tipo de sinal amigável. Jonas encara minha mão e depois meus olhos.
— Pode apertar. Não irei fazer nada de mal para você. Prometo. — Sorrio em uma tentativa de fazê-lo sorrir também, mas seu sorriso não aparece.
Antes que eu pudesse abaixar a minha mão e murmurar um desculpe, sua mão toca a minha. Nossas mãos se envolvem e se apertam. Um vento aparece e começa a chacoalhar as folhas das árvores, assim como nossos cabelos. Alguns fios negros que caiam sobre os seus olhos são varridos pelo vento. E posso ver nitidamente seus olhos azuis.
Meu sorriso aumenta.
— Prazer em conhecê-lo Jonas. Sou Alex."
Guardei aquela rosa por longos anos depois daquele dia.
[...]
Já é sábado, e estou em casa. A festa de ontem não foi muito empolgante, pelo menos para mim. O episódio da bebida no vestido foi constrangedor. Mas o que me espantou foi o grande reencontro com Jonas. Ele mudou bastante, com certeza ele não parecia mais aquele garoto fechado e tímido de doze anos atrás. Quando seus braços seguraram minha cintura e olhei para aqueles olhos novamente depois de tanto tempo, ainda podia sentir o mesmo vazio que sentia no passado. Seus olhos são como vidro, onde vejo apenas o meu próprio reflexo. É algo que eu não sei explicar. E talvez nunca saiba.
Meus pensamentos mudam para o jantar de hoje a noite. Olho as horas no meu celular e vejo que já são seis horas da tarde. Preciso me apressar se eu quiser chegar na hora.
Depois de tudo pronto, saio do apartamento com destino a casa de Tiffany. Buzino em sua porta, que não demora a abrir.
— Hey. — Tiff diz ao entrar na BMW.
— Hey, animada? — Brinco quando volto a dirigir.
— Gosto de ir na sua casa, você sabe. A sua mãe é um amor de pessoa.
— Só a minha mãe? Não tem ninguém mais? — Me refiro a Dylan. Digo com tom de brincadeira, mas posso botar o tom avermelhado cobrir as bochechas de Tiff.
— Seu irmão também é uma boa pessoa, mas não há nada de especial. — Tenta manter a expressão séria enquanto olha para frente.
— Okay então. — Decido aceitar a sua resposta. Porém, um sorriso sacana continua nos meus lábios.
— Chloe não veio? — Se vira para os bancos traseiros na procura de algo.
— Não. Você conhece a figura. Disse que já tinha um encontro marcado com o Daniel, e que mesmo sendo a minha mãe, ela não gosta de reuniões de família. — Dou de ombros. Para Chloe, essas reuniões não passam de uma grande baboseira sem sentido.
— Já imaginava que ela não viria. Afinal, encontros para ela são como roupas. Não vive sem. — Tento lançar um olhar de repreensão para Tiff, mas ao invés disso caímos na gargalhada o resto do caminho.
[...]
— Não acredito! — Digo exasperada.
— Você nem ao menos checou o tanque antes de sair de casa Alex? — Tiffany diz sentada no banco do passageiro da BMW.
— Eu me esqueci. Não sou muito boa quando o assunto é carros, você sabe disso. E além do mais, tem um posto de gasolina bem ali. — Aponto para um posto já meio antigo que está alguns metros a nossa frente.
— Salva pelo gongo! — Exclama Tiffany com um tom divertido.
Conseguimos chegar até ao posto com gasolina, para nossa sorte. Descemos do carro e Tiffany lança um olhar de "Presta atenção na próxima vez" para mim. Acho graça de sua atitude. Vejo que o carro também precisa encher os pneus, e reviro os olhos.
— Vou ali na loja de conveniência comprar alguma coisa. Já volto. Dê um jeito nos pneus, por favor. — Digo para Tiffany. Adentro para o interior da loja antes que ela pudesse responder.
O posto é uma construção antiga, mas bem cuidada. Há várias coisas na loja, desde revistas pornôs a gomas de mascar. Típico de qualquer loja de conveniência americana. Ando pelos pequenos corredores a procura de uma lata de Coca-Cola e um Doritos. Mesmo a caminho de um jantar não resisto em comprar. Acho uma lata em uma das geladeiras e pego um saco de Doritos e vou para o caixa. Vejo um homem parado de costas arrumando as prateleiras. Está usando uma blusa azul de mangas compridas, com os dizeres "Posso ajudar?" em suas costas. Seus cabelos são pretos e curtos. Ao chegar à frente o chamo.
