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"𝑨̀𝒔 𝒗𝒆𝒛𝒆𝒔, 𝒐𝒔 𝒍𝒖𝒈𝒂𝒓𝒆𝒔 𝒎𝒂𝒊𝒔 𝒔𝒐𝒎𝒃𝒓𝒊𝒐𝒔 𝒈𝒖𝒂𝒓𝒅𝒂𝒎 𝒂 𝒍𝒖𝒛 𝒎𝒂𝒊𝒔 𝒑𝒓𝒆𝒄𝒊𝒐𝒔𝒂 - 𝒃𝒂𝒔𝒕𝒂 𝒆𝒏𝒄𝒐𝒏𝒕𝒓𝒂𝒓 𝒒𝒖𝒆𝒎 𝒄𝒐𝒎𝒑𝒂𝒓𝒕𝒊𝒍𝒉𝒆 𝒅𝒆𝒍𝒂 𝒄𝒐𝒏𝒕𝒊𝒈𝒐."
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Jeon me guiava com passos seguros para o interior do palacete de pedra, e ao nosso redor, o silêncio se estendia como um véu. Atravessamos o jardim de tulipas, onde o colorido vibrante das flores era um contraste com a arquitetura severa e antiga. Cada flor parecia um lembrete de vida em meio à austeridade cinzenta que se erguia imponente diante de mim.

As esculturas de serafins, posicionadas ao longo da paisagem, olhavam para nós com uma serenidade que beirava o sobrenatural, suas asas abertas, eternamente prontas para um voo que nunca aconteceria. Havia algo solene e quase sagrado naquele lugar.

━━ É aqui, ━ a voz de Jeon veio suave, quase um sussurro, como se o próprio ambiente o obrigasse a falar baixo. Suas palavras eram uma confissão, algo que ele revelava apenas para mim. ━━ Onde tudo começou... e onde talvez tudo termine.

Havia um peso em suas palavras que tornava a atmosfera ao meu redor densa, quase sufocante, algo que ressoava em meu íntimo, despertando sentimentos ainda desconhecidos. À medida que seguíamos pelos corredores arqueados e mergulhados em sombras, o frio do ar parecia se entrelaçar com as paredes de pedra, como se os segredos do lugar tivessem sido gravados na rocha. Com cada passo, meu coração batia mais forte, e a sensação de que algo imenso estava prestes a se desdobrar me envolvia, como se o destino estivesse à espreita, aguardando para se revelar.

━━ Você sente? ━ ele parou de repente, sua voz cortando o silêncio. Seus olhos encontraram os meus, e naquele instante, o tempo pareceu parar. ━━ Eles estão nos observando.

Eu olhei ao redor, tentando entender a quem ou o quê ele se referia. Mas não havia dúvidas. Uma presença inegável pairava no ar, algo que não podia ser visto, apenas sentido - uma força invisível que emanava das estátuas, das paredes, e talvez até do próprio chão que pisávamos. Os serafins, antes apenas estátuas inofensivas, agora pareciam ter ganhado vida, suas expressões serenas carregavam um conhecimento que me escapava.

━━ Eles sabem o que está por vir, ━ Jeon continuou, sua voz carregada de uma seriedade que fazia cada palavra parecer definitiva. ━━ Mas não irão interferir. Anjos... podem ser nossos guias, ou nossos julgadores.

O eco dos passos de Jeon reverberava pelos corredores vazios, como se o palacete estivesse ouvindo atentamente cada palavra que ele dizia. Um arrepio percorreu minha espinha, não só por causa da frieza do ambiente, mas pela verdade contida em suas palavras.

A cada cômodo que passávamos, Jeon me apresentava um pouco mais de seu espaço pessoal com uma ternura que aquecia meu peito. Havia um cuidado sutil em suas palavras e gestos, como se ele estivesse compartilhando algo precioso. E, de alguma forma, eu me sentia acolhido, como se aquele lugar, estranho à primeira vista, fosse o meu lar - o lugar com o qual sempre sonhei estar.

"Mas de onde provinha esse sentimento?" A pergunta ecoava em minha mente, entrelaçando-se com outros pensamentos dispersos. Era confuso e, ao mesmo tempo, reconfortante.

À medida que cruzávamos corredores sinuosos, deslizava meus dedos pelas pedras frias das paredes, sentindo as marcas deixadas pelo tempo. O castelo se revelava um verdadeiro labirinto, com passagens que pareciam não ter fim, e antes mesmo de estar completamente em seu interior, já me sentia tonto, fazendo parte de uma imensidão sem saída.

Em cada uma das antecâmaras, retratos e esculturas de anjos e passagens bíblicas adornavam as paredes, lembranças de histórias que conhecia desde a infância, quando Madre Madalena ━ uma das senhoras do Lar dos Anjos ━ se sentava à beira da minha cama para me contar sobre o firmamento e seus seres celestiais. Havia algo nostálgico em ver essas imagens novamente, embora agora parecessem muito mais reais, quase tangíveis.

