1 - SONHOS
"O que a faz diferente ou estranha é
definitivamente o seu ponto forte."
Meryl Streep
18 de julho de 2004
Vestida de macacão jeans azul-escuro, tênis preto no pé e os cabelos castanho escuro preso num rabo de cavalo bem no alto da cabeça, Jullien olhava empolgada com seus grandes olhos verdes água brilhantes para a vela em formato de número 9 acesa à sua frente em cima de um bolo temático de carro de corrida enquanto esperava todos terminarem de cantar parabéns.
- Meu amor faça um pedido antes de assoprar. - sua mãe Margot pede vendo a empolgação da filha.
A menina fecha seus olhinhos bem apertados por alguns segundos mentalizando o único desejo que tinha em seu coração, assim que abre fixa seu olhar por um instante antes de assoprar a pequena chama flamejante que tremulava com a sua respiração.
"Quero ser a garota mais rápida do mundo!"
Assim que a vela se apaga a comemoração foi generalizada com todos os presentes finalizando com mais palmas e desejos de felicidades.
Logo depois que os convidados estarem servidos com seus pratinhos de bolo, seu pai Adam desce as escadas com uma caixa de presente para entregar a filha.
- Não sei se acertei na escolha. - o pai diz com uma voz tentando demonstrar insegurança quanto, na verdade sabe exatamente que a filha sempre sonhou com isso.
A garota abre um sorriso enorme enquanto rasga o embrulho de qualquer jeito revelando uma caixa de papelão e dentro um capacete meio grande personalizado azul-escuro com umas listras brancas e o nome dela escrito numa mescla de preto e branco.
- Pai eu adoreiiiiii!!! - ela se joga nos braços do homem num abraço apertado.
- Que todos seus sonhos se realizem meu bem. - Adam retribuí o abraço apertado da filha enquanto a esposa o olha com ar de repreensão.
Ela também segurava uma caixa de presente para a menina. Margot sempre achou muito perigoso carros de corrida e o assunto acabava em discussão com o marido que incentivava os sonhos da filha referente a isso.
A mãe já fez de tudo para fazer Jullien se interessar por outras coisas, mas nada tirava a fascinação dela pelo automobilismo, a última esperança era que quando ela crescesse enfim tirasse essa ideia fixa da cabeça.
- Jully também tenho um presente. - a mãe chama a filha pelo apelido enquanto entrega sua caixa a qual a menina pega abrindo-a na mesma hora revelando uma linda boneca com vários acessórios como trocas de roupas e sapatos.
- Gostei muito, obrigada mãe. - Jullien até tentou disfarçar com um sorriso amarelo, mas a autenticidade de uma criança é difícil de não notar, ainda mais pela mãe que já de cara percebeu que a filha não gostou do presente que deu...de novo.
Margot repetia o mesmo presente em todo aniversário, natal e dia das crianças com as mais cobiçadas bonecas que as meninas da idade dela dariam tudo para ter e sempre seus presentes acabavam amontoados no fundo do armário, muitas vezes sem nem ser tirados das caixas, ao contrário dos presentes que o pai dava, que na maioria das vezes eram carrinhos.
A menina passava horas montando e desmontando os brinquedos estudando peça por peça, adorava modificar os pequenos motores dos carrinhos de controle remoto e ficava toda feliz quando conseguia o feito, sempre vinha correndo mostrar e narrar detalhadamente o quanto deixou o mini automóvel mais rápido...ou pelo menos assim ela achava.
Adam ficava satisfeito com a empolgação da filha já Margot torcia o nariz, ela já estava cansada de ouvir piadinhas e fofocas sobre a filha não ser "uma garota normal e não gostar de bonecas como toda menina da sua idade deveria".
Mas, no fundo não era por mal, Margot cansou de consolar a filha que voltava chorando da rua por ser rejeitada das brincadeiras das outras meninas que na maioria era de casinha e Jully queria brincar de corrida, levava sempre alguns carrinhos para as amigas colocarem suas bonecas em cima e fazerem um "campeonato", a ideia sempre virava motivo de chacota das demais.