— Olá? Vou querer isso. Poderia ver quanto fica?
Ao terminar de dizer, o vejo se virar rapidamente para mim. E meus olhos saltam. Não acredito em quem estava na minha frente, naquele posto no fim da cidade. Jonas. Sim, aquele Jonas.
— Hum... O qu...
— Olá Alex. — Seu espanto dura apenas alguns míseros segundos. Mas logo um olhar sério aparece.
— Olá... Você trabalha aqui? — Que pergunta mais idiota de se fazer Alex, é claro que ele trabalha aqui. Me repreendo mentalmente.
— Sim. É o que parece. — Curto e seco. Okay, eu mereci essa.
— Legal. Trabalha aqui há muito tempo?
— Alguns anos. — Diz ao passar as mercadorias pelo sensor. — Mas estou realmente surpreso de vê-la por aqui, Alex. — Sorri de lado ao me entregar a sacola. Pelo o que pude perceber, Jonas parece não gostar de ser o foco de uma conversa.
— Idem. — Tento um sorriso. — Hum, então, a gente se vê por ai. — Digo um pouco sem graça. Ainda é estranho pensar que o reencontrei após tanto tempo. Começo a andar tentando me poupar de uma possível situação constrangedora, mas paro quando ouço sua voz.
— Alex. — Atravessa o balcão e vem em minha direção, sem deixar de me olhar. — Desde o nosso reencontro de ontem à noite, venho pensando em uma forma de te encontrar para conversar. Sabe, uma conversa de amigos. — Dá de ombros.
— Ah, claro. — Digo balançando a cabeça. — Também fiquei pensando sobre ontem. Depois de tantos anos, finalmente nos reencontramos. — Mordo o lábio inferior. — Qual dia está bom para você?
— Segunda. — Sorri sem mostrar os dentes. — Na Coffee Loves?
— Perfeito, é a minha preferida. Te encontro lá depois da faculdade. — Ao me aproximar da porta digo. — Até segunda, então.
— Até.
Atravesso as portas de vidro ainda surpresa com o que acabou de acontecer. Assim que saio, vejo Tiffany ao lado da BMW conversando com um senhor. Ao me ver aproximar ela se despede com um pequeno aceno e entra no carro.
— Algum motivo em especial pela demora? — Tiffany pergunta no exato momento em que sento no banco do carro. Não sei por que sempre me espanto com esse seu senso de adivinhação.
— Digamos que encontrei Jonas Hall trabalhando na loja de conveniência. — Abro o saco de salgadinhos.
— O quê? Sério? Você não pode estar falando sério.
— Oh yeah, estou falando sim.
— A vida é uma vadia. — Tiffany fala com ironia enquanto imita uma das clássicas frases de Chloe. — Mas e aí, o que aconteceu?
— Nada. A nossa conversa foi até que curta demais. Ele apenas me chamou para uma conversa segunda feira. — Digo como se fosse a coisa mais normal do mundo. E na verdade é. — Uma conversa de velhos amigos. — Completo.
— Já? Vocês se reencontraram ontem. Realmente ele quer te ver. — Olha para mim com os olhos surpresos.
— Pois é. Mas confesso que também estou curiosa a respeito dele. Afinal, éramos muito próximos na época da escola. Nunca o esqueci. — Coloco um salgadinho na boca e dou partida no carro.
— E parece que ele também não. — Tiffany diz.
Ao sair do posto olho através do retrovisor do carro e ao longe, Jonas está parado escorado na entrada da loja, assistindo a nossa partida.
[...]
Após alguns minutos chegamos em frente a casa dos meus pais. Depois que me mudei para o meu apartamento, foram poucas as vezes que voltei aqui, mas em todas elas sinto uma paz enorme. É como se eu voltasse as minhas origens, ao meu mundo de fato.
Tiff e eu descemos da BMW e caminhamos para a porta branca da casa. Dou leves batidas e a porta se abre revelando uma mulher de cabelos loiros e olhos meigos.
— Mamãe! Quanta saudade! — Digo a abraçando fortemente e lhe dou um beijo na bochecha logo em seguida.