A curiosidade, como sempre, falou mais alto. Olhei ao redor, absorvendo os tons sombrios que dominavam cada canto do castelo. Tudo variava entre o preto e o cinza, uma paleta monocromática que criava uma atmosfera pesada. Apenas as tulipas que víramos antes destoavam, trazendo cor e vida para aquele lugar que, de outra forma, parecia ter sido esvaziado de qualquer brilho.

━━ Jeon. ━ Chamei seu nome, minha voz ecoando suavemente pelas paredes de pedra, quebrando o silêncio. ━━ Por que esses tons tão escuros?

Jungkook sorriu de forma quase imperceptível, um sorriso que não chegou aos olhos, mas continha um peso oculto.

━━ Ah, anjo... ━ ele respondeu, seu tom suave, mas carregado de um mistério profundo. ━━ Há muito tempo não tenho cores em minha vida. ━ A melancolia em sua voz era palpável, como se aquelas palavras carregassem uma dolorosa história não contada.

━━ E as flores? ━ perguntei, não conseguindo esconder a curiosidade. ━━ Por que as cultiva com tanto fervor? Por que espalhou tulipas por todo Kilmore?

Jeon hesitou por um breve instante antes de responder, seus olhos perdidos por um momento em pensamentos distantes.

━━ São memórias, Jimin. Memórias de alguém muito importante. ━ Sua voz era mais baixa agora, carregada de tristeza, e senti que ele estava falando de algo profundamente pessoal.

Assenti em silêncio, percebendo que esse era um assunto delicado, um terreno que eu não deveria invadir. Respeitando seu espaço, decidi não pressioná-lo mais. Com um gesto simples, ele estendeu a mão para mim, um convite silencioso para que continuássemos a explorar aquele lugar que, assim como Jeon, guardava muitos segredos.

Finalmente, adentramos o palacete. Diante de mim, uma imensa porta de madeira entalhada com rosas douradas que subiam até o trinco - o mesmo entalhe que vi na capela... o mesmo que povoava meus sonhos há tanto tempo.

Jungkook me fitou com uma expressão que parecia pedir permissão, seus olhos encontrando os meus em uma troca silenciosa. Em poucos segundos, um suspiro profundo escapou de seus lábios, e ele girou o trinco envelhecido. A madeira pesada cedeu, e a porta se abriu, revelando algo além do que eu poderia imaginar.

Uma luz forte me envolveu de imediato, quase ofuscante. Ao contrário do restante do castelo, onde a penumbra e os tons frios reinavam, o salão à minha frente brilhava. Enormes janelas de vitrais coloridos deixavam a luz entrar e brincar pelo ambiente. A decoração black and white era impecável, cada detalhe cuidadosamente colocado, criando um contraste encantador com a arquitetura ao redor.

Fiquei estupefato com a delicadeza do lugar. As luzes refletiam nos arabescos dourados, fazendo o salão cintilar com um esplendor quase irreal. Diante de mim, uma imponente escadaria de mármore branco, com corrimões em madeira escura, chamava minha atenção. No topo do primeiro lance de degraus, uma escultura impressionante de um anjo negro, de asas abertas como se estivesse prestes a alçar voo, dominava o espaço. A figura parecia ter vida própria, tornando-se o ponto de divisão da escada, que se desdobrava em duas direções.

Subi os degraus lentamente, sem ousar me aproximar muito da escultura. Já havia me permitido invadir esse lugar o bastante, mesmo com a permissão de Jungkook.

Olhando para o alto, não pude conter um sorriso. Do teto pendia um magnífico lustre de cristais em tons púrpura, que irradiava uma luz suave, enchendo o salão com um brilho incandescente. Talvez essa fosse a fonte de tanta luminosidade.

Jeon me observava atentamente de onde estava, recostado contra um dos pilares de mármore, braços cruzados, com uma postura descontraída. Seu sorriso acompanhava o meu enquanto descia as escadas, sentindo-me levemente eufórico por ter presenciado tal visão.

━━ Que lugar lindo, Jungkook! ━ exclamei, com uma genuína felicidade vibrando em minha voz.

━━ Fico feliz que tenha gostado, Anjo! ━ ele respondeu, seu tom doce e caloroso.

━━ Sua "humilde casinha" é um verdadeiro paraíso.

━━ Minha "humilde casinha" está ao seu dispor. ━ Ele retrucou com um sorriso divertido, usando o mesmo tom irônico que eu havia usado ao me referir ao palacete. Em seguida, sorriu mais uma vez, e por um instante, tudo ao nosso redor parecia tão simples, como se a grandiosidade do lugar fosse apenas um detalhe diante do que realmente importava.

