8 - DEBILITADA
“Existe alguma coisa muito especial sobre a mulher que é uma líder num mundo masculino. Afinal, é necessário elegância, força, inteligência, coragem e a audácia de não aceitar um não como resposta.”
Rihanna
— Nunca mais me dê um susto desse Julita. - Pitty diz bem sério segurando a mão da piloto.
Ver a amiga tão debilitada nessa cama de hospital com o colar imobilizador cervical no pescoço recém acordada de um coma, mexeu demais com ele.
É acostumado com a garota ativa, forte e sempre confiante, não consegue se conformar com tudo que aconteceu.
— Se dependesse de mim isso não teria acontecido, eu tenho certeza que Karl fez de propósito. - a piloto diz pensativa.
— Eu também acho isso, a FIA já está apurando, ele tem que ser severamente punido e… - um flash de uma foto recém tirada chama a atenção dos dois para a porta do quarto que estava agora aberta.
— Cara...dá um tempo? - o ruivo diz irritado com a invasão, ele solta a mão da amiga para virar na direção do moço com a câmera na mão.
— Só estou cumprindo ordens dos patrocinadores. - o fotógrafo puxa o cordão com a credencial de autorização que estava pendurada no seu pescoço.
— Isso aqui é um hospital, ela precisa de paz para se recuperar! - Pitty estava indignado com a falta de sensibilidade.
— Tudo bem, já consegui o que precisava. - o rapaz dá de ombros saindo do quarto.
— Não sei como você aguenta isso? - Pitty volta a falar com a amiga.
— Eu não aguento…a multa do contrato me faz aguentar na marra. - com cara de paisagem e também visivelmente incomodada com a invasão, Jully suspira pesado.
A garota se refere ao contrato de exclusividade que os patrocinadores pagam uma verdadeira fortuna à Escuderia Team Racing para terem livre acesso em divulgações exclusivas de seus pilotos, com direito de multa pesada caso algum deles negue essas informações.
Esses é um dos motivos da piloto evitar ao máximo se expor, para não transformar uma simples ida ao shopping ou barzinho num evento de "primeira capa" de sites sensacionalistas.
— Contrato esse que irá acabar no final do ano. - agora o ruivo eleva as duas mãos para o alto onde também direciona sua cabeça num gesto de agradecimento.
— Só tenho que aguentar esse pessoal em cima de mim no Centro de Reabilitação e depois estou livre. - a garota solta outro suspiro, mas de alívio dessa vez. - — É quase certeza que vão me enviar para a Proreha Physiotherapie Frankfurt desta vez.
Petter abre um sorriso enorme. - — Agora sim você está voltando a ser a Julita que eu conheço, a mulher com a visão à frente!
— O campeonato não acabou para mim! Posso estar aqui nessa cama temporariamente debilitada, mas já fiz todos os cálculos. Se supostamente Karl ganhar todas as corridas que eu estiver fora, ele consegue alcançar a minha pontuação, então a última corrida do Campeonato será decisiva para saber quem ganhará o título mundial e eu vou está lá.
— Essa troféu é seu e ninguém tira, mas depois que isso acabar me prometa que você vai tirar férias, mas férias de verdade dessa vez e não dentro da sua garagem mexendo em carros. - o amigo já perdeu as contas de quantas vezes pediu isso em vão.
— Você tem razão…esse acidente me fez rever alguns conceitos. A vida é frágil demais…é um sopro e pode acabar em um simples segundo sem ao menos perceber.
— Somos apenas instantes...acho que nós dois estamos desperdiçando momentos valiosos. - o ruivo diz reflexivo.
— Sim…olha para mim: estou a sete anos consecutivos vivendo para o trabalho e deixando de viver, eu quero voltar mais para a casa, conectar com minhas raízes, com tudo que acreditei que me fizeram chegar até aqui, ter um lugar só meu para desligar de tudo antes de voltar às competições renovada.
Petter volta a pegar a mão da amiga. - — Já pedi para o Louis acelerar o processo de construção do seu lar, sabe que não existe melhor arquiteto do que ele.
Jully olha para o amigo apertando os olhos. - — O que eu estou falando de mim vale para você também! Pare de enrolar o Louis.
— Eu não enrolo ele, Louis que é um indeciso. - Pitty dá de ombros.
— Está na cara que vocês se amam…não deixe que o preconceito estúpido ao redor de vocês destruir essa história tão linda antes de começar.
— Eu não sei se ele realmente quer enfrentar o mundo ao meu lado. - o ruivo está bem receoso.
— Você nunca irá saber se não perguntar, não perca mais tempo porque tudo muda num piscar de olhos.
— Você tem razão, quero fazer uma viagem de férias, só eu e o Louis desta vez…para Bali ou talvez Maldivas, preciso de muito sal e sol no meu corpo.
Jully dá um sorriso melancólico. - — Olha como eu esqueci de mim mesmo, todos saem de férias e voltam cheios de histórias, aventuras de viagens, experiências, romance e eu só tenho de novidade para contar as adaptações que fiz no motor para a próxima temporada.
— Eu gosto de ouvir suas aventuras entre porcas, parafusos e graxa dos motores. - Pitty fala num ar zombeteiro.
— Você não conta porque é meu amigo.