— Alex! Minha linda! Você se esqueceu de seus pais? — Sua risada é música para os meus ouvidos.
— Acho que sim senhora Moore. — Diz Tiffany com ar brincalhão. A repreendo com o olhar. Tiffany sempre foi a mais séria de nós três, mas ela sempre se sentiu a vontade quando está perto da minha mãe. E ao que parece, seu humor está nas alturas hoje.
— Oh Tiffany! Minha querida! Sem formalidades por favor, esta palavra senhora me causa arrepios. — Todas rimos.
— Okay, sem formalidades. — Tiff diz imitando o juramento do Spok em Star Streak.
— Venham entrem filhas, há muito que conversarmos. — Desde pequena mamãe gostava de chamar nós três de filhas.
— Mãe, onde está o papai? — Franzo o cenho ao entrar na sala de estar. Não vejo nenhum sinal de Tom.
— Ele está trabalhando como sempre, quase não fica em casa. É seu hobbie favorito. — Revira os olhos ao se sentar no sofá. Suspiro.
— Trabalhando em pleno sábado? Isso é uma piada. — Me sento em uma das poltronas ao passo em que fecho minha expressão. E mais uma vez, o dinheiro foi sua prioridade.
— Quem dera fosse querida. Ligaram para ele da empresa, e pediram para que fosse hoje. Ao que parece Tom precisou ficar até tarde, já que ainda não chegou. — Ao dizer a última frase, mamãe olha para o tapete branco aos nossos pés, seu semblante é de pesar.
— Ele nunca muda. — Sorrio ironicamente. Com o canto dos olhos, posso ver Tiffany se mexer incomodada.
— E Chloe? Ela não veio com vocês? — Mamãe tenta mudar de assunto. É tão sutil que quase não percebo.
— Ela disse que já tinha um compromisso marcado para hoje à noite. — Não menciono a parte do 'Chloe também detesta reuniões familiares, e o seu compromisso na verdade tem um nome, e se chama Daniel'.
— Oh, é uma pena! Gostaria de vê-la. — Seu semblante é de decepção.
— Hey família linda.
Nós três nos viramos rapidamente em direção à porta de entrada surpresas com uma voz masculina que surge do nada. Dylan aparece. Ao vê-lo praticamente corro e salto em seus braços. Dylan ri enquanto me roda no ar.
— Não sabia que me amava tanto assim, maninha. — Pisca brincalhão.
— Cala a boca. — Dou um leve soco em seu ombro. — Onde estava?
— Ajudando o velho na empresa. — Diz em uma careta.
— E ele não veio com você? — Pergunto franzindo as sobrancelhas.
— Não. Ele virá daqui a pouco. Teve que ficar para terminar algumas coisas. — Dylan dá de ombros e vai cumprimentar mamãe.
Fico alguns segundos parada processando a informação. Não sei porque ainda espero que ele se preocupe mais com a sua família.
Ao ver Tiffany, percebo que o sorriso de Dylan aumenta. Os dois trocam um breve abraço, e sobre os ombros de Tiff, Dylan sussurra um 'obrigado' em minha direção. Aceno positivamente e sorrio.
Meia hora depois o jantar finalmente ficou pronto. Na verdade, nem vi o tempo passar, já que quando Dylan está em casa não tem como o tédio reinar, pelo menos é o que ele diz.
A casa dos meus pais é simples, mas ao mesmo tempo bem detalhada e colorida. As paredes são brancas, com vários quadros de todos os tipos, os imóveis são de tons vivos. Mamãe sempre gostou de coisas expressivas, de transmitir emoções e sensações.
A sala de jantar também não é diferente. A mesa é cheia de vasos de flores, dentre elas rosas vermelhas. Um pequeno lustre de cristais adorna o teto, deixando o ambiente acolhedor e bonito. A mesa está cheia de travessas com comidas variadas. Mamãe com certeza tem um dom para cozinha, pode-se sentir o cheiro lá da esquina. E que cheiro.
— Mãe, a senhora é um anjo. — Dylan diz enquanto senta em uma das cadeiras. Parece uma criança vendo doces no Halloween.
Todos rimos.
Alguns minutos se passaram de conversas e risadas, até que ouvimos um som vindo da entrada da casa. Passos se aproximam da sala de jantar, e já posso imaginar quem seja.
— Tom, querido! Achei que não voltaria hoje. — Mamãe se levanta para abraça-lo assim que ele aparece na cozinha.