Uma breve curiosidade tomou conta dos meus pensamentos e acabei por expressá-la em voz alta.

━━ Como pode viver sozinho em um local tão lindo como esse? Mesmo com toda a sua beleza, parece tão triste.

━━ Costume e esperança. Um dia... sei que, um dia, ele será compartilhado com mais alguém.

Havia um brilho vívido em seus olhos ao responder, o mesmo brilho que eu já havia visto nos olhos de Mahasiah. Fiquei momentaneamente hipnotizado pela intensidade do seu olhar.

━━ Sente fome? ━ ele perguntou, quebrando o transe em que eu me encontrava.

━━ Oh! Não... não se preocupe. Estou bem. ━ soltei o ar que nem percebi estar segurando em meus pulmões, tentando afastar a sensação.

Mas, para me desmentir, meu estômago roncou de forma audível, fazendo meu rosto corar de vergonha enquanto eu abaixava a cabeça, embaraçado.

━━ Acho que sua barriguinha não concorda com você. ━ Ele riu levemente e segurou minha mão, me guiando novamente.

Atravessamos o extenso salão e chegamos à sala de jantar. Tão esplêndida quanto os outros cômodos, a decoração black and white ainda dominava o ambiente. Havia uma elegância atemporal no ar, algo que me fazia sentir como se estivesse em um daqueles contos antigos de realeza e mistério.

Mesmo com a arquitetura rústica, o castelo de Jeon acompanhava os avanços tecnológicos. Era como se o passado e o presente se encontrassem de forma harmoniosa.

Vi quando ele se dirigiu à cozinha em estilo americano, e o segui, sentando-me no balcão de mármore negro, curioso para ver o que ele prepararia.

━━ Eu sei cozinhar, mas como vê, sozinho não tem tanta graça. Então pedi que Grainne mandasse algumas coisas antes de ir te buscar. ━ Ele sorriu de leve. ━ Gosta de Coddle?

Meus olhos brilharam com a menção do prato, e um sorriso de antecipação se formou em meus lábios.

━━ Coddle? ━ perguntei, deixando a curiosidade tomar conta de mim. ━ Ah, claro! Ensopado com salsichas, bacon, batatas e cebolas... cozido lentamente, certo?

Jeon assentiu, satisfeito com meu interesse, enquanto começava a dispor os pratos na bancada.

━━ Exatamente. ━ Ele respondeu, o tom suave e envolvente. ━ E, para acompanhar, uma Guinness. ━ Ele ergueu a garrafa da famosa cerveja stout irlandesa, seu olhar refletindo o brilho escuro da bebida. ━ O que acha?

As palavras mal tinham saído de sua boca, e eu já podia sentir o aroma delicioso preenchendo o ar a nossa volta. Havia algo profundamente acolhedor naquele cheiro, algo que me fazia recordar da sensação de um lar que eu mal sabia existir.

━━ Perfeito! ━ exclamei, sentindo meu estômago se revirar em antecipação.

Jeon serviu o prato com delicadeza, e o que estava à minha frente era uma visão primorosa. O Coddle, com suas cores quentes e cheiro reconfortante, parecia uma obra de arte, e o contraste com a cerveja de espuma cremosa era quase poético.

Enquanto começava a comer, uma sensação de conforto invadiu-me. O sabor era rico, envolvente, como se cada ingrediente tivesse sido escolhido para acalmar tanto o coração quanto o corpo.

━━ E para sobremesa... ━ Ele sorriu levemente ao revelar o próximo prato. ━ Irish Apple Cake. Bolo de maçã úmido, perfumado com canela e cravo, geralmente servido com creme inglês. Achei que você iria gostar.

Meu sorriso só aumentou, e sem nem precisar responder, ele sabia que já havia conquistado minha aprovação.

━━ Parece incrível. ━ comentei, sentindo o doce aroma do bolo misturando-se ao ar já perfumado do ambiente.

Jungkook observava-me enquanto me deliciava com o ensopado, seu olhar atento, cheio de um carinho que começava a envolver meu coração aos poucos...

𝐏𝐔𝐁𝐋𝐈𝐂𝐀𝐃𝐎 𝐄𝐌: 19/10/2024.
𝐑𝐄𝐕𝐈𝐒𝐀𝐃𝐎 𝐏𝐎𝐑: 𝐌𝐀𝐈𝐑𝐀 𝐋𝐈𝐌𝐀 & VALQUÍRIA SÁVIO
𝐓𝐎𝐃𝐎𝐒 𝐎𝐒 𝐃𝐈𝐑𝐄𝐈𝐓𝐎𝐒 𝐑𝐄𝐒𝐄𝐑𝐕𝐀𝐃𝐎𝐒 ©𝐋𝐘𝐃𝐈𝐀 𝐓𝐀𝐕𝐀𝐑𝐄𝐒