A mãe sabia que esse pensamento diferente da filha daria problemas em todas as fases da vida da menina e não queria que ela passasse por isso.
No fundo nem Margot sabia lidar com essa situação.
12 de Setembro de 2012
Olhando do alto do pequeno morro de terra, Jully parada em pé com o capacete que ganhou do seu pai de aniversário há 8 anos atrás embaixo do braço direito, estudava meticulosamente as curvas sinuosas da pista de kart logo abaixo, fazia um mapa mental na sua cabeça decorando o máximo possível, o quanto teria que reduzir, aonde era possível frear, quais curvas jogaria o carro mais para a direita sem sair da pista.
Seus olhos atentos não perdiam nada, até as risadinhas debochadas de alguns garotos que preparavam seus carros na linha da largada, era um cenário comum e que ela procurava não dar bola, embora a incomodasse, porém, demonstrar irritação seria pior.
Jully era a única garota que disputava essa corrida dominada quase que exclusivamente por homens...quase se não fosse ela persistir em estar aí, então ser subestimada fazia "parte do pacote".
Seu rabo de cavalo voava ao vento quando ela dava uma última olhada nas curvas da pista a seguir, logo começava o final do Campeonato Amador Kart 2012 e ela estava entre os três mais bem pontuados da temporada, agora seria tudo ou nada.
Ela fecha os olhos por um momento suspirando pesado procurando se concentrar ficando uns segundos em absoluto silêncio.
"É por você pai..." - um ritual que Jully sempre repete mentalmente a Adam, falecido por um ataque cardíaco a 4 anos atrás, foi o único que sempre a incentivou e hoje está aqui graças a ele, que comprou esse carro de kart usado que ela usa e patrocinava a filha quando nenhum comerciante queria.
- Julita vai começar! - a voz ardida de Peter chamando por seu apelido que ele inventou faz a garota abrir seus olhos, o rapaz franzino, ruivo de olhos verde com algumas sardas no nariz faz parte da "sua equipe técnica"...bom, na verdade era o garoto faz tudo como todos faziam, mas gostavam de dar nomes específicos para sentir-se importante.
- Vamos nessa! - ela desce do pequeno morro indo em direção do seu carro que já estava posicionado na terceira fileira.
- Está pronta para comer poeira? - Ronie passa por trás da garota falando bem perto da sua orelha para que escute.
Ronie era conhecido como o garoto “riquinho da cidade”, com seu pai gerente de banco e sua mãe, empresária do ramo de cosméticos, sempre teve uma vida mais abastada. Seus carros de karts eram trocados todos os anos por um modelo mais moderno recém lançado e patrocinadores nunca foram problemas, já que seus pais são bem influentes pelos comerciantes locais. Os cabelos negros engomados sempre penteados para trás e uma mania de falar com o nariz levemente empinado, dava ao garoto um ar de arrogância.
- O único que irá almoçar poeira aqui hoje é você vindo do meu carro, espero que esteja com bastante fome. - a língua afiada da garota acostumada com as piadinhas constantes saiu certeiro provocando a ira do rapaz.
- Isso é o que iremos ver. - ele diz entrando no carro que estava logo à frente. - - Você daria uma ótima Grid Girl, deveria ocupar essa sua cabecinha bonita com maquiagem e esmalte para as unhas.
Jully olha automaticamente para as suas unhas sujas de graxa, afinal era ela que fazia as manutenções e adaptações no motor do seu carro e sentia muito orgulho de fazer isso enquanto os demais corredores não sabiam nem onde ficava o carburador, já que deixavam tudo nas mãos dos mecânicos e a única coisa que se ocupavam era dirigir.
O macacão azul-escuro dela era liso, sem nenhum logo de patrocinador diferente dos demais corredores que ostentavam várias marcas ao longo das mangas peitos e costas, mas não foi por falta de insistência que seu macacão não tinha nenhum logo, e sim porque ninguém queria realmente patrocinar uma garota nesse esporte, cansou de ouvir "desculpas e conselhos" dos comerciantes para ela desistir e procurar "coisas de mulher" para se ocupar, sem tanto dinheiro disponível só sobrou ela mesmo colocar a mão na massa literalmente.