Estreito os olhos ao ver meu pai afrouxar a gravata e dar um breve sorriso. Flashs surgem em minha cabeça. É como se o presente se misturasse com o passado. Por longos anos seguidos, eu vi essa mesma cena se repetir diante dos meus olhos. Com ela, me lembro de todas as vezes que ele nos colocou em segundo plano.
— Desculpe Meredith. Esses últimos dias estão sendo bastante difíceis. — Papai diz ao cumprimentar todos. Balanço a cabeça em descrença. Ao chegar ao meu lado, ele beija meus cabelos de forma carinhosa. — Olá garotinha, estava com saudades.
Apenas aceno com a cabeça, mas nenhum som sai dos meus lábios.
Tom caminha para uma das cadeiras ao lado de Meredith e se senta.
— Como foi o seu dia? — Mamãe pergunta em sua direção. Vejo seus olhos brilharem ao encara-lo.
— Foi mais cansativo que o normal Mere. Já que o Dylan resolveu ir embora antes do combinado. — Tom lança um olhar de repreensão para Dylan, que abaixa a cabeça.
Meus lábios se abrem ao ouvir as palavras de meu pai. Ele não pode estar falando sério. De repente, todo ar de felicidade que estava presente na mesa se esvaiu. Vejo a decepção brilhar nos olhos azuis de minha mãe. Apesar de nunca falar, eu sei que ela sempre sofreu com a ausência dele tanto quanto nós, ou até mais. A raiva borbulha dentro de mim assim que meus olhos se voltam para Tom novamente. Aperto o garfo fortemente em minha mão. Não acredito que ele seja capaz de culpar outra pessoa por seus erros.
— Aliás querida, segunda terei que viajar a trabalho. — Tom diz para mamãe. Como se possível, vejo os olhos de minha mãe se apagarem ainda mais. — Desculpe, mas teremos que desmarcar o outro jant...
— Chega! Será que dá para você olhar ao seu redor pelo menos uma única vez na vida? — Digo exasperada. Me levanto com um pulo da cadeira, que se arrasta no chão reproduzindo um som seco e agudo. As palavras jorram de meus lábios sem que eu possa conte-las.
Olho fixamente para Tom que como todos, me olha espantado.
— Acalme-se Alex. — Sinto a mão de Tiff tocar meu braço, meus olhos se cruzam com os dela. Sua voz séria quase me faz voltar ao meu lugar, porém, minha raiva por tudo aquilo se repetir novamente me mantem em pé.
— Calma? Sério? Já fiquei calma por muito tempo. — Volto a fitar Tom. — Como você consegue colocar seu trabalho na frente da sua própria família? Será que você não percebe que ninguém vive apenas de dinheiro, Tom? — Minha voz se eleva.
— Não me chame assim! — Papai também se levanta em um estrondo. Sua respiração está acelerada. Depois de segundos, ele fecha os olhos e respira fundo. Suas pálpebras voltam a se abrir, e o castanho dos seus olhos me prendem, os mesmos castanhos dos meus. Cerro os punhos ainda mais, o seu jeito de me olhar parece que sou apenas mais um dos seus negócios. Apenas mais um trabalho complicado que ele é obrigado a lidar. — Acho melhor você seguir o conselho de Tiffany, Alex.
Sorrio sem humor e balanço a cabeça incrédula. Isso não pode estar acontecendo. Assim como todas as brigas que tive com ele por este mesmo motivo, essa também não irá resultar em algo.
Me viro e ando rapidamente em direção as escadas que levam ao andar superior; onde fica o meu quarto antigo. Não ouso olhar para trás, não consigo. Apenas ouço sons vindos da sala de jantar.
— Tiff você pode ficar com a minha mãe? Irei ver Alex. — A voz de Dylan se sobressai de todas, é a última que escuto antes de entrar no meu quarto e fechar a porta.
Caio sobre os lençóis lilás da minha antiga cama, e deixo as lágrimas virem livres. Lágrimas de raiva e decepção. Alguns diriam que é infantilidade, mas várias vezes já me perguntei se eu realmente tinha um pai.
Não sou capaz de contar quantas vezes eu chorei por esse mesmo motivo. Quando eu era pequena demais para entender o que verdadeiramente importava para Tom, eu o chamava no meu quarto para que ele se livrasse dos monstros que eu acreditava fielmente que se escondiam debaixo da minha cama. Ele nunca ia. Até que aprendi que se os monstros não fossem de notas verdes e valores altos, ele não se importava o suficiente.