— Me senti ofendido agora. - com a mão no peito o ruivo finge indignação antes de cair na risada junto com a amiga.
A porta do quarto se abre bruscamente, interrompendo os dois.
— Preciso conversar com a Jully a sós. - Sr. Müller entra com cara de poucos amigos.
— Tudo bem, vou lá…hummm…pegar um café.
Assim que Petter sai do quarto, Müller fica um tempo andando de um lado para outro, antes de parar de pé logo à frente da cama da garota.
— Você desobedeceu a ordem do chefe de equipe e quase morreu por causa disso.
— Se eu quase morri, não foi por causa da minha "desobediência" e sim porque Karl bateu de propósito em mim.
— A FIA está apurando esse caso e se acharem indícios disso, ele será punido. - o senhor balança uma mão ao ar.
— E se acharem indícios o que vão fazer com ele?
— Perder alguns pontos, mas a questão não é essa, Jully agora que você está fora do campeonato, irá precisar…
— O quê??? Eu não estou fora da competição coisa nenhuma!!! Ainda posso correr! - a garota interrompe levando um susto com esse comunicado.
— Você não consegue voltar a tempo, as lesões nas suas pernas foram sérias.
— Eu nem fui avaliada ainda por um especialista no assunto, como você pode afirmar algo assim?
— Mesmo que conseguisse, ficou bem claro que você não sabe muito bem trabalhar em equipe, precisa amadurecer isso. - Wagner explica com uma desculpa nada convincente.
— Se a decisão da equipe fosse justa eu conseguiria trabalhar muito bem com ela. - a piloto rebate.
— Pedir passagem a outro piloto é uma tática usada há tempos, não sei porque você acha que isso não é justo agora. - Müller dá de ombros.
— Me dê um exemplo de algum piloto em toda a história do Automobilismo que está com a pontuação máxima e é obrigado a deixar os menos pontuados passar? - a garota chegou no ponto exato da questão.
Müller não responde porque ele sabe realmente que não existe.
— Então isso não é trabalho de equipe que eu conheço. - Jully desmascara totalmente o argumento do seu chefe.
Müller encara a piloto por um momento antes de soltar um profundo suspiro, ele caminha vagarosamente até a janela para observar a paisagem colocando as mãos entrelaçadas por trás do corpo.
— Os lucros dessa temporada ultrapassou todas as expectativas e os patrocinadores concordaram que ter Karl campeão representando as marcas deles será mais aceito no mercado. - ainda de costas olhando a paisagem ele revela a verdade por trás de toda a narrativa.
A garota recebe essa notícia como se fosse um soco dolorido dado em seu estômago, tamanho gosto do amargor que sentiu subindo pela boca.
— Quer dizer então que é isso? Não importa que eu prove que sou capaz…o dinheiro sempre vai escolher o vencedor mais conveniente pelo seu gênero. - Jully fecha seus olhos desacreditada e muito frustrada.
— Corrida é um esporte caro, você sabe disso, sem a verba que os patrocinadores injetam seria impossível manter todo esse circo. - Müller fala ainda olhando a paisagem pela janela.
— E eu sou a palhaça desse picadeiro?
— Todos aqui temos que interpretar conforme o espetáculo e quem paga mais, tem direito de escolher o show. - ele agora se vira para a garota.
Jully fica um tempo em silêncio tentando assimilar essa notícia indigesta.
— Se for assim, então não quero ir a nenhum centro de reabilitação para servir de modelo para fotos de capa de "patrocinadores que não me acham conveniente" para suas marcas, quero voltar para casa sem ter meu paradeiro revelado e sem ninguém atrás de mim.
Müller pensa por um momento na proposta, com Jully longe da Escuderia e dos holofotes seria muito mais fácil driblar a mídia fazendo-os acreditar na narrativa de que a garota está realmente debilitada o suficiente para estar fora da temporada. - — Eu vou providenciar isso.
Jully faz apenas um leve afirmativo com a cabeça vendo o Sr. Müller abrir a porta do quarto. - — Cadê aquelas corridas em que os pilotos tinham liberdade e venciam pelo seu talento?
Müller para por um momento, olhando brevemente para a garota. - — Acabaram em 1994, junto com a morte de Ayrton Senna.
O barulho da porta fechando ecoa pelo quarto deixando uma Jully revoltada, indignada, enojada e anestesiada com um olhar vazio perdido olhando para o nada…estavam tirando de suas mãos os seus sonhos.
Petter se aproxima devagar na cama da amiga percebendo que ela nem viu ele entrar no quarto. - — Julita o que aconteceu?
— Os patrocinadores me tiraram da competição. - a garota diz num fio de voz.
— O quê??? Eles não podem fazer isso só por causa do acidente sem antes ver a sua recuperação.
— Não foi só por causa do acidente.
— Foi por causa do que então?
— Eu não tenho o gênero certo que eles querem. - a garota trava o maxilar falando entre dentes.
— Eles querem te tirar esse troféu só por ser mulher?? Mas…mas isso é um absurdo!!! - Pitty faz uma careta tamanha a indignação.
— Eu não vou deixar… - Jully suspira pesado com uma fisionomia bem seria ainda com o maxilar travado. - — Eu já tenho um plano e vou precisar da sua ajuda e da Liz.
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