- Sabe Ronie, minhas unhas estão até que bonitas hoje, olha só. - a garota primeiro mostra a costa da mão direita aberta deixando visível a ele todas as unhas, mas logo em seguida abaixa todos os dedos deixando em pé apenas o dedo do meio.
- Que horror...garotas não podem fazer esse gesto feio. - ele fala fazendo uma careta de desgosto.
- Garotas PODEM fazer o que quiserem! - Jully dá de ombros entrando também no seu carro.
- Concentração Jullien...concentração. - ela diz baixo colocando o capacete e afivelando o cinto de segurança, era comum tentarem desestabilizá-la sempre antes da corrida e ela tinha que fazer um bom esforço para não ser abalada.
"Senhoras e senhores, a última corrida da temporada irá começar! Hoje conheceremos o vencedor ou vencedora do Campeonato Amador Kart 2012, a pontuação está acirrada então hoje é tudo ou nada" - o locutor anuncia no alto-falante ecoando por todo o Kartódromo.
A bandeira quadriculada trepidante na mão do rapaz em cima de uma escada anuncia ser dada a largada, os carros mais afobados saem cantando os pneus, onde acontecem muitos acidente o que realmente ocorreu, logo a frente do carro de Jully três batem e ela escapa por um triz de ser atingida, Ronie seguia a sua frente.
"Concentração" - ela pede a si mesmo lembrando mentalmente das curvas a seguir e das melhores técnicas que treinou até a exaustão para fazê-las sem perder muito da velocidade, afinal cada milésimos de segundos eram preciosos, na quinta volta numa manobra arriscada pela direita ela aproveita que Ronie abriu demais na curva e o ultrapassa.
Pelo retrovisor ela o vê gesticulando as mãos em protesto, o rapaz ficou na sua cola também esperando uma distração de Jully para conseguir ultrapassá-la, o que não aconteceu, o nervosismo do rapaz o fez a derrapar em cada curva, fazendo aumentar a distância entre eles.
Vez ou outra Ronie se aproximava tentando uma ultrapassagem, mas sempre sem sucesso, Jully não abria espaço e sua técnica era infinitamente melhor.
- Acredito que alguém não fez o dever de casa direito. - a garota fala com seus botões assim que virou a última curva antes da reta final, fez questão de pegar um pouco mais de chão de terra do que deveria, queria jogar poeira propositalmente em Ronie que levanta a mão novamente em protesto provocando risadas nela.
Na reta ela acelera tudo que seu motor adaptado na noite anterior consegue e sem maiores dificuldades cruzar com vantagem a linha de chegada.
"É isso mesmo senhoras e senhores, Jully Ross é a campeã do Campeonato Amador Kart 2012!!! Ela que vinha acumulando pontos desde o começo da temporada, conseguiu surpreender a todos!!!"
Jully para o carro e logo vê sua equipe correndo até ela, ou melhor: só o Peter, afinal só tinha ele mesmo, a ficha demora um pouco para cair.
- Eu consegui? - ela sussurra para si mesmo tentando acreditar no que acabou de acontecer.
A garota desafivela o cinto de modo automático, sai do carro recebendo um abraço apertado do seu fiel amigo Petter e assim segue seu caminho aonde a guiam junto com Ronie e Eric, segundo e terceiro lugar respectivamente, nenhum deles a parabenizaram, mas também ela não estava preocupada com isso.
No topo do pódio Jully recebe o troféu e olha um pouco o objeto em suas mãos para ter a certeza que é real mesmo...e é!!!
Levanta o troféu com lágrimas escorrendo em seu rosto. - - É por você pai!
No alto da arquibancada Phillip Murphy com um leve sorriso observa toda a cena, ele é olheiro da Escuderia Team Racing sempre em busca de novos talentos. - "Uma mulher disputando a Fórmula 1? E porquê não..."
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