Batidas são ouvidas na porta, que logo se abre revelando um Dylan pesaroso atrás da mesma.
— Posso entrar? — Sua voz é baixa e incerta.
— Você já entrou. — Respondo seca.
— Opa, foi mal. — Sorri fraco.
Dylan entra e fecha a porta atrás de si. Seus passos são lentos, até que chegaram na minha cama, onde se senta na beirada, ao meu lado. Suas mãos se apertam umas nas outras. Dylan nunca foi muito bom em lidar com lágrimas.
— Eu te entendo, super girl. — Ele diz após alguns segundos em silêncio. Ao escutar o apelido carinhoso que ele me dera quando crianças, mais lágrimas rolam pelo meu rosto.
— Como você suportou todos esses anos? — Pergunto enquanto seco minhas bochechas.
— Da mesma forma que você, ele é o nosso pai. — Acaricia meus cabelos. — Nunca tive um pai para jogar bola comigo, ou que fosse no meu campeonato de natação no ensino médio. — Sorrimos ao lembrar daquele dia, Dylan ganhou a medalha de ouro naquele dia, e a exibiu por alguns meses consecutivos. Ainda me lembro de Dylan contar sua vitória para papai, já que no dia da competição ele estava em uma viagem de negócios. Também me lembro da decepção surgir nos olhos do pequeno garoto, ao não conseguir a atenção de meu pai. Afinal, ele estava ocupado demais com os seus papéis. — Mas eu tive um pai, um pai torto, mas ainda um homem que posso chamar de pai.
— Dylan, mas quando eu era criança não queria notas de dólares, mas sim a presença de um pai. — Me levanto ainda perturbada com as minhas antigas memorias.
— Como eu disse, nosso pai é torto e idiota. Ele apenas não soube equilibrar as nossas prioridades. Ele não é uma pessoa má Alex.
— O que ser mau significa? Matar alguém? Roubar? — Franzo o cenho.
— Também. Mas o velho não tem nenhuma maldade naquela carcaça. — Brinca. — Agora que estou trabalhando com ele, posso perceber isso de forma clara. As pessoas possuem seus modos de agir, e o dele é esse. Esse é o nosso pai, que sempre fez de tudo para os seus dois filhos. — Encaro os olhos claros de Dylan, consigo sentir toda a sinceridade de suas palavras.
Alguém bate na porta, Tiffany entra logo em seguida.
— Desculpem interromper. Mas só queria ver como você estava e me despedir. — Tiff sorri docemente.
Dylan olha para ela e percebo seus olhos adquirirem um brilho passageiro. Um pequeno sorriso aparece no canto dos meus lábios.
— Estou bem Tiff. Foi apenas um ataque de estresse. — Me sento na beirada da cama.
— Não precisa explicar. Você teve os seus motivos, não posso julga-los. — Diz se aproximando da cama. Tiff sempre me transmite tranquilidade nesses momentos.
— Onde eles estão? — Pergunto mordendo os lábios.
— A sua mãe subiu para o quarto, queria ficar sozinha. Já o seu pai saiu e não avisou para onde ia. — Diz com o semblante triste. A culpa me invade.
Fecho os olhos e suspiro.
— Bem, já está bem tarde e preciso ir para casa. Mas terei que ir de táxi já que não vim com o meu carro. — Tiffany quebra o silêncio. — Só queria me certificar que você estava bem Alex. Se quiser posso ficar mais um...
— Não precisa Tiff. Já está tarde. Eu posso te levar para casa se qui...
— Nada disso senhoritas. Pode deixar que eu serei o motorista de hoje a noite. — Dylan intervém. — Posso levá-la? — Se vira para Tiff meio sem jeito, um sorriso meio nervoso brinca em seus lábios.
— Eu agradeceria muito por isso. — Acena com a cabeça.
Antes de saírem pela porta, ambos se despedem de mim. Dylan se vira pela última vez e sussurra um 'fique bem' em minha direção, que retribuo com um meio sorriso.
Sozinha outra vez no quarto que um dia já foi meu, flashes dos últimos acontecimentos aparecem em minha mente.
A vida definitivamente é uma vadia.
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